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O RESTAURADOR INGLÊS E O PADRE BARONTO

                                                        Padre Baronto


 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

O trabalho ficou perfeito. A imagem da Virgem de Nossa Senhora das Dores estava depauperada quando chegou às mãos do artista. Habilidoso, ele fixou o pescoço da Santa, que estava descolado, repintou a sua cabeça e as mãos, fez os pés com pasta Paris e a vestiu com uma roupa de algodão grosso, pregando-a e colando-a. Por fim, pôs um novo pedestal no meio e duas lâminas de ferro embaixo de tudo.

Nossa Senhora das Dores estava pronta para continuar recebendo nos altares a atenção dos fiéis. Os detalhes do trabalho de restauro, concluído em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, em 20 de dezembro de 1883, foram narrados por Delmiro Joseph Baronto e custou a importância de cem mil reis, pagos por Dona Tiodoninha, a tesoureira da Paróquia que possuía a imagem.

Ao concluir todo o processo, Delmiro escreveu de próprio punho, em língua inglesa, um relato do trabalho e um resumo da sua história de vida. Colocou tudo em um envelope, juntamente com um cartão de visitas e lacrou no interior da imagem.

O documento ficou guardado durante 113 anos. Em 1996, a imagem de Nossa Senhora das Dores demandou nova restauração, realizada por Gilson Silva e Rejane Oliveira Santos. Foram eles que encontraram o documento. Todavia, o Museu de Parati, a quem a imagem pertence atualmente somente revelou a existência do documento e publicou o seu conteúdo oito anos depois, em 2004.

Escrito em Inglês, o documento foi traduzido por Maria Emília Mattos. Delmiro Joseph Baronto, o restaurador nasceu em Londres, foi criado em New York e casou no Brasil, onde chegou em 1850. Ao chegar, se estabeleceu no sertão da Bahia, onde casou e foi pai de oito filhos. Na segunda metade do século XIX, trabalhou como fotógrafo, santeiro, pintor e dourador. Erudito, era fluente em Inglês, Português, Francês, Alemão e Italiano.

 A saga de Delmiro é semelhante a de vários outros membros da família inglesa que em sucessivas gerações migrou e atualmente vive em núcleos espalhados pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Sergipe.

Em Aracaju, durante a primeira metade do século XX, se estabeleceu Sebastião Baptista Baronto, pai de Luiz Daniel Baronto, atualmente o patriarca da família que já se encontra na quarta geração em Sergipe. Certamente, do núcleo sergipano dos Baronto o de maior proeminência contemporaneamente é o padre Luiz Eduardo Pinheiro Baronto, sergipano, aos 50 anos de idade Cura da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Assunção e São Paulo, a conhecida Catedral da Sé, principal templo católico dos paulistanos.

O padre Baronto, terceira geração do núcleo da família estabelecido em Sergipe, é filho de Luiz Daniel, agora com 76 anos de idade. Sebastião, o avô do padre, era filho de Luiz Daniel Baronto que, no século XIX, como o restaurador Delmiro Joseph, migrou de New York para o Brasil e também se estabeleceu na Bahia

Sebastião era Delegado da Receita Federal e foi removido para Sergipe onde casou e se estabeleceu, tendo como seu único filho um menino que recebeu o mesmo nome do avô, Luiz Daniel Nogueira Baronto, e constituiu uma família de quatro filhos na qual o padre é o primogênito.

 

 

*Jornalista, Doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
 

Comentários


  1. Que bonito prelado! Não tenho tanta lembrança dele quanto do Daniel. Acompanhei suas entrevistas com o jornalista Daniel Baronto e ouvi e vi quando ele falou a respeito do Padre Baronto. Parabéns à família abençoada e a você que nos abençoa com esta página importante para o conhecimento da sociedade e da cultura sergipanas.

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