Jorge
Carvalho do Nascimento*
Acabei de tomar
conhecimento da morte da empresária Maria Lucinda de Almeida Peixoto, ocorrido
hoje na cidade de Penedo, Estado de Alagoas. Lucinda era certamente a principal
herdeira dos negócios da próspera família Peixoto Gonçalves, empresários que ao
longo do século XX constituíram a mais importante e mais rica família da região
do Baixo Rio São Francisco, consideradas as duas margens – a de Alagoas e a de
Sergipe.
Tive a
oportunidade de conhecer Lucinda Peixoto no final do ano de 2009, quando
iniciei uma pesquisa sobre os negócios da família Peixoto Gonçalves, a convite
do seu genro, José Carlos Dalles, um dos principais executivos com
responsabilidade sobre a gestão das atividades econômicas da família.
Em maio de 2010,
fiz uma série de entrevistas e mantive várias conversas com Dona Lucinda, como os
penedenses e os seus amigos costumavam tratá-la. Fiquei impressionado com a sua
memória que o tempo não conseguira embotar. Do mesmo modo, chamaram a minha
atenção a beleza, a elegância e os finos tratos daquela mulher que se
preservaram desconsiderando os seus muitos anos de vida.
Algum tempo
depois, terminei por fazer amizade com um outro genro seu – Eduardo Regueira,
médico e principal liderança do Rotary Club de Penedo, a quem também aprendi a admirar,
como já admirava a José Carlos Dalles.
Descendente de
uma família da elite pernambucana e da própria família Gonçalves, em Penedo,
Maria Lucinda de Almeida Peixoto foi a principal detentora do controle
acionário da Fábrica de Passagem e presidente do seu Conselho de Administração.
Herdeira da fábrica por ser viúva de Roberto Peixoto e por ser neta
de Manoel Gonçalves, a pernambucana, nascida em Recife no dia 30 de novembro de
1927, era filha de Arnaldo da Silva Almeida e de Ana Gonçalves de Almeida.
O pai de Lucinda era pernambucano do Recife, filho do comerciante português Manoel da Silva Almeida Alves de Brito e da portuguesa Maria Lucinda Alves de Almeida. A mãe da viúva de Roberto Peixoto era alagoana de Penedo, filha do português Manoel Gonçalves, um dos fundadores da fábrica de Passagem, e da também portuguesa Pureza Gonçalves.
O pai de Maria
Lucinda tinha como principal atividade econômica a direção da empresa Alves de
Brito & Companhia, uma firma de vendas em grosso de tecidos sediada em
Recife e com filiais na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Ceará e no Pará.
Muito alegre e expansivo, Arnaldo Almeida era bem relacionado socialmente em
Recife. Lucinda gostava de lembrar que o seu genitor “conhecia do governador ao
estivador do cais do porto”.
Arnaldo gostava
de viajar e anualmente fazia um passeio de férias na companhia da sua mulher,
mesmo com a contrariedade desta, que detestava as viagens. Lucinda
exemplificava a ojeriza da sua mãe, afirmando: “depois que meu pai
morreu, minha mãe nunca mais saiu da nossa casa.”
No ambiente
familiar, Arnaldo era um homem que exercia muita autoridade, mas a
responsabilidade pela educação dos filhos e pela gestão da casa era
principalmente da sua mãe, Ana Gonçalves de Almeida, uma mulher de
personalidade muito forte. Maria Lucinda foi criada pelos pais, numa casa muito
grande, ao lado dos seus cinco irmãos: Manoel, Irene, Carlos, Célia e Ilza. Com
eles vivia também o seu avô paterno, Manoel da Silva Almeida Alves de Brito.
Durante a sua
infância, Lucinda viveu num grupo familiar fechado e se relacionava
principalmente com os seus primos. Costumava brincar de boneca com suas irmãs e
primas e fazia vestidos. Mas, também se envolvia em algumas brincadeiras masculinas.
Lucinda se
divertia ainda jogando futebol e gostava muito das brincadeiras com os seus
primos. “Eu atirava de espingarda, nadava, mergulhava, jogava tênis, andava de
bicicleta e participava de todas as brincadeiras dos meninos” – afirmava sempre a menina danada que buscou sempre ser uma mulher livre e dona do seu próprio
nariz.
Os seus irmãos
costumavam afirmar que Maria Lucinda era dentre os filhos aquele sobre o qual
recaíam as preferências afetivas do pai. Já a menina Maria Lucinda tinha
preferência por se relacionar melhor com o seu irmão Carlos, que faleceu precocemente,
aos 20 anos de idade.
Família
católica, os pais de Maria Lucinda se preocuparam em formar bons hábitos
religiosos nos filhos. Lucinda lembrava muito da educação escolar que recebeu,
principalmente do aprendizado de Filosofia, Arte Culinária, Costura, Língua Inglesa
e Francês. Tudo isto tinha um propósito: “A gente se preparava para ser uma boa
dona de casa”.
Sua primeira
escola foi o Colégio das Damas Cristãs, uma instituição de ensino mantida em
Recife por uma congregação de freiras. Era um colégio conservador, com padrões
disciplinares muito rígidos. As meninas usavam um uniforme com saias longas e
blusas com mangas compridas.
Depois, a menina
foi estudar num colégio fundado por freiras alemãs agostinianas, onde concluiu
o curso ginasial. Eram religiosas com mentalidade muito aberta. Perceberam que
Recife era uma cidade muito quente e adotaram uniformes com blusas de mangas
curtas e saias mais curtas.
“Nós nos
acostumamos com a liberdade” – lembrava Lucinda. Ela considerava que recebeu
das freias agostinianas uma educação escolar de muito boa qualidade. “Eu
gostava muito de frequentar a escola. Não era das melhores alunas, mas nunca
repeti matéria nenhuma. Minhas preferências eram por Matemática e Inglês”.
Em 1943, aos 16
anos de idade, a família foi morar na cidade do Rio de Janeiro, no mesmo
edifício em que morava Joaquim Peixoto, um dos fundadores da Fábrica de
Passagem, localizada em Neópolis, no Estado de Sergipe, defronte à cidade
alagoana de Penedo. A mudança tinha como objetivo possibilitar aos filhos de
Arnaldo a oportunidade de estudar no Rio de Janeiro.
Os pais de
Lucinda voltavam frequentemente ao Recife para cuidar dos negócios enquanto os
filhos ficavam no Rio, estudando. Naquela cidade, Lucinda aprendeu a dirigir
automóveis e recebeu sua carteira de motorista em fevereiro de 1948, antes de
completar 21 anos de idade.
Foi o ano no
qual se casou e foi morar em Penedo. O namoro com o seu primo Roberto Peixoto,
filho de Leonor e José da Silva Peixoto já se ensaiava desde a adolescência,
como Lucinda confessou na entrevista que me concedeu. “Eu vinha passar as
férias com meu avô, em Penedo. Sempre que eu vinha ficava aquela conversa, uma
certa atração por Roberto. Uma das últimas vezes que eu fiz essa viagem, eu
tinha um namorado em Recife. Roberto também tinha uma namorada aqui em Penedo.
Quando eu chegava, ele escondia a namorada e ficava insistindo num nosso
possível namoro. Quando eu voltei para Recife ele foi atrás de mim e o meu
namorado de lá demorou a me procurar. Roberto conseguiu”.
O namoro entre
eles agradou as duas famílias, apesar de não haver objeção dos familiares de
Maria Lucinda quanto ao seu namorado recifense. Mas, a família de Roberto não
se entusiasmava muito com o namoro que ele mantinha em Penedo. Portanto, quando
a família de Maria Lucinda mudou de Recife para o Rio de Janeiro, eles já
estavam namorando e Roberto morava no Rio, estudando engenharia.
Roberto e
Lucinda se casaram na cidade do Recife, no dia oito de dezembro de 1948. Foram
duas irmãs se casando no mesmo dia, na mesma solenidade: Maria Lucinda e Irene.
Ao se casar, Maria Lucinda e Roberto Peixoto fizeram uma longa viagem em lua de
mel. Foram seis meses viajando, entre os Estados Unidos da América e a Europa.
Ao voltar da lua
de mel, o casal foi morar em Penedo. O espaço não era estranho a Maria Lucinda.
Ali estava acostumada a passar algumas temporadas de férias, com o seu avô.
Além disso, tinha muitos parentes na cidade: os seus tios, irmãos de sua mãe. “Eu
sempre tive facilidade de me adaptar, de fazer amizades, de me relacionar. A
mudança para Penedo não causou nenhum estranhamento” – contou-me Lucinda ao ser
entrevistada em maio de 2010.
A esposa de
Roberto Peixoto era a única mulher que dirigia carros na cidade. Penedo era um
espaço urbano isolado, sem estradas para Maceió e Aracaju. Todavia, a cidade
era servida por linhas regulares de navios e por um aeroporto com voos
regulares para Recife, Maceió, Aracaju, Salvador e Rio de Janeiro.
Apesar do
isolamento rodoviário, os penedenses contavam com um bom e bem movimentado
clube social, o Penedo Tênis Clube, apesar de a cidade não ter hotel e sequer
cinema. José Carlos Dalles, um seu genro, que eu também entrevistei, me falou
das suas impressões acerca da sogra: “É uma mulher muito bonita. Quando eu
cheguei em Penedo era uma jovem senhora muito bonita, que todos admiravam a
beleza dela”.
Maria Lucinda e
Roberto Peixoto tiveram sete filhos: Ana, Ivone, Lucinda, Cecília, Roberto e
Leonor. Cecília Peixoto, filha de Lucinda e Roberto Peixoto, trabalhava na
Empresa de Correios e Telégrafos, em Maceió, e morreu no ano de 2008.
Apesar de
dedicar a maior parte do seu tempo à educação dos seus filhos e a sua atividade
como dona de casa, Maria Lucinda sempre manteve algumas atividades econômicas.
No sítio que tinha com Roberto resolveu montar um aviário e se transformou na
principal fornecedora de ovos e de frango de corte do Hotel São Francisco (construído por seu marido, Roberto Peixoto), de
restaurantes e de outros grandes consumidores da região do Baixo São Francisco.
Após a morte de Zeca Peixoto, em 1977, ela assumiu a administração do Hotel São
Francisco e gradativamente foi tomando a responsabilidade de cuidar da maior
parte dos negócios da família.
Hoje Lucinda partiu,
aos 96 anos de idade. É a minha vez de dar-lhe adeus e agradecer a oportunidade que
tive de conhecer uma mulher tão especial.
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