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ALÉM DAS MEMÓRIAS

                                                 Nilson Socorro



 

 

Nilson Socorro*

 

 

Meu amigo, Jorge Carvalho.

 

O seu livro sobre o colunismo social, o primeiro volume em que pretende escrever sobre o jornalismo em Sergipe, está bem distante de ser apenas “um livro de memórias”, como você registra na Introdução. Vai muito, mas, muito mais além. Particularmente, por ser partícipe de muito do exposto, afianço essa transcendência.

Nascemos no mesmo 1956, começamos em jornal quase que ao mesmo tempo, você no Diário de Aracaju e eu, em 1975, na Gazeta de Sergipe, passando também por emissoras de rádio e televisão.

Memórias do Jornalismo e da Coluna Social tem tudo para ser um marco para os que no presente pretendam se aprofundar nos bastidores do jornalismo e no futuro conhecer a história da imprensa em Sergipe. De plano, assinalo que o primeiro tomo de sua obra não é rico apenas por expor nossa história, tendo como marco o Recopilador Sergipano, de 1832.

É exuberante, também, na viagem que faz ao sublinhar os principais jornais que por aqui circularam nos séculos XIX e XX, com destaque para a segunda metade do século passado e, também, no registro do surgimento e da evolução das emissoras de rádio e televisão e resgatar a memória da quase totalidade dos que militaram e militam no colunismo social.

Mas, se fosse só isso, já muito bem estaria enfeixado no Título e na pretensão assinalada na reportada Introdução. É muito mais amplo e essa amplitude está refletida nos importantes questionamentos expostos. São temas que angustiaram e continuam a inquietar aos que fizeram e fazem do jornalismo seu exercício profissional. Alguns dos temas levantados povoaram e continuam a povoar as redações e os ambientes acadêmicos.

Você foi muito feliz na forma didática de organização dos temas nos títulos e subtítulos dos capítulos. Na ficha de leitura, fiz mais de duas dezenas de anotações. Destaco questões como ética profissional, preconceito em relação ao colunismo e aos colunistas sociais, conteúdo das colunas sociais que entendo que sobrevivem porque satisfazem a curiosidade dos que a leem e a vaidade dos que são lidos, o jornalismo e a internet e a ameaça da morte das colunas sociais e da própria imprensa escrita, a necessidade de reinvenção diante do “tsunami” da editoração eletrônica e da internet, a coluna social e o jornalismo como negócio, a transparência, a credibilidade e a imparcialidade.

São temas ensejadores de amplos e profundos debates para se entender e compreender o que acontece nos bastidores, sem se descuidar da visão dialética para contribuir na compreensão, evolução e melhoria do exercício profissional e da própria imprensa. Desses temas, dois, no nosso entendimento, sobressaem pelo momento que vivemos de saltos tecnológicos e de exacerbação política.

Em relação ao desafio tecnológico, você mesmo questiona: será que estamos assistindo a morte dos jornais e do colunismo social, em face da transição da mídia impressa para os meios eletrônicos? Acredito que estamos assistindo o depauperamento da forma, mas, não do conteúdo. Você mesmo assinala que “os jornais que não conseguiram se adaptar à nova realidade viram declinar sua tiragem e fatalmente fecharam as portas”.

É evidente, sobreviveram aqueles que conseguiram entender o momento, se adequaram e evoluíram, convivendo com o hibridismo do impresso e do eletrônico. Inevitavelmente, a mídia impressa tende a definhar, mas, não desaparecer, ao menos por enquanto, como a televisão aberta em relação aos canais pagos e aos serviços de streaming.

Nessa metamorfose permanente, o prejuízo maior será para a história, pois, a mídia impressa ainda figura entre as mais importantes fontes de registro dos acontecimentos sociais. Sem ela, a propósito, você não teria como nos brindar com publicação tão rica em conteúdo, como esse primeiro volume.

No amanhã, pesquisadores que te sucederem, certamente, não vão ter na imprensa escrita a preservação dos acontecimentos futuros. Comparo esse quadro ao que acontece com as fotografias. Hoje fotografamos tudo eletronicamente, mas, guardamos quase nada fisicamente. No passado, era tradição ir aos estúdios fotográficos para as fotos que depois de copiadas em papel, eram distribuídas para formar o acervo dos álbuns que preservaram a memória das famílias.

Sou do tempo que se começava namoro com oferta de foto a pessoa amada. Normalmente, a tradicional 3x4 que sobrava após a matrícula escolar. No verso, a romântica e singela mensagem: “ofereço essa foto a minha querida amada...”. Hoje, os ficantes já não mais oferecem fotos em papel. Não por falta delas, milhares estão nas memórias dos potentes smartphones e iphones. Só não estão preservadas em papel. Assim como a mídia impressa, as fotos em papel tendem a fazer parte do passado.

Outro tema relevante é a questão da imparcialidade do jornalista e dos jornais. Nesse ponto seu livro se esmera e o momento fulgurante é o reporte ao colega, também egresso da velha Gazeta de Sergipe, uma década antes de nós, o jornalista Ancelmo Oliveira. O confrade, (que palavra antiga!) frei-paulistano, hoje militante em O Globo, advoga que o jornalista pode ter lado, não pode é ser desonesto, mentir sobre os fatos para favorecer sua preferência.

Em reforço a tese defendia pelo Anselmo, você oportunamente acentua a tendência “de que cada vez mais o jornalismo tem se entusiasmado com o adjetivo e cada vez menos com o substantivo”. Nesse sentido, arremata que o problema não é o jornal assumir posição, mas, adverte que “são inadmissíveis, a desonestidade e falta de ética na disseminação de informações”.

Fui, como já declinei, iniciado em jornalismo na “Faculdade Gazeta de Sergipe”, que tinha como “reitor” um dos maiores jornalistas sergipanos, o Orlando Dantas. A Gazeta era um jornal que privilegiava simultaneamente o substantivo e o adjetivo, e era através do adjetivo dos seus editoriais que Seu Orlando, mesmo sem nunca ter sido governador, de fato governava Sergipe.

E foi com ele que aprendi uma lição que marcou minha trajetória profissional. Ensinava que “a notícia não tem lado, a opinião sim, e a opinião da Gazeta está nos editoriais que escrevo e não nas notícias dos repórteres”. Expressava isso para reforçar que o seu jornal não censurava os fatos. Tudo podia ser noticiado, independente do lado. O repórter como o narrador dos acontecimentos tinha a liberdade e muito mais, o dever de cobrir com honestidade e imparcialidade o noticiário de todas as tendências.

Nesses tempos de jornalismo muito mais opinativo do que informativo, continuo a ter uma visão conservadora. Quando o jornalista publicamente assume lado e no exercício profissional privilegia a opinião em detrimento da informação, passa ser menos jornalista e mais militante. O jornalista deve mirar o leitor, o militante o eleitor. Inegável que todos nós temos preferências, temos lado. Como desportista, torço pelo Confiança e pelo Flamengo. Mas, não devo é permanecer na arquibancada quando já estou na redação. Afinal, entendo que Imparcialidade e Credibilidade ainda são cláusulas pétreas do bom jornalismo.

Parabéns, super recomendo o seu livro. Lamento apenas que você não teve oportunidade de entrevistar o inesquecível João de Barros, ele teria muito para contar. Certamente, está no Céu, “fofocando” com o João Barreto Neto, o Roberto Lessa, a Cristina Souza, a Siomara Madureira e tantos outros colunistas sociais com os quais convivemos e precocemente nos deixaram.

 

 

*Nilson Socorro é jornalista, professor e advogado.

                                        

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