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JACKSON, ANO 80


 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Jackson Barreto de Lima nasceu no dia seis de maio de 1944 em Camboatá, Distrito do município de Divina Pastora, que 10 anos depois, em 1953, ganhou o status de município, por iniciativa do governador Arnaldo Rollemberg Garcez, pessedista, correligionário e amigo do qual a professora Neuzice, mãe de Jackson, muito se orgulhava.

Juntamente com outras lideranças de Camboatá, a mãe de Jackson Barreto lutou por tal conquista. Recuperar a denominação de Santa Rosa de Lima, outro importante embate, seria uma conquista que chegaria um ano depois, quando a Lei Estadual 554 devolveu a Camboatá a denominação de Santa Rosa de Lima.

A família de Jackson Barreto de Lima sempre foi pobre e viveu com muitas dificuldades. A necessidade que tinham seus pais de trabalhar duro para gerar renda e sustentar a os filhos fazia com que ele e seus irmãos permanecessem boa parte do tempo com a sua avó Ormesinda, a quem os meninos costumavam chamar de Mãezinha. Dos seus irmãos, o único que teve uma vida economicamente mais confortável foi Jugurta, porque através de um concurso público foi Promotor de Justiça e se aposentou como Procurador.

Depois de Jugurta, veio Jileno, que tem a saúde muito frágil e é aposentado por motivo de doença, com uma pensão muito pequena. Genelício viveu até a sua morte com uma pensão modesta. Joaci foi um pequeno comerciante que sobreviveu sempre com a ajuda dos irmãos. Eleonora sobreviveu com uma pequena pensão de funcionária pública até ser levada pela morte.

A outra irmã de Jackson, Eliene, é professora. E Gilson, o mais novo, também optou pela carreira docente. Uma família dos extratos que o senso comum costuma designar como pequena classe média, como milhares de outras famílias sergipanas. Todos vivendo com dificuldade econômica, com um pequeno salário e nada mais. Nenhum dos seus irmãos tem patrimônio econômico farto.

Mamãe Neuzice sempre colaborou com o sustento da família, a partir dos rendimentos do seu trabalho de professora da rede pública estadual. Era assim em Divina Pastora e Santa Rosa de Lima e continuou a ser assim depois que família migrou para Aracaju, em 1948, quando Jackson contava apenas com cinco anos de idade.

Hoje, ao completar 80 anos de idade, é reconhecido como o mais importante e mais longevo líder de esquerda de toda a história de Sergipe, com uma história de lutas pelas liberdades democráticas que honram a sua biografia. Não existe um Jackson Barreto de Lima. São muitos os Jacksons.

Criança e adolescente vivendo com a alegria e a energia próprias de tal fase da vida, mas enfrentando desde cedo as agruras das dificuldades de sobrevivência vividas pelos filhos das famílias pobres do interior da região Nordeste do Brasil, num claro retrato da insuficiência econômica em Sergipe, principalmente nos municípios do interior do Estado e nos bairros da periferia de Aracaju.

Estudante que começou a descobrir os encantos da vida à medida que se afastava da meninice, entusiasmado com a descoberta da militância política, mas também vivendo as agruras daqueles que a condição de pobreza obrigou ao ingresso muito cedo no mercado de trabalho, o jovem militante Jackson Barreto de Lima ousou mobilizar colegas e desafiou em passeatas e pichações os governos da ditadura militar, como militante do clandestino Partido Comunista Brasileiro.

Líder comunista filiado ao Movimento Democrático Brasileiro, comandou a campanha que elegeu o jovem estudante de Direito Jonas Amaral para o seu primeiro mandato de vereador, em 1970. Líder político que mobilizou a massa dos bairros pobres de Aracaju e se elegeu como o vereador mais votado nas eleições de 1972, foi responsável pelo trabalho que aproximou o MDB e as grandes massas da população do Estado de Sergipe, transformando o Movimento Democrático Brasileiro no partido que canalizou as grandes demandas dos mais pobres em Sergipe, até que se promulgasse a Constituição de 1988.

O deputado estadual eleito em 1974 que entusiasmou a todos os sergipanos pela energia da combatividade e pela coragem de desafiar os poderosos, em 1978 foi eleito deputado federal com votação maiúscula e no exercício do mandato encantou os brasileiros pela coragem de fazer os enfrentamentos com o governo militar e pela preocupação em legislar sempre defendendo os interesses dos trabalhadores. Reeleito deputado federal com dificuldade em 1982, acumulou prestígio e três anos depois foi eleito prefeito de Aracaju com 71,8 por cento dos votos válidos.

O mesmo Jackson que voltou ao ponto de partida da carreira política em 1988, sendo candidato novamente a vereador, recebeu naquela oportunidade a maior votação de toda a história do município para tal cargo. Pela segunda vez se elegeu prefeito de Aracaju, em 1992.

Mais dois mandatos de deputado federal foram conquistados em 2002 e 2006. Eleito vice-governador do Estado em 2010, assumiu o cargo de governador com a morte de Marcelo Déda, em 2013, e foi reeleito chefe do Poder Executivo do Estado de Sergipe em 2014.

O Jackson que conheceu o tempo das glórias, viveu também muitos dissabores. Primeiro, as prisões políticas a partir de 1970 e as tentativas de afastá-lo da vida pública a partir de 1976. Teve o seu registro de candidato a senador cassado em 1990 e perdeu a eleição para o cargo de governador em 1994.

Em 1998 foi derrotado na disputa para o Senado Federal. Este certamente foi o grande sonho nunca realizado na sua vitoriosa carreira política, uma vez que novamente em 2018 tentou conquistar a ansiada cadeira e mais uma vez não conseguiu a vitória.

Nas eleições de 2022, tudo estava acordado com o então governador Belivaldo Chagas para que Barreto fosse o candidato à única vaga em disputa ao Senado Federal pela chapa governista que elegeu Fábio Mitidieri governador de Sergipe naquele ano.

Perplexo, Jackson Barreto assistiu no apagar das luzes do prazo para registro das candidaturas, em 2022, a manobra engendrada para que a chapa governista tivesse não apenas um, mas dois candidatos à única vaga de Senador em disputa, forçando Jackson a um enfrentamento que ocorreria no interior da sua própria coligação entre ele e o poderoso empresário e então deputado federal Laércio Oliveira, entusiasmado apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro. Jackson Barreto reagiu emitindo nota oficial no final do mês de julho de 2022, informando a sua desistência da candidatura ao Senado.

Amado pelas massas, odiado por vários grupos da elite dirigente, principalmente detentores do poder econômico que em distintas oportunidades tudo fizeram para afastá-lo da vida pública. Assim é Jackson Barreto de Lima.  

Agora, aos 80 anos de idade, não está exercendo nenhum mandato popular, mas como líder político recebe o reconhecimento de aliados e adversários e possui, ainda, a mesma energia que pautou o seu trabalho de líder político durante toda a sua vida. Na sua carreira construiu a própria imagem com muita competência e se fez símbolo popular de liderança política no Estado de Sergipe. Estabeleceu a sua marca como sendo o político que representa os mais pobres.

É possível afirmar que a trajetória política de Jackson Barreto o credencia não apenas como a mais importante liderança de esquerda em toda a História de Sergipe, mas também como um dos mais importantes dentre todos os líderes da vida política sergipana nos séculos XX e XXI.

Jackson representa uma era da vida política de Sergipe. Um era que muitos vaticinaram estar encerrada, em diferentes momentos da sua trajetória política. Foi assim, em 1988, quando Marcelo Déda votou pelo seu afastamento da Prefeitura de Aracaju. O mesmo vaticínio se repetiu em 1990, quando a Justiça Eleitoral o impediu de ser candidato a senador, deferindo o pleito formulado pelo grupo que Antônio Carlos Valadares, Albano Franco e João Alves Filho lideravam.

Muitos analistas políticos anunciaram o encerramento da carreira política de Jackson Barreto em 1994, quando ele perdeu o mandato de governador disputado contra Albano Franco, no segundo turno das eleições. Vaticínio que aconteceu de novo em 2000, quando Jackson desceu as escadarias da Prefeitura de Aracaju ao lado de João Augusto Gama da Silva, que estava encerrando o seu período de governo como prefeito municipal.

O fato é que na trajetória de líder de Jackson Barreto, as derrotas foram sempre o fermento que ele utilizou para iniciar uma nova caminhada, na maior parte das vezes vitoriosa.

 

 

*Jornalista, doutor em Educação, professor aposentado da Universidade Federal de Sergipe. Membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação. Foi Secretário de Estado da Educação de Sergipe, de 2015 a 2018, durante o Governo de Jackson Barreto de Lima.

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