Jorge
Carvalho do Nascimento*
Uma
calçada, um menino sentado no chão, uma mãe ou uma avó atrás dele com um pano
branco no colo, uma lata do inseticida Neocid. Cresci acostumado a ver esta cena
nos bairros da zona norte de Aracaju, onde fui criado, e também nas cidades onde
costumava permanecer nos períodos de férias.
O
fato de Macambira, cidade na qual nasceu minha avó Petrina e minha mãe Ivanda,
estar situada na região serrana do Agreste do Estado de Sergipe não a
diferenciava muito culturalmente de Indiaroba, a cidade de Vovó Maria e do meu
pai, Antônio. Na serra ou no litoral, a cultura popular no trato das doenças da
pobreza era a mesma.
Piolhos
eram uma praga muito grave que acometia não apenas os pobres, mas também infestavam
as cabeças dos filhos das famílias mais abastadas. A escola era um espaço permanente
de contágio. As barbearias, principalmente as mais populares, também. No Grupo
Escolar General Valadão, onde eu estudava durante o curso primário, quando
aparecia um piolho na cabeça, no pescoço ou no colarinho da camisa de algum
menino ou alguma menina, era um Deus nos acuda.
Dona
Mendonça, a minha sisuda professora, mandava um bilhete para as mães de cada um
dos meninos e no dia seguinte, antes de começar a aula, ficávamos sentados em
nossas carteiras duplas enquanto nossas cabeças eram escarafunchadas pela
professora à cata daqueles asquerosos besourinhos.
Aquele
aluno em cuja cabeça fosse detectada a presença de um dos bichinhos recebia uma
humilhante descompostura pública e era mandado para casa, onde deveria permanecer
durante sete dias e, na volta à escola, tinha o couro cabeludo submetido a nova
análise. Esperava-se que durante aquele período a cabeça fosse higienizada e que
a profilaxia expurgasse devidamente todos os Phthiraptera. O pior de tudo era
ser objeto dos comentários debochados dos colegas.
Lembro
de uma única vez ter minha cabeça invadida por uma colônia desses bichos. Não
acredito em contágio no ambiente escolar. Desconfio de uma barbearia na minha
querida Indiaroba, onde cortei os cabelos, aos 10 anos de idade, no mês de
maio, quando me preparava para participar, devidamente embelezado, de uma das
festas do Divino Espírito Santo, tradição da cidade.
Atenta,
dois dias depois da minha tosa, quando ainda estávamos em Indiaroba, Dona
Ivanda percebeu que eu estava coçando muito a cabeça e me perguntou se havia
alguma coisa estranha comigo. Eu falei que não sabia, mas que pela manhã, ao
acordar, percebi que tinha dois besourinhos diferentes em meu travesseiro.
Bingo!
Minha
mãe entrou em ação imediatamente. Fui obrigado a tomar um banho. Munida de um
terrível instrumento de tortura chamado pente fino, ela deu uma rigorosa
escovada na minha cabeleira crespa. A operação era muito dolorida, porém
eficaz. O pano branco colocado sob a minha cabeça ficou coalhado daqueles bichinhos
terríveis.
Isto
não resolvia o problema. Novamente, banho. Fui levado de volta à barbearia e
ouvi a ordem que a matriarca deu ao barbeiro. Passe a máquina zero. Pele tudo.
Minha cabeça ficou mais brilhante que asfalto quente polido ao meio dia, quando
olhado em perspectiva. Voltamos para casa, em Aracaju.
Ao
chegar em casa, outro banho me aguardava. O quarto daquele dia. Em seguida, uma
nova terapia, esta, ainda mais chata. Agora o instrumento de tortura era uma
lata pequena do temido inseticida Neocid. Ainda ouço até hoje, a torturar as
gavetas da minha memória, o puf, puf, puf, ruído característico que a latinha
emitia toda vez que era apertada e pulverizava um pó branco sobre o meu couro
cabeludo.
Em
seguida, minha cabeça foi amarrada por um pano branco para que o tratamento
surtisse efeito. Humilhante. Fiquei trancado em casa. Bastavam-me as
brincadeiras inconvenientes dos irmãos e das irmãs. Dois dias sem ir à escola. Que
diriam Vildo, Davi, Arildo, Ivanaldo, Maurício, Tonho e Manezinho de Piniquete,
amigos de infância, se me flagrassem naquela situação.
De
nada serviram meus cuidados. Depois do isolamento, ao sair de casa, a cabeça
careca me denunciava. Menino com a cabeça raspada era indicador de que fora
infestado por uma praga de piolhos. Todos ficaram sabendo daquele meu processo
constrangedor. Era frequentemente chamado de Zé Piolhento, pelos meninos da
minha rua e pelos colegas do Grupo Escolar General Valadão.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Que situação engraçada, mas constrangedora. Malditos piolhos, especialistas em envergonhar famílias, principalmente mães, tias e avós...
ResponderExcluirPoxa, que pena... Coisa constrangedora é esse bicho repulsivo. Certa vez avistei um, daqueles gigantescos, apelidados de morotós, passeando imoralmente sobre o ombro de uma colega...pobre coitada, até hoje sinto vergonha por ter avistado o miserável.
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