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GILVAN ROCHA E A MEMÓRIA POLÍTICA SILENCIADA - III


 

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Ginecologista e cancerologista nascido na cidade de Propriá em 1932, João Gilvan Rocha saiu da sua bem frequentada clínica para a candidatura ao Senado, sem nunca haver disputado anteriormente qualquer eleição e foi enfrentar o chefe político mais tradicional de Sergipe, Leandro Maciel.

Professor da Universidade Federal de Sergipe e médico formado pela Universidade Federal da Bahia, Gilvan era muito querido pela elite de Sergipe, mantinha o melhor consultório privado de Ginecologia do Estado, no Hospital Santa Izabel, e era também conhecido por algumas incursões que costumava fazer periodicamente na área artística.

No dia 07 de junho de 2008 entrevistei o engenheiro civil Luiz Antônio Mesquita Teixeira que atuava nos bastidores do MDB, ao lado dos seus irmãos, José Carlos e Tarcísio, e do seu pai, Oviedo Teixeira. O discurso de Luiz Antônio ajudou a esclarecer muito a respeito da imagem que tinha de Gilvan Rocha a sociedade sergipana:

“Minha primeira mulher, Isolina, era cliente dele. Naquele tempo a mulher não ia sozinha ao consultório do ginecologista, o marido acompanhava. Eu achava engraçado, porque o consultório cheio de gente, ele examinava minha mulher e depois começava a falar de política comigo. Ficava 40 minutos, uma hora falando de política. Eu pensava: esse cara está louco para entrar na política. Eu sugeri o nome dele a Zé Carlos, para ser candidato a deputado federal. Ele era muito querido entre os médicos, a enfermagem gostava dele, os pacientes adoravam. Era um homem carismático. Fui com Zé Carlos convidá-lo a se filiar ao MDB. Ele se filiou no último dia do prazo”.

A partir da convenção partidária do Movimento Democrático Brasileiro - MDB, em julho de 1974, os discursos das principais lideranças oposicionistas em Sergipe se mostraram reveladores da imensa distância existente, em termos culturais, entre os seus líderes e os arenistas. Este tipo de discurso, dominante na campanha eleitoral de Gilvan Rocha, também foi adotado por lideranças como José Carlos Teixeira, Jonas Amaral, Umberto Mandarino, Jackson Barreto, João Santana Sobrinho, Leopoldo Souza, Costa Pinto, Octávio Penalva e Wellington Paixão.

Gilvan Rocha pretendeu, acima de tudo, em sua campanha eleitoral, sensibilizar as camadas médias urbanas, por considerá-las formadoras de opinião. Um grupo que atraía particularmente a atenção de alguns candidatos do MDB às eleições de 1974 era a juventude.

Além de Gilvan Rocha, também Jonas Amaral, candidato a deputado federal, e Jackson Barreto, candidato a deputado estadual, trabalharam intensamente junto aos eleitores jovens. No final do mês de outubro, os três assinaram conjuntamente uma Carta Aberta aos Jovens, distribuída na Universidade Federal de Sergipe e nos principais colégios de Aracaju e das maiores cidades do interior do Estado:

“Você que votará este ano pela primeira vez talvez não sinta motivação para a luta eleitoral. Muitos de vocês enfrentam o dever maior de cidadão(ã) com o mesmo enfado com que compram um selo, entram numa fila do INPS, tiram um documento numa repartição. A culpa não é sua. Não cabe à sua geração culpa alguma. Você se tornou adulto(a) num Estado onde metade dos adultos são analfabetos, onde os jornais só chegam a uma elite, onde as condições de vida do povo são tão baixas quanto nas regiões mais pobres do mundo. Um clima desses alimenta a alienação, o abandono da vontade de decidir seu próprio destino. Você foi proibido(a) pelos decretos mais draconianos de questionar, de se associar, de viver como cidadão(ã). No Brasil de hoje a liberdade é um privilégio das pessoas jurídicas, das empresas multinacionais. E a juventude é tratada como boi de engorda: preparada para receber força de trabalho. E só. A questão política que nós assistimos em SERGIPE é o almoço de homenagem à trupe governista na fazenda tal, é o acordo que o candidato rico assina com o cabo eleitoral, é a mesma coisa do tempo dos coronéis. Mas Sergipe está chegando ao século XXI. Você será forçado a trabalhar com computador – enquanto seus líderes são do tempo do cavalo, da espora, da novidade do algodão mocó e da usina. Esta justaposição de épocas históricas está levando Sergipe para o atraso, para o esvaziamento, está empobrecendo ainda mais o nosso Estado. A incompetência, o deixa-estar-que-amanhã-melhora, a cegueira diante do futuro, a falta de vontade da liderança tradicional de Sergipe, refletem na sua vida, jovem sergipano(a), de uma maneira drástica: no seu emprego. Quantos de vocês têm certeza de que encontrarão um emprego digno, uma vida decente quando saírem da escola? Quantos de vocês, jovens que estudaram com esforço, perambulam dez, doze meses atrás de um emprego, após o vestibular desemprego, cada ano mais difícil? As nossas candidaturas significam a escolha entre a nostalgia de Sergipe canavieiro e pastoril, da casa grande e da fome, ou a ESPERANÇA DE SERGIPE industrializado, com seus minérios explorados, pobre, porém digno, com seus problemas equacionados em razão da necessidade de criar emprego digno para todos, de oferecer salários compatíveis para os trabalhadores. Um Sergipe que não permite a fome de muitos em razão do egoísmo de uns poucos. Um Sergipe de computador, de laboratórios, de agricultura moderna, de terra produzindo, de comida mais fácil. De sindicatos funcionando livremente, com os trabalhadores livres para pedir aumento. As nossas candidaturas encarnam a defesa da educação gratuita. De ensino moralizado. E a defesa da assistência médica mais eficaz, sem o espetáculo constrangedor dos doentes amontoados diante dos hospitais sempre lotados. As nossas candidaturas refletem a defesa de um Sergipe livre. Humano. Digno. Sem ódio – sem medo. Pense nisso, jovem sergipano. Nós confiamos no seu julgamento e na sua capacidade de influenciar outros sergipanos. Gilvan Rocha, Jonas Amaral e Jackson Barreto”.

 

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