Jorge
Carvalho do Nascimento
Na
semana que acaba de se encerrar uma amiga que acompanha minhas publicações nas
redes sociais comentou comigo que os meus textos viraram um obituário permanente.
No primeiro momento eu fiquei chocado com o comentário. Logo depois, relaxei e me
dei conta que, de fato, eu sou um sexagenário. Não tem como negar, vai ficar
pior.
Ter
mais de 60 anos de idade significa perder amigos. A gente perde amigos porque a
idade tende a nos fazer intolerantes, intolerantes angustiados. O calor das
ideias e do temperamento que nos evolvia em discussões juvenis são trocados
pela racionalidade que busca uma harmonia que nos faz enfadonhos. A nossa
conversa fica cada vez mais chata, mais repetitiva.
Com
sua impulsividade e seus hormônios fervilhantes, os mais jovens percebem de
pronto que não somos a companhia ideal. Fazer amigos entre os mais jovens, nem
pensar. No máximo conseguimos preservar os chamados velhos amigos. Amizades que
cultivamos durante 10, 20, 30, 40, 50 ou mais anos.
O
problema dos nossos velhos amigos é que a velha senhora da foice afiada sempre
está à espreita. E cuida de ceifar um por um. Ninguém escapa. E cada vez que um
se vai, ao menos em mim, se aciona um volumoso sistema de som que anuncia o
embarque dos passageiros do próximo voo. E eu aqui, temeroso de ouvir o número
impresso no meu cartão de embarque.
Esta
é a tragédia. Os que estão entre os 60 e os 70, morrem. Em maior quantidade, morrem
aqueles que estão acima dos 70. E diante dos que já passaram dos 80, a gente
sequer consegue ser discreto e repete recorrentemente um comentário ridículo e
indelicado: apesar de ter mais de 80 anos, você está muito bem.
A
leitura a contrapelo dessa forma de pensar seria: cara, como você é insistente.
Teima em permanecer por aqui. Isto não é nada natural. E o que dizer quando o
amigo já passou dos 90 anos? Não há como fugir da abusivamente citada reflexão de
João Guimarães Rosa no romance Grande Sertão: Veredas:
“O
correr da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Ser
capaz de ficar alegre e mais alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no
meio da tristeza! A vida inventa! Agente principia as coisas, no não saber
porque, e desde aí perde o poder da continuação porque a vida é mutirão de
todos, por todos remexida e temperada”.
Os
amigos continuam insistindo em deixar este mundo. Neste sábado, 10 de maio de
2025, perdi mais um amigo querido – Nilzo Lima. Embarcou no voo que o levou tão
discretamente quanto viveu. Poucas pessoas ouviram a chamada do cartão de
embarque de Nilzo, a quem eu conheci como colega professor, ambos da
Universidade Federal de Sergipe. Eu trabalhando no Departamento de História e
ele no Departamento de Administração.
A
sua família publicou uma Nota de Falecimento discreta, na qual se percebe a
impressão digital do meu querido amigo, como gesto de última vontade. “Com o
coração partido, anunciamos o falecimento de Nilzo Lima Junior. Uma vida que
tocou tantas outras com amor e alegria. Informamos que não haverá velório
(cumprindo com o desejo do mesmo). O cortejo sairá da OSAF às 15h em direção ao
Cemitério Santa Isabel. Descanse em paz”.
Quando
eu li a nota, era já noite do sábado. Não havia mais nada a fazer no Cemitério
Santa Izabel. O último adeus ao amigo eu guardei na minha consciência. Nilzo viveu
80 anos, espaço de tempo no qual tive com ele muitos encontros. Os da rotina de
professores na UFS, o que nos colocava diariamente no Campus de São Cristóvão.
No
período em que o professor Clodoaldo de Alencar Filho foi reitor, ambos
trabalhamos na gestão e convivemos em um grupo frequentemente liderado por
Jocelino Francisco de Menezes e por Luiz Eduardo Oliva, os dois também
importantes amigos do círculo de Nilzo.
Nos
encontramos também na gestão pública, quando assessoramos o prefeito Jackson
Barreto, nos anos 80 do século XX, o prefeito João Augusto Gama, nos anos 90 do
mesmo século. E também quando assessoramos o governador Jackson Barreto entre
os anos de 2013 e 2018 deste século XXI.
Até
que começasse a perder a mobilidade em função das enfermidades impostas pela
nossa fadiga biológica, Nilzo foi assíduo frequentador dos encontros de sábado
em diferentes bares aos quais comparecíamos, sentando em volta de mesas
lideradas por Eduardo Ribeiro, João Augusto Gama, Jorge Fraga, José Vasconcelos
dos Anjos (Zeza), Max Rollemberg e outros sazonais.
Nilzo
sentava, pedia uma cerveja e sabia solicitar petiscos criativos e pratos de
almoço pouco usuais que terminávamos invejando. As histórias mais divertidas
eram sempre as que ele contava, narrando de um jeito originalíssimo e sempre
renovando as narrativas dos mesmos fatos.
Viveu com leveza,
mesmo nas ocasiões em que tomou estocadas profundas. Vita brevis.
Jorge, você escreveu com o coração e a Alma ! Meus sinceros sentimentos pela perda de um inesquecível amigo. Que Deus o receba para o descanso eterno 🙏🙏🙏🙏
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