Jorge Carvalho do
Nascimento*
O savoir vivre não é invenção isolada de
quem quer que seja. As boas maneiras que a aristocracia ocidental do século XVI
incorporou resultam da aglutinação de padrões de comportamento observáveis em
elementos de origem social diversificada, em face do progresso econômico que as
camadas médias da sociedade começaram a experimentar - fato que ganharia
transparência no século XVIII.
O clero ficou bastante entusiasmado com a
incorporação de vários padrões de comportamento e foi, a partir do século
XVIII, um grande agrupamento social que se dedicou a divulgar os costumes da
corte. A Igreja via nos novos hábitos mecanismos que se prestavam ao controle
das emoções, a disciplinar o comportamento e que traziam para o catolicismo
aquilo que se desenvolvera como fenômenos seculares.
Com isto, a civilidade incorporou alicerces
cristãos e foi, cada vez mais, um padrão desejado e imposto a extratos sociais
menos privilegiados. A Igreja Católica que, no século XI, enxergara heresia no
uso do garfo, teve no século XVIII uma posição diametralmente oposta, como
percebe Norbert Elias nas regras de civilidade cristã divulgadas pelo padre La
Salle:
“É surpreendente que a maioria dos cristãos
considere o decoro e a civilidade como uma qualidade puramente humana e mundana
e, não pensando em elevar mais ainda sua mente, não a considere uma virtude
relacionada a Deus, ao próximo, a nós mesmos. Isto mostra bem quão pouco
cristianismo existe no mundo” (ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Uma História
dos Costumes. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990. p. 111).
Responsável por boa parte da educação escolar no
mundo ocidental, a Igreja Católica criou condições para que, principalmente a
partir do século XVIII, diferentes sociedades fossem invadidas por uma onda de
civilidade. Livros sobre o assunto foram distribuídos às crianças, juntamente
com as primeiras lições e os manuais de leitura e escrita, criando na elite
social um certo desdém em face de determinados padrões.
“Muitas razões morais cumprem o mesmo papel exercido
por razões de higiene, por exemplo, no condicionamento das crianças à aceitação
de padrões sociais. O indivíduo assume o comportamento socialmente desejável,
convencido de que, através do seu livre arbítrio, está optando por aquilo que é
mais adequado para que tenha uma vida saudável e digna” (NASCIMENTO, Jorge
Carvalho do. "A formação do homem civilizado". In: Revista Educar-SE.
Aracaju, Ano I, nº. 3, março, 1997. p. 37).
A difusão dos manuais de civilidade se acentuou ao
longo do século XIX. Porém, nenhum outro momento da história registra um
entusiasmo tão acentuado para com essas práticas quanto a primeira metade do
século XX. Naquele período, em 1939, apareceram os dois volumes do clássico
texto de Norbert Elias Prozess der Zivilisation. Soziogenetische und
Psychogenetische Untersuchungen (O Processo Civilizador. Investigações
Sociogenéticas e Psicogenáticas).
O trabalho do sociólogo alemão surgiu quase que
contemporaneamente aos clássicos O outono da Idade Média, de Huizinga, e O amor
e o Ocidente, de Denis de Rougemont. Apesar da importância do trabalho de
Elias, a sua primeira edição francesa é de 1973, tendo sido publicado pela
primeira vez em inglês somente no ano de 1978. O primeiro volume da edição
brasileira - a primeira em língua portuguesa - é de 1990.
A obra de Norbert Elias tem importância para a Sociologia,
para a História, para a Filosofia, para a Psicologia, para a Pedagogia e para a
Ciência Política. O seu referencial sociológico é construído a partir da
investigação das aparências do comportamento do chamado homem educado.
Ele se dedica a entender como os homens se educam,
como adquirem boas maneiras. Na sua trajetória de estudos, Norbert Elias
incorporou influências importantes na direção do esclarecimento do seu objeto.
Assim é, ao mesmo tempo, entusiasta de Nietzsche e de Freud.
Do primeiro trabalha bem com a ideia de moralidade
como algo adquirido "por um processo de adestramento que terminou fazendo,
do homem um animal interessante, um ser previdente e previsível". De Freud
incorpora a ideia de que a infelicidade do homem como indivíduo é tanto maior
quanto mais aumenta a sua própria civilização (NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. "Contribuição
à Leitura de Norbert Elias". In: Cadernos UFS História. São Cristóvão, Vol.
2, nº. 3, Jul/Dez, 1996. p. 20).
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Enriquecimento é saber, aprender, conhecer. Muito agradecido Prof. JORGE CARVALHO!
ResponderExcluir