Pular para o conteúdo principal

JB, BIOGRAFADO: JC, BIÓGRAFO


  

 

Livro:

JACKSON BARRETO: TEMPO E CONTRATEMPO

Autor: Jorge Carvalho do Nascimento

Aracaju, Criação Editora, 2023

 

 

Amarílio Ferreira Neto*

 

 

Introdução: ou “Para não dizer que não falei das flores”

 

Aprendi com o importante intelectual italiano Carlo Ginzburg que proximidade demais gera compaixão e distância excessiva produz indiferença.

Quando se trata de JB e JC é indevido que eu tenha compaixão e seja indiferente, uma vez que os conheço de perto e de longe. Acompanho a carreira de ambos desde os tempos de criança. Primeiro nas cercanias da “rua da valeta”: Avenida Visconde de Maracaju, Igreja Pio Décimo, Grupo Escolar Ivo do Prado, posteriormente, rua Corretor Aureliano no bairro Santos Dumont, Igreja São Francisco de Assis e Colégio Olavo Bilac.

JB e JC são de uma geração que como disse Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Ambos fizeram, fazem acontecer na sociedade sergipana, cada um no seu lugar de fala autorizada. JB um maestro da política, JC um intelectual refinado.

Marc Bloch nos legou que a História quer captar a ação humana no tempo. JB como biografado, exigiu um intelectual “cão perdigueiro”: JC, um especialista em caça às operações políticas de JB por 50 anos.

Roger Chartier em diversos textos sobre a História do livro e da leitura advoga que uma obra possui materialidade que começa pela necessidade de seu manuseio, sentir a textura do papel, tipos de letra, capa, dorso, orelha. O design gráfico do livro de JC sobre JB de cara já diz da maturidade intelectual do biógrafo que prepara o suporte para colocar o biografado nú em sua complexidade de ação na política de Sergipe.

Quais as operações de pesquisa que JC arrolou para montar a arquitetura do livro, sem as quais a narrativa ficaria prejudicada? Uma vez mais recorro a Marc Bloch: “tudo que o homem toca ou produz é fonte”. A pesquisa de fontes de JC é exemplar pelo rigor, variabilidade de materiais e qualidade. A escolha de fontes inadequadas dificultaria enfrentar o biografado JB com a movimentação complexa que ele possui. A pesquisa de fontes empreendida por JC é uma exigência como pesquisador consagrado que é. Todavia, também é uma imposição do biografado JB por sua grandeza e complexidade. A narrativa construída por JC sobre JB está alicerçada em artigos – 21, documentos eletrônicos – 21, entrevistas – 25, jornais – 294 matérias, livros – 49, monografia – 1, imagens – 128, notas de referência – 257, notas explicativas – 22. A escrita está ancorada de capa a capa em 500 páginas.

JB é o político mais relevante na defesa das causas populares e sociais da gente sergipana nas últimas cinco décadas.

 

JB por JC: uma geração de jovens intelectualizados no poder em Sergipe

 

Em certo sentido o livro é um mosaico – arte grega feita de fragmentos cuja unidade só pode ser vista pelo olhar particular de cada apreciador. O livro é assim, exige autonomia e generosidade do leitor para compreender a aparente dispersão no foco do objeto: JB – o político. Todavia, não só. Salta aos olhos a presença de uma geração de jovens intelectualizados que se empodera na vida pública e privada no círculo, no entorno, ao lado como queira. Ora alguns estão mais distantes, ora mais próximos. O relevante para o projeto político de JB é que estão lá a seu dispor.

A unidade possível da obra requer uma leitura vigilante fundamentada na atenção a pesquisa bibliográfica, análise crítico-documental e pesquisa empírica. Como disse Marc Bloch: “tudo que o homem tocaou produz é fonte”. Todavia, é apenas uma ação humana de escolhas, dado que necessitam de serem regadas por teoria, método e ferramentas de inteligência artificial. Aí JC é um mestre testado em outras obras de alta complexidade e qualidade.

A narrativa de JC sobre JB está assentada nas 25 entrevistas de elite e delas decorrem a maior parte das notas de referência que sustentam os argumentos sobre a trajetória de JB. Em adição às entrevistas, se agrega a pesquisa na imprensa jornalística. É necessário colocar uma lente sofisticada em alguns jornais: Gazeta de Sergipe, Diário de Aracaju, Jornal de Sergipe, Jornal da Cidade. As fontes não falam por si só, o pesquisador as obriga a falar para captar JB em ação. É certo que a imprensa possui linha editorial diversa. Qual a linha editorial de cada jornal utilizado? Nas entrevistas, nos jornais e nas imagens está o cerne argumentativo da obra. Imagem é texto. Aí está concentrado o tripé autorizado por JC a falar, dizer quem é JB na política de Sergipe.

O livro de JC sobre JB visto como um mosaico pode ser lido começando por qualquer capítulo. Depende da aproximação do leitor com o objeto. Tal ação permite ao leitor montar o seu próprio quebra-cabeça.

No conjunto da obra, JB pode ser visto como um maestro de uma orquestra de sanfoneiros. Sua envergadura, quando a sanfona está expandida, cabe todas e todos com o fito de manter a harmonia no seu ideário de político popular com foco no social. Sua envergadura de maestro é maior que a de Luiz Gonzaga e Dominguinhos juntos.

Exemplos não faltam. No início da carreira, longe dos Franco. Mais tarde, “Aliança com Albano”. No final dos anos 1970, distante de Evaldo Campos, depois se aproximam. O jovem Marcelo Deda ficou muito distante. Terminaram juntos. Almeida Lima foi do ninho e se tornou desafeto.

Os prefeitos de Aracaju saíram da cartola entre aqueles jovens que se tornaram sucesso na esfera pública e privada da cidade. Exemplos: Wellington Paixão, Almeida Lima, Gama, e mesmo Edvaldo Nogueira.

JC capta a segunda natureza e habitus de Bourdieu em JB: “Com a política na alma” e “A política, o sentido da vida”. JC escala a trajetória política de JB na esfera municipal, estadual e federal. Demonstra seus vínculos com a gente de Sergipe e no plano nacional, inclusive com a maior liderança política da atualidade que é de sua geração: Lula.

Por tudo que li e refleti em minúcias, no dizer de de Carlo Ginzburg, posso afirmar que o livro de JC sobre JB é um “abre alas” na pesquisa sobre História Política de Sergipe.

O livro abre possibilidades de mudança na vida cotidiana. Por isso mesmo lembro aqui do grande intelectual sergipano Alberto Carvalho no poema Livros: “Amo o livro, o livro mudou a minha vida. Leio, releio. Às vezes escrevo”.

Recomendo a leitura e releitura do relevante e belo livro. Fica também o convite para que como JC o fez, escrevam livros e contribuam para mudar a vida das pessoas. Boa leitura

 

 

*Professor pesquisador visitante da FAPERJ-PPGE-UFRJ-2023-2025. Professor Titular aposentado da Universidade Federal do Espírito Santo. Doutor em Educação pela Universidade Metodista Paulista.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

TRIBUTO A LUCINDA PEIXOTO

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Acabei de tomar conhecimento da morte da empresária Maria Lucinda de Almeida Peixoto, ocorrido hoje na cidade de Penedo, Estado de Alagoas. Lucinda era certamente a principal herdeira dos negócios da próspera família Peixoto Gonçalves, empresários que ao longo do século XX constituíram a mais importante e mais rica família da região do Baixo Rio São Francisco, consideradas as duas margens – a de Alagoas e a de Sergipe. Tive a oportunidade de conhecer Lucinda Peixoto no final do ano de 2009, quando iniciei uma pesquisa sobre os negócios da família Peixoto Gonçalves, a convite do seu genro, José Carlos Dalles, um dos principais executivos com responsabilidade sobre a gestão das atividades econômicas da família. Em maio de 2010, fiz uma série de entrevistas e mantive várias conversas com Dona Lucinda, como os penedenses e os seus amigos costumavam tratá-la. Fiquei impressionado com a sua memória que o tempo não conseguira embotar. Do m

CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL: REGULAMENTO OU CAOS

                                                    Nilson Socorro       Nilson Socorro*     Nestes tempos bicudos de exacerbação das divergências, de intolerância e de fakes news em profusão, o mundo do trabalho, em especial, o movimento sindical, tem sido permanentemente agitado pela discussão, confusão e desinformação sobre o tema da contribuição sindical. O debate deveria contribuir para a construção de soluções, necessárias, em decorrência da fragilidade das finanças dos sindicatos, golpeadas pela reforma trabalhista de 2017 que abruptamente estabeleceu o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. Mas, ao contrário, tem se prestado mais para amontoar lenha na fogueira onde ardem as entidades sindicais profissionais e econômicas que ainda resistem. A Consolidação das Leis do Trabalho trata a contribuição sindical em diversos artigos, assim como, a Constituição Federal. Pelo estabelecido na legislação, são três as espécies de contribuições: a contribuição sindical ou imposto sindic

TRIBUTO A THAIS BEZERRA

      Jorge Carvalho do Nascimento*     Nasci no dia 28 de agosto. Passados 22 anos após o dia em que eu nasci, a mais importante colunista social de toda a história da mídia em Sergipe publicou a sua primeira coluna, GENTE JOVEM, no jornal GAZETA DE SERGIPE, a convite do nosso amigo comum Jorge Lins e sob a orientação do jornalista Ivan Valença, então editor daquele importante periódico impresso. Hoje estou aqui para homenagear a memória de Thais Bezerra. A partir do seu trabalho, dediquei alguns anos da minha vida à pesquisa e me debrucei a estudar o fenômeno da coluna social em Sergipe, inspirado pelo meu olhar curioso e pelas observações que sempre fiz a respeito do trabalho da jornalista inspiradora que ela foi.       O estudo, inicialmente dedicado ao trabalho de Thais Bezerra se ampliou, e no início do ano de 2023, resultou na publicação do livro MEMÓRIAS DO JORNALISMO E DA COLUNA SOCIAL, pela Editora Criação.   Thais Bezerra começou a trabalhar aos 17 anos de