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SÃO JORGE E OS ESCOTEIROS




 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

O dia 23 de abril de cada ano é dedicado a celebrar o Dia do Escoteiro. É também a data dedicada a homenagear São Jorge, o santo guerreiro. Não sem propósito, São Jorge é padroeiro dos escoteiros, em todo o mundo. Também é o santo da minha devoção. Afinal, Jorge, meu nome, decorre de uma promessa da minha avó Petrina ao santo guerreio.

 Nas duas primeiras vezes que Dona Ivanda, a minha mãe, engravidou, nasceram meninas: Iara e Ediana. Na terceira gravidez, Vovó Petrina prometeu a São Jorge que se nascesse um menino a ele seria dado o mesmo nome do valente soldado da Capadócia. O santo atendeu e aqui estou.

Em novembro de 1969 fiz a minha promessa como escoteiro. Em 2008 publiquei o livro A ESCOLA DE BADEN-POWELL. Desde aquele 1969 aprendi muito com os chefes escoteiros aos quais me liguei direta e indiretamente: Gilmário Rezende, Adalberto Rodrigues, Walter João Dantas, Ernane de Jesus, Gilson Santos, Fernando Goes, Germínio Goes, Aldenise Cordeiro, Denise Nascimento, Wanderley Montalvão, Orlando Santos, Wilman da Silva Andrade.

Aprendi também com muitos escoteiros e bandeirantes que foram meus contemporâneos e com os quais convivi e troquei experiências: Eduardo Antônio Seabra, Carlos Alberto Silva, Eliel, Vera Marta, Verônica Nunes, Iara Nascimento, Roberto Negrão, Enfim, a lista é muito grande e tomaria muito tempo.

Ao longo de tantos anos aprendi que o movimento escoteiro é uma forma de associação voluntária, uma organização não-governamental internacional. No Brasil, um importante grupo de estudiosos da História do Escotismo, a Patrulha Jaguatirica, tem feito o importante trabalho de pesquisar e publicar estudos acerca da História do Escotismo.

O grupo entendeu que é fundamental inventariar as práticas do movimento escoteiro, compreendendo ser este um importante objeto da História da Educação, buscando a sua etnografia, as suas evocações, a sedução produzida por este movimento na memória daqueles que foram e são escoteiros e escotistas.

Sedução que se expressou nas suas práticas de normalização social e nas representações que se fez de tais práticas. Para quem estuda a História do Escotismo, fica perceptível que participar do movimento escoteiro era assim, participar do universo de uma nova cultura, uma cultura que oferecia uma visão de mundo articulada em torno de uma proposta de autoformação, que produzia forte impacto nas emoções, nas paixões, na paisagem natural, na paisagem urbana, nos processos de aprendizagem da vida, nas experiências de contato com a natureza, na produção de uma identidade cidadã.

O Escotismo deve ser considerado como uma cultura que se ajustou a diferentes culturas infantis e juvenis. A cultura escoteira constituiu um conjunto de normas que definiram valores e condutas, através de práticas que levaram à auto-incorporação de valores, normas e comportamentos, que expressaram objetivos da vida coletiva e dos interesses individuais.

Assim, cultura escoteira foi, acima de tudo, cultura infanto-juvenil que se afastou da cultura escolar e da cultura familiar. Haver compartilhado essa cultura aproxima os indivíduos pelas marcas que restaram na memória destes, através dos registros que ficaram em fotografias, pela sensação de pertencimento, de comunhão, de uma certa intimidade que reduz distâncias entre todos, que faz com que todos se regozijem naqueles que fizeram sucesso, dentre muitos, como se fora uma obra coletiva.

Todos unidos pelas imagens que restaram dos acampamentos, das solenidades, das festas, das reuniões, das histórias de vida, do relacionamento com os dirigentes, do uso dos uniformes. A cultura escoteira, portanto, expressou toda a vida do escoteiro, dizendo respeito a um conjunto de teorias, ideias, princípios, normas, pautas, rituais, inércias, hábitos e práticas. Formas de fazer e pensar, mentalidades e comportamentos sedimentados sob a forma de tradições, regularidades, regras do jogo.

Assumir as práticas do Escotismo como cultura escoteira é uma tomada de posição que revela a necessidade de compreender a configuração histórica do Escotismo na sua unidade, a partir de distintas formações sociais. Entender os vários caminhos que o Escotismo utilizou nas suas prédicas civilizatórias, oferecendo formação aos seus jovens adeptos, produzindo um passado comum a todos eles, um patrimônio cultural coletivo do qual todos se orgulham.

Escoteiros e escotistas rememoram suas experiências, as maneiras através das quais estabeleceram relações, utilizaram estratégias, produziram a si como sujeitos da História. É importante entender esse conjunto de práticas não apenas pelos olhares dos críticos do Escotismo, mas também em face dos olhares dos próprios agentes do movimento e dos familiares dos escoteiros.

A memória dos participantes do movimento escoteiro ajuda na compreensão da Pedagogia de Baden-Powell. Recorrer a tal memória é fundamental para interpretar o processo de organização do movimento escoteiro e as suas práticas. Os militantes do Escotismo são sujeitos históricos que atuaram tomando por base o projeto do fundador do movimento e as limitações que a realidade lhes impunha, em face das condições de cada tempo e lugar, dos valores que portavam e das escolhas feitas por estes em distintas oportunidades.


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