Jorge
Carvalho do Nascimento*
Um
prato de porcelana fundo sobre o qual se despejou uma garrafa de cerveja Brahma
Chopp. Mergulhada na cerveja, uma colher de sopa. Apenas o cabo à mostra. Ao
lado um outro prato de porcelana fundo onde se colocou 250 gramas de queijo
coalho cortado em pequenos cubos que formavam uma assustadora montanha branca.
Sobre a montanha de queijo, um garfo.
Os
contendores se posicionaram, um em cada lado da mesa, na cozinha de Dona Ivanda,
a matriarca. Antônio, o meu pai, na cabeceira, era o árbitro da competição. A
disputa era desigual. Meu tio, Antônio Faustino, irmão de Vovó Maria, era um
negro, corpulento, experiente frequentador de bares, restaurantes, boates, cabarés,
enfim, tudo quanto é espaço da vida boêmia.
Policial
Federal, aos 65 anos de idade o tio Antônio fazia a alegria dos sobrinhos sempre
que entrava em gozo de férias, no mês de janeiro, e abandonava a sua casa da
Baixada Fluminense, em Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro, para viver
30 dias perambulando entre Aracaju e Indiaroba, no Estado de Sergipe.
Era
com ele que eu aos 12 anos de idade, competiria. A minha tarefa era a de comer
250 gramas de queijo coalho antes que o gordo e corpulento tio Faustino fosse
capaz de sorver com uma colher de sopa, uma garrafa de cerveja Brahma. Eu,
estreante. Ele, tinha em seu cartel de vitórias o fato de nunca haver sofrido
nenhuma derrota naquele tipo de embate.
Um,
dois, três... Na terceira batida da palma da mão do meu pai sobre a mesa da
cozinha iniciamos a peleja. É muito difícil mastigar aquela quantidade de
queijo em alta velocidade. A cada novo pedaço que se coloca na boca, o queijo
vai inchando e ganhando a consistência de um pedaço de isopor. Fica intragável.
A
tarefa do meu tio Antônio, também não era das mais fáceis. Colocar a cerveja no
copo e sorvê-la é bem mais confortável que despejar a garrafa em um prato e consumir
o líquido com uma colher. No regulamento pactuado, eu seria desclassificado se
um único pedaço de queijo fosse regurgitado. Ele, se derramasse uma gota sequer
de cerveja fora do prato.
O
prêmio: caso fosse ele o vencedor, eu teria a missão de engraxar diariamente os
seus sapatos. Vaidoso, ele usava ternos de linho branco bem engomados. As
calças presas por suspensórios em couro marrom. Assim as calças eram mantidas
na altura do lugar em que supostamente deveria ser a cintura, da qual a
avantajada pança já apagara qualquer vestígio. Os sapatos, marrons como o
suspensório, mas em couro de cromo alemão brilhando e refletindo imagens como
se um espelho fora. Cuidar daqueles sapatos não seria muito fácil.
Confiante
na vitória, meu tio Faustino não teve dificuldade em prometer que se perdedor
fosse, eu o acompanharia durante os quatro sábados nos quais estaria em
Aracaju, ao seu almoço com os colegas da Polícia Federal que atuavam na capital
de Sergipe. Ninguém acreditava na possibilidade de ser eu o vencedor. Nem eu
mesmo.
Feliz
e surpreso com o resultado, acompanhei o tio Antônio por quatro sábados
consecutivos à Churrascaria Gaúcha. O restaurante era bem localizado, na rua
João Pessoa, próximo ao cruzamento com a rua Laranjeiras, defronte a Igreja do
Salvador. O point reunia jornalistas, intelectuais, artistas e last but not
least, os policiais federais amigos do meu tio.
Aos
12 anos de idade, eu não entendia bem os embates que envolviam a questão da
ditadura militar brasileira naquele momento. Gostava de frequentar aquele
ambiente que me parecia deslumbrante. Estava longe do meu cogito a compreensão
do embate entre jornalistas e intelectuais censurados e o papel que os agentes
federais cumpriam naquele momento. Só uma coisa me interessava: o sabor da
esfiha fechada temperada com muita mostarda que descobri naqueles quatro
almoços de sábado.
Até
hoje, para mim, comer esfiha fechada é ter a oportunidade de tempera-la com
mostarda, sabor de vitória em uma aposta.
*Jornalista,
professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e
presidente da Academia Sergipana de Educação.
Ah, que bom é vencer. Mas, eu preferiria nem participar. Não gosto de queijo coalho e nem de cerveja, mas que delícia é o requeijão. Tantas coisas boas acontecem em família, é tão bom escrever sobre os ocorridos, tantas lembranças queridas! Estou tentando me lembrar da Churrascaria Gaúcha que, se não me envergonha a memória, pertencia ao Gaúcho. Estou enganada? Parabéns e muitas lembranças lhe ocorram para despertar as nossas.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirLembro daquelas visitas do nosso ilustre tia Antônio.