Jorge
Carvalho do Nascimento*
No
final do ano de 1927, quando passou as férias escolares na casa da tia, Maria
Rita tomou a decisão de ser freira e no início de 1928, antes de completar 14
anos de idade, tentou ingressar no Convento do Desterro. A pouca idade a
impediu, mas, persistente, aos 15 anos voltou a procurar o mesmo Convento.
Para
conseguir realizar o seu objetivo de cultivo da vocação religiosa, Maria Rita
recebeu o apoio do frei Hildebrando Kruthaup, de quem tornar-se-ia amiga e depois
da ordenação dela seria o seu principal parceiro de trabalho nos primeiros anos
de atuação. Partiu dele a iniciativa para que Maria Rita fosse aceita, em 1933,
como postulante no Convento do Carmo, em São Cristóvão, no Estado de Sergipe.
Maria
Rita conheceu Frei Hildebrando em 1930. Naquele período, aos 16 anos de idade,
ela começou a frequentar a Ordem Terceira da Penitência, atualmente Ordem
Franciscana Secular, que trabalha orientando leigos a adotarem as práticas de
São Francisco de Assis. O frade era o diretor espiritual da Ordem.
Com
o franciscano, Maria Rita aprendeu a admirar a vida humilde, pobre e caridosa
de São Francisco de Assis. Não obstante, a caridade era prática corrente em sua
família, sob formas distintas. Ademais das práticas da sua tia Magdaleninha, seu
pai, o odontólogo Augusto Lopes Pontes, fundou com outros católicos o Abrigo
Filhos do Povo, no bairro da Liberdade.
Era
raro que moças com a posição social e a origem familiar de Maria Rita se destinassem
a vida religiosa. Normalmente, as meninas que tinham tais origens cursavam a
Escola Normal, recebiam o diploma de professora e terminavam casando com rapazes
de famílias abastadas.
A
vocação religiosa era um bom caminho de busca de ascensão social para meninas
de famílias muito pobres, muitas vezes oriundas da zona rural. Os conventos
católicos eram uma oportunidade para que elas aprendessem a ler e escrever e
recebessem boa formação escolar, o que era muito difícil para os filhos de
famílias pobres no Brasil durante a primeira metade do século XX.
Para
as moças que tinham a posição social de Maria Rita, o ingresso no convento não
oferecia sob tal ponto de vista nenhuma vantagem. Normalmente na idade de
ingresso elas haviam concluído o curso ginasial ou a Escola Normal. Ali, ao
invés da vida confortável que desfrutavam, elas iriam conhecer a realidade do
sacrifício e da pobreza, o regime duro de trabalho, sem a proteção dos pais.
Em
entrevista que concedeu ao autor do presente estudo, Maria Dalva Brito dos
Santos, uma ex-freira, formada no mesmo Convento do Carmo no qual Maria Rita
também foi enclausurada e recebeu a sua formação contou a própria trajetória de
vida, reveladora do quadro que cercava a maior parte das religiosas, quase
todas de origem social e econômica muito humilde. Maria Rita foi, assim, de uma
origem social que era minoritária nas ordens religiosas femininas.
Quando
Dalva nasceu, em 1937, Irmã Dulce já era freira e já tinha iniciando o seu
trabalho nas ruas de Salvador. Dalva era natural do povoado Mosqueiro,
atualmente um importante bairro da Zona de Expansão da cidade de Aracaju, Estado
de Sergipe, lotado de condomínios residenciais de alto padrão e alguns outros
com casas de camadas médias economicamente bem posicionadas. Na primeira metade
do século XX, o Mosqueiro era um povoado de pescadores pobre e esquecidos,
parte do território do município de São Cristóvão.
Até
completar 17 anos de idade, Dalva nunca havia saído do povoado Mosqueiro e se
deslocava de sua casa no sítio onde foi criada apenas para ir até a casa da
professora que morava em um outro sítio no mesmo povoado. A família de Dalva vivia
numa casa de taipa, com paredes de barro, coberta de palha e piso de terra
batida.
Seu
pai, Manoel Canuto de Brito era um pequeno sitiante e produzia o sustento da
família vendendo cocos do seu sítio e pescando para consumo próprio e para
venda no mercado. Sua mãe, a cigana Sevilha, morreu de parto na sétima gestação,
enquanto a sua madrasta pariu 20 filhos, dos quais 17 de Manoel Canuto.
Na
residência da professora que morava no povoado, Dalva estudou as primeiras
letras e cursou aquilo que para os padrões da época equivalia ao terceiro ano
do ensino primário, o máximo de formação escolar que se poderia obter no Mosqueiro.
Estava fadada a ter o mesmo destino das moças da sua condição social.
Dalva
teria permanecido no Mosqueiro, casado, fugido ou mesmo raptada por algum homem
e viver com ele, parindo uma prole numerosa ou morrido em um dos partos, como
era comum à época. Sua vida sofreu uma mudança radical quando seu pai concordou
com um pedido de uma amiga da família e permitiu que Dalva fosse trabalhar e
viver com as freiras, no Hospital Cirurgia, em Aracaju.
No
caso de Maria Rita, menina bem nascida em uma família de classe média alta, tudo
foi muito diferente. A opção por seguir os seus pendores religiosos surpreendeu
a sua família. Voltou a surpreender a todos mais uma vez ao retornar a Salvador
como Irmã Dulce, após a sua ordenação. Ela se aliou ao frei Hildebrando na
organização de uma rede de assistência social e juntos criaram o Círculo
Operário da Bahia – COB. Durante a ditadura do Estado Novo, os sindicatos de
trabalhadores foram esmagados e o COB se transformou rapidamente na mais forte
organização de operários do Estado.
Na
década de 40 do século XX, a Irmã Dulce e o Frei Hildebrando se aliaram ao
jovem engenheiro recém formado Norberto Odebrecht e, juntos, os três conseguiram
um empréstimo fora dos padrões que foi concedido pelo Banco do Brasil. Recorro
mais uma vez, ao trabalho biográfico já citado, escrito por Graciliano Rocha,
para explicar tal empréstimo.
“Levantaram
uma soma milionária para construir um cinema, sem oferecer qualquer garantia
real – na verdade entregaram títulos podres ao banco. Quando chegou a hora de
pagar, o trio arranjou dinheiro com a Presidência da República. O prédio do
antigo Cine Roma, que pertencia ao COB, abriga atualmente a igreja e o túmulo
de Irmã Dulce” (p. 35).
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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