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GILVAN ROCHA E A MEMÓRIA POLÍTICA SILENCIADA


 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Silenciosamente, sem que ninguém tenha até agora registrado, o ano de 2025 marca os 50 anos do início do mandato como senador da República do médico, artista plástico, chargista e membro da Academia Sergipana de Letras, João Gilvan Rocha. Simplesmente Gilvan Rocha, o surpreendente vitorioso das eleições parlamentares de 1974 em Sergipe, derrotou um dos mais importantes dentre os “caciques” da vida pública sergipana, o ex-governador e ex-senador, antigo líder da UDN, Leandro Maciel.

Gilvan foi eleito em 1974, o ano em que a ditadura militar brasileira completou 10 anos. Tudo, aparentemente corria bem para os ditadores que se aboletaram no poder depois da deposição do presidente João Goulart em 1964. Mas, aquele ano de 1974 não terminou bem para eles.

O governo conheceu um retumbante desastre eleitoral. Nas eleições de 15 de novembro, o Movimento Democrático Brasileiro, o MDB, partido de oposição, conquistou 16 das 22 cadeiras para o senado que estavam em disputa. E conquistou 161 das 334 cadeiras (44%) da Câmara dos Deputados. A eleição abalou o país e solapou as bases da ditadura.

Em Sergipe, na disputa eleitoral daquele ano, até que o nome do médico Gilvan Rocha fosse definido como candidato a senador foram muitas as personalidades convidadas pelo MDB para a disputa do mandato. Uma delas, o médico José Hamilton Maciel Silva, afirmou, em entrevista que me concedeu no mês de setembro de 2008, que era constante o assédio que recebia das lideranças emedebistas.

O relato de Hamilton é esclarecedor do quadro que existia antes da formalização da candidatura de Gilvan Rocha: “Eu fui abordado muitas vezes. Eu participava das associações de classe e o meu nome ficava sempre em evidência. Era um nome sempre procurado para ser candidato, até porque era médico e era referenciado socialmente. Eram missões que visitavam a minha casa para fazer os convites. Os grupos que visitavam as pessoas com tal objetivo eram sempre liderados por José Carlos Teixeira, que era um homem muito envolvente, era um líder. Ele insistia, algumas vezes levava Seixas Dórea, outras vezes ia com Jackson Barreto. Eu recebia a visita de vários líderes do MDB”.

Aconteceu com a candidatura de Gilvan Rocha a mesma dificuldade que se registrara em 1970 com a candidatura de Oviedo Teixeira. Era muito difícil encontrar um nome que aceitasse ser candidato a suplente de senador pelo MDB. Gilvan Rocha procurou vários colegas médicos, mas ninguém aceitou.

Em junho de 2008 eu entrevistei José Carlos Teixeira, que fora o grande líder do MDB em Sergipe. Ele esclareceu os desafios enfrentados para viabilizar a candidatura de Gilvan Rocha: “Nós procuramos Antônio Tavares e pedimos a ele que fosse o suplente de Gilvan Rocha. Na Arena, como Leandro Maciel já tinha 80 anos de idade, a briga era muito grande, todos queriam ser suplentes. O nome indicado pelos governistas foi o do ex-governador Arnaldo Garcez”.

No exercício do mandato de senador, a partir de 1975, Gilvan Rocha apareceu como um dos melhores da sua geração de parlamentares brasileiros, por sua presença atuante e pela marca de preparo intelectual no trato dos problemas nacionais. É muito lúcido acerca disto o depoimento que deu o ex-governador e ex-deputado federal Jackson Barreto de Lima, a quem também entreviste, em maio de 2008.

Segundo Jackson, “Gilvan Rocha foi um senador brilhante, que ajudou a mudar a história política de Sergipe. Ele fez parte daquele grupo de senadores eleitos em 1974, criando o maior problema político para a ditadura militar”. A atuação parlamentar do senador Gilvan Rocha colocou a representação de Sergipe numa posição destacada no Congresso Nacional. Todavia, era um político impaciente para atender os pequenos chefes políticos, para organizar diretórios, para tratar dos pequenos interesses.

Eleito vice-presidente da Comissão de Saúde do Senado, Gilvan Rocha escolheu a área como uma das que merecia a prioridade do seu trabalho, criticando principalmente o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, à época um dos principais responsáveis pela política de saúde pública no país.

Neste campo, um dos seus principais focos de crítica foi a indústria farmacêutica nacional, onde, segundo o senador, faltavam fiscalização e controle. Nessa indústria, os poderosos laboratórios abusavam do poder de fazer propaganda e da distribuição de amostras grátis com os médicos. Por isto defendia que a distribuição dessas amostras fosse realizada através de controle do governo.

Além disto, o senador sergipano levantou a luta pela implantação de polos de desenvolvimento nas diversas regiões do Brasil, defendendo o fortalecimento da agricultura e da indústria. Dentre esses polos, o senador pautava a criação do Polo Petroquímico de Sergipe. O seu projeto para Sergipe defendia também a implantação de um Polo de Desenvolvimento Agropecuário, que poderia se localizar em Porto da Folha ou Simão Dias, como estímulo à expansão da bacia leiteira do Estado. Outra bandeira que o parlamentar assumiu foi a da luta em favor do divórcio, à época um dos temas que causava maior polêmica no Congresso Nacional.

Em 1977, dois anos depois da sua estreia como senador, Gilvan Rocha conquistou a vaga de vice-líder do MDB no Senado Federal. O prestígio que lhe garantiu tal posição se deveu ao seu bom desempenho como parlamentar oposicionista durante dois anos consecutivos.

Certamente, nenhum outro senador da República na história de Sergipe ganhou tanta projeção e tanto prestígio na sociedade brasileira como Gilvan Rocha. Sergipe somente voltaria a ter um representante no Senado com o mesmo prestígio de Gilvan exatos 20 anos depois, em 1995, com a posse de José Eduardo Dutra, eleito em 1994.

Já passou a horas dos sergipanos reconhecerem e homenagearem a grandeza do mandato e do brilho da personalidade do senador Gilvan Rocha.


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