Jorge
Carvalho do Nascimento
Sônia
estava convincente no seu papel de mãe carinhosa e preocupada com suas filhas.
Os dias de Carmen e Carla, de segunda a sexta-feira na escola, das sete da manhã
até as cinco da tarde. Os dias de Sônia, na vida clandestina que ela vivia no apartamento
do Hotel Globo, das oito da manhã às quatro da tarde. As noites eram das filhas.
Das
meninas eram também os sábados, domingos e os feriados. Os passeios eram sempre
no carro de aluguel de Danilo do Bonfim, um Mercury Sedan de cor verde. Sônia
estava vivendo um período de fartura econômica e dinheiro para pagar esse tipo
de conforto não era mais problema. Os lucros auferidos na Padaria Triunfo eram
mais do que suficientes. E ainda tinham os ganhos secretos da prostituição que
superavam os lucros da panificadora.
Sônia
já havia acumulado uma poupança suficiente para aquisição da casa onde morava e
estava negociando a transação com o proprietário do imóvel. Em poucos dias foi
ao cartório, fez o pagamento e se tornou dona da sua casa. Era uma vitória e
tanto para quem fora marcada pela pobreza severa da origem familiar.
Programou
o seu próximo investimento: queria comprar um título de sócia proprietária do
Clube Cabo Branco, a requintada entidade social que estava construindo uma sede
completa e moderna, com linhas de arquitetura modernista, no bairro do Miramar.
O clube funcionava desde 1915, mas agora buscava um novo espaço que comportasse
instalações luxuosas, compatíveis com o status econômico dos seus associados.
Sônia
pagou quase o equivalente a 50 por cento do valor da sua casa na aquisição do
título de sócia proprietária, aproveitando a campanha que fora lançada pelo
clube para financiar partes das obras da sua sede no bairro Miramar. Sabendo do
rigor utilizado pelo Cabo Branco na venda dos seus títulos, ela teve uma
conversa prévia com o Coronel Amazonas.
-
Meu Coronel, você já me conhece a muito tempo. Sabe da minha luta e da minha adoração por
você. Sabe que eu tenho lutado muito para criar minhas filhas com dignidade.
Agora, eu tenho um sonho e você pode me ajudar. Você é da diretoria do Cabo
Branco. Eu quero aproveitar a campanha do clube de venda de títulos para
construção da nova sede e adquirir um título pra minha família. Vai ser bom pra
minhas filhas. Vão conviver com pessoas de boa família, vão aprender a nadar,
vão praticar esportes e ainda frequentar as festas da alta sociedade paraibana.
Preciso que você ajude na aprovação da minha ficha, da minha proposta – expôs Sônia
ao Coronel Amazonas.
-
Sônia, você sabe que o Cabo Branco é um clube rigoroso. Eu sei que você é uma
empresária de sucesso. Hoje, é a maior fabricante de pães e bolos da Paraíba.
Tem a maior padaria de João Pessoa. Sei que você continua fazendo vida como
quenga porque gosta de macho. Posso dizer hoje que você é uma mulher rica, mas
isso não basta. O Clube Cabo Branco quer saber qual é a sua família, a sua
história de vida, se você tem uma vida reta. Na hora que seu passado ou sua
atividade secreta de rapariga for descoberta, você vai ser rejeitada – reagiu o
Coronel Amazonas.
-
Meu Coronel, você é jeitoso, sabe como resolver essas coisas – afirmou Sônia
com voz mansa ao tempo que suas mãos acariciavam a natureza morta do Coronel
Amazonas.
O
Coronel agiu, dialogou com os membros da Comissão. Mostrou que Sônia era uma
moça que trabalhava duro no comércio, que começou pequena e foi crescendo aos
poucos até a sua empresa se transformar na maior e mais importante indústria
panificadora paraibana.
O
fato é que Sônia foi aceita como associada e após o pagamento recebeu o título
de sócia proprietária do Clube Cabo Branco. Ela estava feliz. Agora frequentava
o high Society paraibano. Acompanhava as filhas nas matinais e matinées
festivas do Cabo Branco. E, algumas vezes, levou sua amiga Ermelinda para soirées.
Todas, sempre, muito bem vestidas.
Nos
sábados e domingos almoçava com as filhas no Restaurante Panorâmico do Cabo
Branco e se encantou com as festas de carnaval, especialmente os bailes do
vermelho e branco. Sônia se sentia à vontade naquele espaço de conversas,
discussões políticas e frequentando os cafés e o restaurante do Clube.
Carmen,
a sua filha mais velha, descobriu no Cabo Branco o prazer do voleibol. Carla
foi matriculada nas aulas de natação do clube, enquanto Sônia se matriculou
numa turma de tênis para mulheres. Frequentar o Clube Cabo Branco foi um fato
que mudou radicalmente a vida de Sônia e das suas meninas.
A
sertaneja fora tomada por uma sensação de pertencimento, de ter sido aceita
pela alta sociedade paraibana. Isto mexeu com a sua autoestima, como o olhar
que lançava sobre o mundo e estimulou ainda mais o seu entusiasmo em oferecer
às filhas uma educação esmerada em refinamento e boas maneiras.
No
Cabo Branco ela conheceu o rico advogado Anselmo Gomes, dono de um escritório
de muito sucesso e altíssimo faturamento, filho de um proprietário rural que
além de possuir um rebanho bovino respeitável era o maior plantador e
exportador paraibano de algodão que ajudava a abastecer de matéria prima a
indústria têxtil inglesa.
Com
Anselmo, Sônia aprendeu a dançar tango e iniciou uma relação que terminou na
cama do Hotel Globo. Ela dispensou o ourives da Caixa Econômica, Amâncio
Santana, e passou a receber Anselmo nas tardes de segunda-feira.
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