Jorge
Carvalho do Nascimento*
Entre
duas e três horas da madrugada do dia 18 de julho de 1924, as tropas do
Exército aquarteladas em Aracaju perderam um dos seus soldados. Ele estava
acampado nas trincheiras da Praia que ganharia a denominação de 13 de Julho.
Era um dos comandados do capitão Eurípedes Esteves de Lima e dos tenentes
Augusto Maynard Gomes, João Soriano de Mello e Manoel Messias de Mendonça.
As
trincheiras eram consequência da quartelada do capitão e dos tenentes contra o
presidente do Estado de Sergipe, Maurício Graccho Cardoso, que por eles fora
levado preso ao quartel do 28º Batalhão de Caçadores,
na praça General Valadão. Na praia, em frente a foz do rio Sergipe, as tropas aguardavam
a chegada do contratorpedeiro Alagoas, enviado pelo presidente Arthur Bernardes
com forças legalistas para prender os revoltosos e libertar o presidente Graccho
Cardoso.
Aos
19 anos de idade, o musculoso negro Faustino era esbelto, de porte atlético, nascido
e criado na vila do Espírito Santo, hoje a cidade de Indiaroba, às margens do
caudaloso rio Real, delimitador ao sul da fronteira entre os Estados de Sergipe
e da Bahia. Sua família era admiradora de Maurício Graccho Cardoso e do seu
pai, o professor estanciano Brício Cardoso. Por isto, Antonio Faustino estava
ali revoltado.
Exímio
nadador, acostumado a fazer a travessia do rio Real, passando frequentemente
com braçadas seguras da margem sergipana para o lado baiano e vice-versa, não
teve dificuldade para aproveitar o momento no qual a maior parte das tropas
dormia e fugiu, sem que os sentinelas percebesse. Andou até a margem do rio,
mergulhou silenciosamente e quando emergiu e deu as primeiras braçadas já se
encontrava em segurança, sem que houvesse a possibilidade de ser apanhado pelos
pares.
Alcançou
com rapidez o Bico do Pato ou Colodiano, hoje espaço conhecido como Coroa do
Meio. Se embrenhou pelos manguezais e pontas de praia e antes dos primeiros
raios de sol estava vencendo as areias da praia de Atalaia, numa caminhada
incansável que o levou, no início da noite, até a foz do rio Vaza Barris,
região agora bem habitada e conhecida como Mosqueiro, mas, à época,
absolutamente inóspita, onde, exausto, procurou um abrigo natural e dormiu.
Andar
na areia da praia durante todo o dia era pesado e o sol causticante fazia com
que tudo ficasse muito cansativo. Mas, Faustino era desertor das tropas do
Exército e não podia se expor atravessando regiões povoadas, ainda mais usando
o uniforme militar. Viajava sem bagagem e não tinha qualquer outra roupa. Tudo
ficara no quartel, em Aracaju.
Atravessar
a nado a foz do rio Vaza Barris, foi muito difícil, pela distância entre uma e
outra margem, mas o desertor soube aguardar e iniciou a travessia com os
primeiros movimentos da maré enchente, aproveitando as correntes em seus favor,
para ser empurrado até a as praias de Itaporanga D’Ajuda, município que se
limita com o território que à época era São Cristóvão e agora é Aracaju.
Outro
dia de caminhada, atravessando pântanos e areais das praias da Caueira e Saco,
onde dormiu à noite, ao relento. Na manhã do seu terceiro dia, uma grande dor
de cabeça. A dificuldade para fazer a travessia extensa da foz de três rios:
Real e Piauí/Piauitinga. Antônio Faustino reconheceu a canoa de Mané Rabeca, habilidoso
instrumentistas das cordas e experiente pescador de tarrafa, amigo de Zé Viana,
meu bisavô e seu pai. Com ele pegou carona até Espírito Santo, onde chegou por
volta das três da tarde do terceiro dia daquela jornada.
Coincidentemente,
na mesma hora, Zé Viana estava no cais amarrando a sua canoa, recém chegado de
uma boa pescaria na qual a captura de robalos, vermelhas e arraias foi
abundante. Surpreso, abraçou o filho. Ambos choraram e foram para casa. A mãe,
Maria Viana, não escondia sua tristeza desde que o filho se alistara no
Exército. Ficou feliz com a volta dele a Espírito Santo, mesmo alertada quanto
aos graves problemas que envolviam a condição de desertor.
Faustino
era o filho caçula. O único varão de uma prole de quatro descendentes do casal.
Ambília, a mais nova das mulheres, ainda adolescente migrara, em 1923, para Itabuna,
a capital baiana do cacau em função de haver casado com um pequeno produtor do
valioso fruto. Laura, a irmã do meio, também festejou a presença de Antônio. A
minha avó paterna, Maria Viana, o mesmo nome da mãe dela, era a mais velha da
prole e a mais ligada a Faustino.
Rapidamente,
Antônio decidiu. Permanecer em Espírito Santo significava ser preso com
facilidade. Na manhã seguinte partiria um saveiro com destino ao porto de
Ilhéus. Embarcaria para encontrar a irmã Amabília, em Itabuna, e passar uma
temporada trabalhando na propriedade rural do cunhado Alfredinho. O outro
cunhado, Epifânio, meu avô paterno, noivo de Maria Viana, era tripulante da
embarcação e facilmente conseguiu a vaga para que o fugitivo viajasse.
Antônio
Faustino conversou com Maria, a irmã mais velha. Iria até a casa de Raimunda, com
quem deixara seu coração ao se alistar no Exército como voluntário. O amor
entre ambos era sólido e tinham planos de casar. Faustino tinha um grave
defeito: a pobreza da sua família impedia que os pais da moça o aceitassem como
genro. Coube a Maria Viana lhe dar a triste notícia de que o seu amor fora
mandado pelos pais para o Rio de Janeiro, prometida em casamento a um amigo mais
abastado.
Sentado
no convés do saveiro, carregando seu matolão, partiu do porto de Espírito
Santo, por volta das quatro da madrugada, triste e desesperançado ao encontro
da irmã Amabília em Itabuna. A vida perdera o sentido.
*Jornalista,
professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e
presidente da Academia Sergipana de Educação.
O meu e-mail não é o que está registrado aqui!
ResponderExcluirTentando regularizar o meu acesso a este blog.
ResponderExcluirNão consigo resolver...que pena...
ResponderExcluir