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MURIBECA, A TELEFONIA E A HISTÓRIA DE SERGIPE


 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Desde que iniciei a minha atividade como professor universitário até agora, frequentemente sou procurado por estudantes de diferentes cursos de graduação na área de humanidades, alunos de cursos de especialização, estudantes de mestrado e doutorandos em busca de objetos de estudo que contemplem a vida da sociedade sergipana.

Os que chegam argumentam que há muito pouco a estudar em Sergipe. Alegam a dificuldade em localizar temas e recortar objetos ainda não estudados. A vida de professor e orientador de monografias, dissertações e teses me levou a organizar uma lista de temas que debato com os interessados. A partir dela já foram produzidos inúmeros trabalhos.

Os temas sempre aparecem casualmente, decorrência dos estudos e leituras que faço ou de outras pesquisas que desenvolvo. Quando isto ocorre, eles são listados no rol de temas e objetos próprios à História de Sergipe que guardo com muito cuidado e que termina sendo muito útil.

Esta semana, fiz uma nova descoberta que me surpreendeu. Estava lendo exemplares do jornal Correio de Aracaju publicados em 1929. Me chamou a atenção uma notícia acerca da instalação do serviço telefônico em Muribeca. Pela importância que dei ao fato, reproduzo a matéria:

“A Empresa Telefônica Sergipana, com o fito único de servir mais amplamente a comunidade, vai estendendo as suas linhas pelo interior, para que todos tenham as mais rápidas comunicações a respeito de fatos que lhes interessem. Há poucos dias foi inaugurada uma linha telefônica para a progressista cidade de Propriá, a qual está servindo com excelentes resultados. Não parou aí. A Empresa continua se esforçando no sentido de conseguir que as suas linhas cheguem a outros municípios, porque o seu desejo é que todos venham a participar desse importante melhoramento. O seu empenho vem sendo coroado de algum êxito. Amanhã será inaugurada mais uma linha. Desta vez quem vai gozar do grande melhoramento é o Município de Muribeca. Esse fato é um sinal de desenvolvimento e este só pode haver quando a administração pública zela pelos interesses dos seus munícipes e age com honestidade”.

A nota do dia nove de novembro de 1929 é reveladora de várias questões da maior importância. Chama a atenção para o fato de o serviço de telefonia estar se expandindo pelo interior do Estado de Sergipe no penúltimo ano da chama Primeira República, quando o Estado era governado por Manoel Correia Dantas, fortemente apoiado pelo presidente da República, Washington Luís.

À época da instalação do serviço telefônico, Muribeca era ainda uma Vila pertencente ao município de Capela. A sua elevação à categoria de cidade somente ocorreria nove anos depois, em 1938. Contudo, é importante registrar que o velho Sítio do Meio possuía uma estação ferroviária importante e movimentada. Era visível a prosperidade dos negócios.

Até a metade do século XX, o desenvolvimento econômico de Muribeca fez com que ali funcionassem um engenho e alguns alambiques e olarias. A riqueza circulante permitia à sua população dispor de quatro cinemas em funcionamento para o seu lazer. Muribeca é um desses municípios à espera que os pesquisadores de História se debrucem mais amiúde sobre a trajetória da sua Economia, das suas práticas sociais, da sua vida privada.

Afinal, mesmo antes da sua elevação a categoria de cidade, a Vila de Muribeca, sediada no Sítio do Meio, era tão pujante que ganhou o seu serviço de telefonia no dia 10 de novembro de 1929. Ainda no dia nove de novembro de 1929, numa solenidade pomposa e coberta de foguetório, o chefe político de Muribeca, Odilon de Figueiredo, fez um telefonema para testar o funcionamento do serviço que seria inaugurado no dia seguinte. Ligou para a redação do Correio de Aracaju, jornal alinhado com a administração do presidente Manoel Correia Dantas, o governante sergipano. A pompa da festa de inauguração, um dia depois, no domingo foi inesquecível para a população da Vila.  

Outra questão importante exposta pela nota do Correio de Aracaju, diz respeito a História da telefonia em Sergipe. Após a leitura da notícia fui avidamente procurar trabalhos densos que houvessem se debruçado sobre a História dos serviços telefônicos sergipanos. Fiz alguns levantamentos bibliográficos e não consegui localizar nada que valesse a pena e que me ajudasse a compreender o contexto de inauguração do serviço de telefones na Vila de Muribeca.

Busquei o catálogo de dissertações e teses da CAPES. Os trabalhos que localizei remetem para a área de Engenharia, discutindo temas relativos aos problemas tecnológicos de funcionamentos dos telefones em Sergipe. Não quero afirmar da inexistência de estudos no campo. Todavia, mesmo que exista alguma publicação mais consistente sobre a História dos telefones no Estado de Sergipe, certamente ainda há muito espaço para pesquisadores que queiram se dedicar a um tema tão importante.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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