Jorge Carvalho do Nascimento
A memória
está depositada nas lembranças dos velhos, em registros escritos nas
bibliotecas, em computadores, em residências de particulares, em empresas, no
espaço urbano, no campo.
Sergipe perdeu,
no dia 29 de maio de 2018, um dos seus filhos de maior importância, um homem
que nos legou valiosos registros de memória que dão sentido à História deste
Estado durante a segunda metade do século XX. O Arcebispo Emérito de Aracaju,
Dom Luciano José Cabral Duarte, cujo centenário de nascimento celebramos em
2025, foi uma das figuras que mais contribuiu com as práticas educacionais em
Sergipe, sob todos os aspectos. Como todos os homens de brilho e com capacidade
de liderar, despertou também muitas polêmicas em torno do seu nome.
Ao longo de toda a sua vida de
sacerdote e intelectual da Educação, Dom Luciano Duarte teve ao seu lado, como
guardiã do seu trabalho e, também da sua memória, a expressiva figura da sua
irmã, Carmen Dolores Cabral Duarte, a quem dedico esta minha exposição. Ela foi
uma espécie de secretária particular do prelado.
Se já o era antes, agora é
fundamental que os intelectuais brasileiros aprofundem a reflexão sobre as
formas de ação de Dom Luciano José Cabral Duarte e se debrucem sobre o seu
trabalho como intelectual da Educação. Ele foi um pastor obstinado com a sua
missão, homem de personalidade igualmente forte, alta sensibilidade social,
extraordinária capacidade de realização e um refinado intelectual no trato das
ideias.
Dom Luciano Duarte era Doutor em
Filosofia, professor, fundador da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe –
a FAFI, do Ginásio de Aplicação – o GA e da Universidade Federal de Sergipe – a
UFS. Foi também jornalista, radialista, dinamizador de um importante projeto de
assentamento agrário, escritor, uma das principais lideranças da Igreja
Católica no Brasil e Vice-Presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano –
CELAM.
Como já o fez, a escritora,
acadêmica e professora Ana Maria Fonseca Medina, agora, é tarefa de todos nós
analisar a sua trajetória de vida. Ana Medina descortinou a vida e o trabalho
de Dom Luciano a partir das suas atividades em família, no período durante o
qual foi estudante, da sua vida de sacerdote católico, de intelectual e
profissional da educação, da cultura e da assistência social.
Ana nos mostrou como é notável a
contribuição dada por ele. Revelou o quanto é importante aprender com a sua
memória, envidar esforços para compreender o contexto sob o qual ele viveu,
período que marca o passado recente da vida brasileira. É este o melhor caminho
para aprofundar a narrativa histórica.
Tive a honra de trabalhar com Ana
Medina, Carmen Duarte, Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, Edmilson Menezes e
outros importantes intelectuais no período em que Carmen decidiu organizar o
acervo documental que pertenceu a Dom Luciano Duarte e que atualmente se
encontra depositado no Museu de Arte Sacra, em São Cristóvão, instituição
fundada pelo próprio arcebispo durante o período no qual governou a
Arquidiocese de Aracaju e liderou a Igreja Católica em Sergipe.
Foi emocionante conhecer de perto as ideias e o trabalho
executado ao longo da sua vida pelo Arcebispo Emérito de Aracaju. Rememorei a
minha infância, ouvindo ao pé do rádio, na frequência da Rádio Cultura de
Sergipe, algumas vezes com minha mãe, Ivanda, outras tantas com o meu pai,
Antônio, algumas outras com a minha avó materna, Vovó Petrina, a sua Hora
Católica, ou a crônica Nossa Opinião que ele escrevia em determinadas ocasiões
especiais.
Lembro-me da sua figura dominando o cenário, nos sermões
do primeiro de janeiro na Praça Olympio Campos, ao fim da procissão de Bom
Jesus dos Navegantes. Lembro-me ainda do adolescente e depois do jovem curioso
e fascinado que eu era com a possibilidade de aprender pelas homilias pregadas
durante a Semana Santa, na Catedral Metropolitana.
À época em que trabalhei na
organização do seu acervo, eu era professor universitário,
interessado na pesquisa em História, nos temas da Educação e nas coisas da vida
intelectual do Estado de Sergipe, que adotei e assumi como meu. Trabalhando com
o acervo de Dom Luciano Duarte fui apresentado ao rico material existente na
Biblioteca Jean Guitton e a uma massa de documentos extremamente importantes
para a nossa História da Educação.
Executando tal
trabalho dialoguei muito com o filósofo Edmilson Menezes, responsável pela
anotação e organização da tese de doutoramento de Dom Luciano Duarte, traduzida
para o português e publicada em 2003 sob o título A NATUREZA DA INTELIGÊNCIA NO
TOMISMO E NA FILOSOFIA DE HUME.
Foi
importantíssimo conhecer as matrizes do pensamento filosófico de Dom Luciano
Duarte e perceber que muito disto foi lastro para as ideias que lhe permitiram
executar a obra educacional que concebeu. As ideias e a obra educacional de Dom
Luciano resultam das experiências que ele teve ainda como estudante, da sua
postura como sacerdote, do seu trabalho como professor e gestor de instituições
educacionais.
Aprendi bastante
ao trabalhar na editoração do livro ESCRITOS FILOSÓFICOS, organizado por
Edmilson Menezes Santos, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal
de Sergipe. Um outro livro, ESCRITOS DE EDUCAÇÃO, foi organizado por mim e pela
Professora Doutora Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, ambos, à época, docentes,
respectivamente, do Departamento de História e
A coletânea de
textos dos dois livros foi organizada através do recolhimento do material
existente no arquivo pessoal de Dom Luciano e em arquivos de Sergipe e de
outros Estados.
Em conferência que
proferiu nesta Academia Sergipana de Letras no dia 27 de janeiro de 2025, à
qual já fiz referência, a escritora Ana Maria Fonseca Medina chama a atenção
para o fato de que ainda menino, nos seus primeiros anos de estudante, quando
realizava em Aracaju os estudos preparatórios ao Seminário, Luciano Duarte já
tinha entusiasmo pela atividade de ensinar, de dar aulas aos demais colegas.
“Nos recreios, era solicitado para ensinar aos colegas que o consideravam o
professor-mirim” (p. 4).
Obteve a sua
formação inicial em Filosofia no Seminário de Olinda. Depois cursou Teologia no
Seminário de São Leopoldo, Estado do Rio Grande do Sul, onde recebeu a
ordenação como diácono. Foi ordenado padre em Aracaju, aos 23 anos de idade,
numa cerimônia presidida pelo bispo de Penedo, Dom Fernando Gomes, posto que o
bispo de Aracaju, Dom José Thomaz Gomes da Silva, se encontrava enfermo e
hospitalizado. O padre Luciano Duarte rezou a sua primeira missa em 19 de
janeiro de 1948.
Na década de 50 do
século XX, voltou a estudar e obteve o título de Bacharel em Teologia pela
Faculdade de Teologia de São Paulo, viajando logo depois a Paris, em busca de
um curso de pós-graduação em Filosofia. Retornou a Sergipe entusiasmado com as
ideias de filósofos como Sócrates, Platão, Blaise Pascal, Jacques e Raissa
Maritain, Claudel, Bergson, Simone Weill, Albert Camus e Jean Guiton.
Em Paris estudou
no Instituto Católico, onde se aprofundou em Filosofia Escolástica, Teologia
Tomista e Teologia Escolástica. O passo seguinte foi o da obtenção do título de
Doutor em Filosofia na prestigiada Universidade Sorbonne.
Mesmo antes do seu
doutoramento, coube ao segundo bispo da Diocese de Aracaju, Dom Fernando Gomes,
a sensibilidade de perceber a capacidade que tinha o padre Luciano Duarte de
ser uma liderança com perfil para coordenar as atividades culturais e
educacionais diocesanas. A partir dos 25 anos de idade, em 1950, o jovem
sacerdote recebeu do governador da Diocese importantes missões que foram
ampliadas nos anos seguintes.
Em 1958 foi orientador
da Juventude Universitária Católica – JUC, mas anteriormente já assumira os
cargos de diretor do jornal católico A Cruzada e, também a responsabilidade
pela fundação da Faculdade Católica de Filosofia, pela criação do Ginásio de
Aplicação e, posteriormente da Universidade Federal de Sergipe
Deste modo, entre
os anos de 1950 e 1968, o padre Luciano liderou a criação da Faculdade Católica
de Filosofia de Sergipe, a partir de 1951; orientou a JUC, a partir de 1958;
fundou o Ginásio de Aplicação, em 1959; e, a Universidade Federal de Sergipe,
em 1967. O seu empenho no processo de criação dessas instituições revela a
importância que vinha ganhando o prelado na vida sergipana.
A sua trajetória
foi de Padre, monsenhor, bispo auxiliar, bispo e arcebispo. Na década de 50 e
depois nos anos 60, circulava pelas ruas de Aracaju em uma bicicleta, em uma
motocicleta e depois em uma kombi. Mesmo antes de possuir o título de Doutor em
Filosofia pela Sorbonne já demonstrava a preocupação com a importância das
instituições educacionais e culturais.
Todos que se
debruçam sobre a vida e a obra de Dom Luciano Duarte percebem de pronto a sua
predileção pelos temas culturais e educacionais. Sejam os que aplaudem
entusiasmadamente os seus trabalhos ou os seus críticos. A todos, sem exceção,
essas questões são inescapáveis. É impossível não reconhecer as suas
contribuições em tais campos.
Deste modo, ele
percebeu como uma importante contribuição à cultura do seu Estado e ao serviço
da Igreja o convite que recebeu de Dom Fernando Gomes para dirigir o semanário
A Cruzada. Antes de assumir a direção do jornal resolveu fazer um curso de
datilografia, concluído em dezembro de 1949.
Quando assumiu o
novo encargo, ele buscou renovar o quadro de colaboradores do periódico e abriu
mais espaços para a literatura, os temas da cultura e da educação. Em julho de
1950 criou a seção denominada Galeria dos Poetas e publicou autores já
consagrados e outros até então pouco conhecidos no mundo literário como Ana
Leonor Fontes, Passos Cabral, Auta de Souza, Cleômenes Campos, Santo Souza,
Góes Duarte, Amália Soares de Andrade, Garcia Rosa, Hermes Fontes e Jacinto de
Figueiredo.
Nos cinco anos
durante os quais dirigiu A Cruzada, Luciano Duarte transformou em habituais as
colaborações de Paulo Machado, Santos Mendonça (com textos sobre esportes),
Macário de Antâo, o Padre Maurício Fernandes, Leyda Régis, Antônio Conde Dias,
José Amado Nascimento e Santo Souza.
Ele foi incansável
no trabalho de circular pelas ruas de Aracaju procurando amigos que tinham
formação adequada a fim de lecionar nas escolas e faculdades que criou. E em
outras que passou a assistir. Muitas vezes pedia que o amigo trabalhasse
gratuitamente, posto que a instituição educacional ainda não estava em
condições de remunerá-lo.
Influenciado
intelectualmente por filósofos franceses como Charles Péguy, Claudel, Jacques
Maritain e Léon Blois centrou no diálogo entre a fé e a razão a temática do
trabalho que fez junto aos militantes da Juventude Universitária Católica – a
JUC. Era, de fato, um professor que buscava conquistar corações e mentes dos
estudantes universitários.
Em seu trabalho sobre
a Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, publicado na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe, o historiador João Paulo Gama de Oliveira
acentua o modo como trabalhou Dom Luciano para atingir os seus objetivos: “Convidando
professores de porta em porta, pedalando sua bicicleta, ou mesmo com a
participação de outros docentes, já anteriormente empenhados na criação da
instituição, Luciano Duarte organizou um grupo, com experiência na docência e
reconhecidos no campo educacional. Os docentes da FCFS eram médicos, dentistas,
advogados, engenheiros, e poucos licenciados, como Maria Thétis Nunes e Cleonice
Xavier de Oliveira (p. 53)”.
Como pontua um
outro historiador, Magno Francisco de Jesus, em estudo publicado na Revista
Brasileira de História das Religiões, “a aceitação de tais convites expressava
um significado bem mais importante do que o retorno financeiro: era o
reconhecimento social e os laços afetivos construídos com o diretor da FAFI.
Ensinar nas embrionárias faculdades sergipanas constituía uma oportunidade de
aumentar o reconhecimento social, de legitimar-se como intelectual renomado.
Contudo, outro aspecto de fundamental relevância era a origem do convite. Entre o final da década de 50 e início dos
anos 60 do século XX, monsenhor Luciano Duarte já era tido como um dos mais
expressivos intelectuais sergipanos e reunia uma importante e sólida rede de
sociabilidade. O convite era um sinal de confiança do pastor. O aceite era a
certeza da credibilidade nas ações do mesmo” (p. 119).
Foi assim que em
1950 ele conseguiu reunir um grupo de professores e outros profissionais com
diploma do ensino superior para fundar a Sociedade Sergipana de Cultura,
entidade que tinha a pretensão de manter a Faculdade Católica de Filosofia. A
Faculdade foi criada formalmente no dia 12 de março de 1951 e passou a
funcionar nas dependências do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, das Irmãs
Sacramentinas.
O bispo Dom
Fernando Gomes recebeu da Congregação da Faculdade uma lista tríplice de nomes
e recaiu sobre o padre Luciano Duarte a escolha que fez o prelado para o cargo
de primeiro diretor da instituição. O padre Luciano conseguiu, em tempo
considerado curto, os recursos necessários para construir o edifício e instalar
a Faculdade num prédio concebido para receber a escola, na zona sul da cidade
capital do Estado de Sergipe.
Com o seu
prestígio atraiu intelectuais estrangeiros que viviam em Sergipe e assumiram
funções docentes, como o padre Mário Cinciripini, que lecionou Sociologia; o
frade alemão Edgar Stanykowski, professor de Latim; e, o professor de Francês,
Jacques Ramondot, diretor da Aliança Francesa em Aracaju, dentre tantos outros.
Dentre os
sergipanos, ele convidou jovens intelectuais católicos, a exemplo de José
Silvério Leite Fontes, Manoel Cabral Machado, Fernando Porto, Gonçalo
Rollemberg Leite, José Amado Nascimento, Paulo de Almeida Machado, Emanoel
Franco e Maria Thétis Nunes.
O próprio padre
Luciano Duarte foi professor de Filosofia, Teologia, Latim e Psicologia. A
professora Ana Maria Fonseca Medina foi sua aluna e, durante a conferência já
aqui referenciada, afirmou: “Dava-se ao trabalho de reunir seus alunos para um
curso gratuito de conversação francesa aos sábados” (p. 13).
A inauguração, em
1959, do novo edifício da Faculdade Católica de Filosofia, permitiu também que
fosse fundado o Ginásio de Aplicação. O novo edifício da rua de Campos, no
bairro São José, era amplo e concebido para as atividades educacionais. O
Ginásio foi criado como oficina pedagógica e campo de estágio para os
estudantes das licenciaturas. A data oficial de criação do Ginásio é 30 de
junho de 1959.
Em pouco tempo, o
Ginásio de Aplicação se transformou em uma das mais importantes dentre as
escolas buscadas pelos filhos das famílias da elite de Sergipe e se tornou uma
importante fonte de financiamento para os cursos mantidos pela Faculdade
Católica de Filosofia, que eram deficitários economicamente.
Os exames para
admissão ao GA eram muito rigorosos e somente os estudantes escolarizados em
bons estabelecimentos de ensino obtinham aprovação. Todavia, nas ocasiões em
que os filhos das famílias menos abastadas eram aprovados, a prática do Ginásio
de Aplicação para tais casos era a da dispensa do pagamento das mensalidades.
A autorização para
que o GA oferecesse o curso Colegial fez com que a escola tivesse sua
denominação modificada em 1965 para Colégio de Aplicação ou Codap, como ficou
mais conhecido.
Pouco citada,
porém não menos importante, foi a contribuição oferecida por Luciano Duarte
durante o processo de criação da Faculdade de Serviço Social de Sergipe. Foi
uma das lideranças de Sergipe que muito contribuiu para criar a instituição
educacional, além de haver integrado o seu corpo docente.
A ideia de criar a
Escola foi do então Bispo de Aracaju, Dom Fernando Gomes. Outra vez, o governo
da Diocese encarregou o padre Luciano Duarte de coordenar o trabalho. Coube a
ele fazer os contatos com a madre Albertina Brasil Santos, religiosa da
Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado.
A Congregação
havia já criado outras escolas de Serviço Social em diferentes lugares do
Brasil. Foi com Luciano Duarte que a madre Albertina discutiu os diferentes
aspectos de organização da Escola e a formação do corpo docente. Ele mesmo
assumiu a responsabilidade pela cadeira de Filosofia e ajudou na organização do
primeiro concurso vestibular.
A partir de 1963, o
padre Luciano Duarte foi nomeado para integrar o Conselho Estadual de Educação
em Sergipe, onde presidiu a Câmara de Ensino Superior. Nesta condição, Luiz
Rabelo Leite, secretário da Educação do governador João de Seixas Dórea o
nomeou para liderar o grupo de trabalho que objetivava criar uma universidade
federal em Sergipe.
No mês de julho do
mesmo ano, um decreto estadual autorizou que as instituições de ensino superior
sergipanas fossem transferidas para a Universidade. No processo de criação da
Universidade Federal de Sergipe buscou o apoio de outros intelectuais como o
médico Antônio Garcia Filho.
Foram muitos os
reveses vividos pela sociedade brasileira entre 1963 e 1967. Todavia, Luciano
Duarte não esmoreceu quanto a sua responsabilidade de coordenar o trabalho de
criação da Universidade. Finalmente, em 28 de fevereiro de 1967, o decreto-lei
269 criou a Fundação Universidade Federal de Sergipe.
Luciano Duarte foi
o primeiro presidente do Conselho Diretor da Fundação, mantenedora da
Universidade. O primeiro reitor, João Cardoso do Nascimento Junior, foi
empossado por ele no dia 15 de maio de 1968. A Universidade estava instalada
como resultado de um processo que durou cinco anos com muitos embates.
Indiscutivelmente,
dentre os muitos sonhos que o padre Luciano Duarte sonhou, estavam os brotos de
sementes lançadas por intelectuais que o precederam, como Maurício Graccho
Cardoso que no mesmo ano em que nasceu o sacerdote, 1925, tentou criar em
Aracaju uma Faculdade de Direito e outra de Odontologia.
O mesmo Graccho
Cardoso que mandou buscar na Bahia o engenheiro Archimedes Pereira Guimarães
para aqui fundar um curso superior de Química. A Faculdade de Química existiu
apenas durante dois anos e fechou por falta de sergipanos à época interessados
em fazer um curso superior de Química. Não houve matrícula no segundo ano de
funcionamento da escola.
Com toda certeza,
a Universidade de Sergipe foi desejada pelos que fundaram, em 1950, a Escola de
Química de Sergipe, a Faculdade de Ciências Econômicas e a Faculdade de
Direito. O mesmo sonho sonhado por Dom Fernando Gomes e pelo padre Luciano
Duarte ao criarem a Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe.
O mesmo grupo da
Faculdade Católica de Filosofia, liderado pelo padre Luciano Durante fundou, em
1954, a Escola de Serviço Social. Sem falar da Faculdade de Medicina de
Sergipe, sonho do médico Augusto César Leite, em 1953, concretizado pelo também
médico Antônio Garcia Filho e pelo seu irmão, governador Luiz Garcia, em 1961.
Essas seis
instituições de ensino superior que existiam em 1966 foram o ponto de partida
que permitiram a Dom Luciano Duarte empreender ao lado de outros sergipanos o
trabalho que resultou na Universidade Federal de Sergipe, fundada em 1967 e
implantada efetivamente em 1968.
A escritora
Gizelda Morais, biógrafa de Dom Luciano Duarte, afirma que ele “poderia ter
defendido a criação de uma universidade católica, como se fez em outras
dioceses, mas não é isso que ele aspirava para Sergipe. Conhecendo as
dificuldades econômicas de seu pequeno Estado, as dificuldades financeiras para
manter as duas faculdades católicas já existentes, e reconhecendo a importância
de uma Universidade Federal para favorecer o desenvolvimento da pesquisa, do
ensino e da cultura, ele se inclinou decisivamente nessa direção” (p. 231).
O processo de
criação da Universidade enfrentou dificuldades externas importantes. Gizelda
Morais reproduz um depoimento do próprio Luciano Duarte sobre os entraves: “No
plano federal não havia boa vontade do Ministério da Educação. Este pobre
processo da Universidade Federal de Sergipe passou por três relatores no
Ministério da Educação. O primeiro era sergipano, o Dr. José Barreto Filho, que
renunciou a sua indicação para relator do processo. (...) Foi designado um
outro, um paraibano que também renunciou. (...) Finalmente foi nomeado um
terceiro relator, Dr. Newton Sucupira. Quando eu soube disso tomei um avião e
fui ao Rio de Janeiro, na sessão do Conselho. (...) ele me recebeu friamente,
no corredor do Conselho. (...) Ele disse: (...) ‘devo dizer ao senhor que sou
um homem exigente até a irritação’. (...) eu disse: ‘Eu não vim aqui para lhe
pedir um favor, vim convidar para o senhor ir a Sergipe, ver com seus olhos as
condições que nós temos. (...) Ele me respondeu à queima roupa: ‘Eu aceito o
convite”.
Newton sucupira
veio a Sergipe. Luciano Duarte faz um relato da visita do Conselheiro: “Terminada
a visita, quando eu fui levar Dr. Newton Sucupira ao aeroporto, ele me chamou
ao lado e disse: ‘Já formei meu conceito, vou dar parecer favorável e Sergipe
terá sua universidade federal’” (pp. 236-238).
Uma outra polêmica
que cercou a criação da Universidade Federal de Sergipe foi a opção entre uma
autarquia ou uma fundação. Autarquia era o modelo institucional das
universidades brasileiras mais antigas e tradicionais. As fundações eram o
modelo escolhido pelos gestores que assumiram o comando do Estado brasileiro
depois do golpe militar de 1964.
A escritora
Gizelda Morais publicou no livro já aqui citado um depoimento de Dom Luciano
Duarte a respeito do tema. “Quando fui escolhido para acompanhar o processo de
criação da UFS no Conselho Federal, (...) lá me informaram que, a partir de um
ano atrás, se tinha decidido que não seria mais criada nenhuma universidade
tipo autarquia. (...) Eu procurei o Dr. Newton Sucupira, designado para ser o
relator do processo e perguntei a ele se isso era exato. Ele me disse: ‘Uma
universidade do tipo autarquia não tem a menor possibilidade de ser aprovada no
Conselho’. (...) De modo que eu não tinha escolha. Ou aceitava esse modelo ou
não aceitava nada. Eu, simplesmente, me curvei diante da circunstância” (pp. 240-241).
Até os dias atuais, dentre os nascidos em
Sergipe, somente Luciano Duarte teve assento no Conselho Federal de Educação. A
atual designação do órgão é Conselho Nacional de Educação e sob esta nova
denominação teve assento o professor José Fernandes de Lima que, durante oito
anos, foi reitor da Universidade Federal de Sergipe.
Nascido em
Alagoas, José Fernandes de Lima, além de reitor da UFS, exerceu também, em
Sergipe, o cargo de secretário de Estado da Educação, durante a gestão do
governador Marcelo Déda. Lima foi não apenas membro do Conselho, mas também
exerceu a presidência do colegiado, um dos cargos de maior relevância no quadro
da política educacional brasileira.
Luciano Duarte foi
nomeado, em março de 1968, para integrar o Conselho Federal de Educação, onde
atuou durante 15 anos, exercendo três mandatos. Como conselheiro, ele sempre
integrou a Câmara de Ensino Superior. Em tal período, ele foi relator de 60
processos, todos ligados ao ensino superior.
O Conselheiro
emitiu pareceres reconhecendo cursos e instituições de ensino superior,
credenciando cursos de pós-graduação, autorizando a abertura de novos cursos e
instituições, validando estudos, revisando convênios, alterando currículos e
regimentos, revalidando diplomas.
Dom Luciano
Durante foi presidente nacional do Movimento de Educação de Base – o MEB.
Fundado em 21 de março de 1961 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
o MEB é uma sociedade civil de direito privado. A sua missão é promover o
desenvolvimento de programas de Educação Popular, beneficiando jovens e
adultos.
O Movimento foi
fundado inicialmente no Rio Grande do Norte e em Sergipe, com a liderança do
saudoso bispo de Aracaju, Dom José Vicente Távora. Foi ele o responsável pela
apresentação da proposta de criação do Movimento, em 1959, durante reunião da
Confederação dos Bispos do Nordeste que aconteceu em Natal. Em 1960 foram
inauguradas as escolas radiofônicas na Rádio Cultura de Sergipe, modelo depois
incorporado por outras emissoras de rádio católicas de diferentes regiões do
Brasil.
Mesmo tendo a
primeira experiência de educação pelo rádio do MEB se realizado em Natal, foi
na Rádio Cultura de Sergipe que ela tomou a forma de programa de massa. O
entendimento do MEB em Sergipe foi o de que o homem, além de saber ler deveria
ser capaz de lutar pelos seus ideais. O MEB gerou muitas fontes de luta e
estimulou a criação de vários sindicatos rurais em Sergipe.
Dom Luciano Duarte
fez um depoimento sobre o MEB para o programa Videoteca Aperipê Memória, da TV
educativa mantida pelo Governo do Estado de Sergipe. A sua biógrafa, Gizelda
Morais, publicou em livro parte do depoimento do prelado: “O Movimento de
Educação de Base foi uma ideia que os bispos do Brasil tiveram e contaram, para
o seu lançamento, com o apoio generoso do presidente Jânio Quadros. Então
muitas emissoras foram compradas para as dioceses, e a nossa Rádio Cultura foi
uma delas. A educação de base era dada em aulas radiofônicas. Surgiram os
rádios cativos, rádios que só alcançavam uma emissora, no caso a emissora
aliada ao MEB. E por aí se fez um bom trabalho” (p. 285).
O Movimento de
Educação de Base recebeu, em 1968, o prêmio “Mohamed Rehza Pahlevi”, sendo
considerado em todo o mundo a obra que mais se destacou no trabalho de educação
funcional e promoção humana. Em agosto de 1971, Luciano Duarte assumiu a sua
presidência nacional. Em 1977, Dom Luciano Duarte foi substituído na
presidência do MEB pelo cardeal Dom José Freire Falcão.
A Assembleia Geral
do Conselho Episcopal Latino-Americano – CELAM elegeu Dom Luciano Duarte, em
novembro de 1972, para a presidência do Departamento de Ação Social, com
mandato de dois anos. Era um momento no qual a Igreja vivia muitos conflitos
ideológicos no Brasil e na América Latina.
A sua indicação e
a articulação do seu nome foi conduzida por Dom Eugênio Sales, a quem
substituiu. Dom Luciano era visto como um bispo conservador, um tradicionalista
que se opunha aos entusiastas da Teologia da Libertação, da qual ele era um
crítico contundente.
O trabalho que
realizou o fez conquistar um novo mandato, em 1974, Ele recebeu 34 votos dos 32
necessários para a reeleição e permaneceu no cargo por mais quatro anos. Deste
modo, entre os anos de 1970 e 1990, ele permaneceu como uma das mais
importantes lideranças do clero latino-americano.
Em 1972, Dom
Luciano integrou a delegação de representantes brasileiros na Conferência
Internacional da Unesco, no Japão. A delegação foi chefiada pelo então ministro
da Educação, Jarbas Passarinho, e teve como tema Educação de Adultos.
Dom Luciano Duarte
foi agraciado com o título honorífico de Palmes Académiques, do Ministério da
Educação da França. Em 1974 foi condecorado com o título de Comendador da Ordem
do Mérito Educativo do Brasil.
A importância do
trabalho de Dom Luciano José Cabral Duarte pode ser sentida pelo muito que ele
deixou no Brasil e nos lugares do mundo que percorreu. Pesquisando para a
produção deste texto sobre O TRIBUTO EDUCACIONAL DE DOM LUCIANO DUARTE,
encontrei no Banco de Dissertações e Teses das Universidades Brasileiras 102
trabalhos que tratam integralmente ou parcialmente desse importante intelectual
da Educação.
Além disto,
pesquisando em periódicos científicos e anais de eventos, registrei 419
trabalhos publicados. Existem ainda 39 livros publicados de autoria de Luciano
Duarte e sobre Luciano Duarte.
É, sem nenhuma
dúvida, um acervo que diz muito da importância que tem o patrono da Cadeira 14
da Academia Sergipana de Educação e imortal da Academia Sergipana de Letras.
Não obstante tão rica fortuna crítica, ainda há muito que afirmar e muito que
compreender sobre tão emblemático intelectual sergipano, na ocasião em que
celebramos o centenário do seu nascimento.
REFERÊNCIAS
BERGER, Maria Lúcia Souza Ramos. A educação de
adultos numa experiência de reforma agrária: o caso da Promoção do Homem do
Campo de Sergipe – PRHOCASE. João Pessoa, 248f. Dissertação (Mestrado em
Educação), UFPB, 1982.
COSTA, Carmem Machado (et. al.). Memórias de uma fraternidade cristã: a
JUC e o Padre Luciano Duarte. Aracaju: EDISE, 2014.
FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. Dom Luciano
Cabral Duarte e suas contribuições para o campo educacional. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Vol. 1, nº 45. Aracaju, 2015.
LIMA, Fernanda Maria Vieira de Andrade.
Contribuições de Dom Luciano José Cabral Duarte ao Ensino Superior Sergipano
(1950-1968). São Cristóvão - SE 119f. Dissertação (Mestrado em Educação). UFS,
2009.
MEDINA, Ana Maria Fonseca. Dom Luciano José Cabral
Duarte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Vol. 1, nº 45.
Aracaju, 2015.
___________. Tributo Cultural de Dom Luciano
Duarte. Conferência proferida na Academia Sergipana de Letras em 27 de janeiro
de 2025.
MORAIS, Gizelda. D.
Luciano José Cabral Duarte: relato biográfico. Aracaju: J.
Andrade, 2008.
NUNES, Martha Suzana Cabral. O Ginásio de Aplicação
da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1959-1968). São Cristóvão - SE,
140f. Dissertação (Mestrado em Educação), UFS, 2008.
OLIVEIRA, João Paulo Gama. “Lutando
com as mãos vazias, certos das nossas certezas”: Luciano Duarte e a Faculdade
Católica de Filosofia de Sergipe. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de Sergipe. Vol. 1, nº 45. Aracaju, 2015.
SANTOS, Gilvan Rodrigues. Dom Luciano Duarte: nem
hagiografia, nem demonografia.
Jornal da Cidade. Aracaju, 29 de abril de 2011.
SANTOS, Magno Francisco de Jesus. “O
Bispo da Terra” e as agruras dos camponeses de Dom Luciano: escrita biográfica
e reinvenção de si. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano
IX, n. 26, Setembro/Dezembro de 2016 – ISSN 1983 – 2850. p. 101-126.
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