Jorge
Carvalho do Nascimento
Dona
Stella Campos, a mulher do Desembargador Elífio, começou a ficar desconfiada em
face do repentino entusiasmo pela fé que tomara conta do comportamento de sua
filha Érica. Se antes ela vivia atormentada com o desinteresse da menina pela
religião católica, tudo mudou sem qualquer explicação razoável.
Aos
19 anos, todas as tardes Érica se dirigia ao templo para rezar o terço das
Filhas de Maria. Sempre com vestidos ou saias rodadas, cabelos caprichosamente arrumados,
ela saía de casa com o véu na cabeça e a fita vermelha com a medalhinha
pendurada no pescoço.
Retornava
sempre depois das oito da noite, com a cara sorridente e feliz. Dona Stella
questionava a filha se o terço demorava quatro horas e a moça sempre esclarecia
que estava participando do grupo de estudos de leitura da Bíblia com o Padre
Galo.
-
O seminário de estudos da Bíblia começa sempre as seis da tarde. E dura duas
horas. A primeira parte é de leitura e a segunda parte para tirar dúvidas. É um
estudo muito bom. Eu sempre saio muito satisfeita. Sinto que está me fazendo
bem – esclarecia Érica.
-
Por que eu não escuto ninguém falar desse grupo de estudos? Minhas amigas falam
do terço. Dizem que rezam das quatro até as cinco da tarde. Mas, ninguém fala
desse seminário que estuda a Bíblia. Só você fala disto – retrucava Stella.
-
Suas amigas são muito velhas. Acham que já sabem tudo. Muitas não sabem ler. Quem
se interessa pelo estudo da Bíblia é a juventude. São moças como eu e alguns
meninos do nosso grupo. As velhas rezam o terço e vão embora imediatamente –
informava Érica.
O
fato é que Stella não acreditava muito nas explicações da filha. A menina vivia
sonhando com as reuniões, mas em casa nunca abria uma única página da Escritura
Sagrada para fazer qualquer leitura. Só fazia leitura na Igreja, em companhia
do Padre Galo.
Naturalmente,
Érica não escapava dos falatórios dominantes em Cabedelo dando conta da
capacidade de sedução que tinha o ministro religioso e dá competência que possuía
para fazer da sua cama um santuário catequético de orações especiais às quais
nenhuma beata era capaz de resistir.
As
desconfianças de Dona Stella se acentuavam mais a cada dia, na mesma proporção
em que Érica se viciava em comparecer todas as tardes à Igreja e depois passar
à Casa Paroquial para as sessões de leitura e estudo. A mãe da moça começou a
imaginar como faria para descobrir o que efetivamente estava acontecendo
naquelas orações.
Não
precisou esperar muito. O Desembargador Elífio estava em João Pessoa e Stella
acordou a filha para ter a companhia dela durante o café da manhã. A menina
adorava comer inhame com carne de sol e ovo frito na manteiga. Quando o seu
prato foi servido por Dona Stella ela perdeu o controle.
Não
conseguiu conter as contrações e o vômito que se seguiu sobre a mesa do café da
manhã. O bezerro denunciou a sua gravidez.
-
Suas regras estão atrasadas? Foi do Padre Galo que você emprenhou? - perguntou indignada mamãe Stella.
A
menina não tinha como negar. A confissão acendeu a ira nos olhos de Dona
Stella. Pior, no dia seguinte, foi a reação do magistrado ao saber da desgraça
que se abatera sobre a vida da sua filha mais velha, sobre a reputação da sua
família.
-
Isto não vai ficar assim – berrou o juiz. Foi no quarto, carregou a pistola
alemã Mauser C96 que sempre transportava escondida sob o colete e marchou em
direção da Casa Paroquial. Não bateu palmas, não esperou ser atendido, empurrou
a porta e foi entrando. O Padre estava sentado em uma das cabeceiras da mesa
comprida às voltas com um relatório financeiro que estava elaborando para
enviar ao Arcebispo.
-
Filho da puta! Ninguém desonra a minha família e escapa com vida. Você roubou a
honra da minha filha e manchou o bom nome da minha família. Não pense que vai
sair daqui vivo. Agora é entre nós dois – gritou Elífio ao disparar primeiro
tiro com a sua péssima pontaria, escorregando e derrubando a arma
Errou
o alvo, o Padre correu em direção da cozinha e apanhou a machadinha que
descansava ao lado do fogão a lenha. Escondeu-se atrás da porta e quando Elífio
entrou no ambiente o Padre desfechou-lhe um golpe que lhe acertou o pescoço. O
Desembargador caiu, mas ainda conseguiu disparar a sua arma novamente e acertar
o peito do Pente Fino.
-
O inferno lhe espera, sacerdote de Belzebu – gritou Elífio antes de dar seu
último suspiro e calar-se para sempre. O Padre ficou agonizando sobre o piso da
cozinha da Casa Paroquial. Tempo suficiente para pensar nos pecados da sua vida
errante. O Padre se contorceu em dores e desejou desesperadamente tomar um gole
d’água.
O
caboclo Haroldo chegou à casa paroquial pouco mais de uma hora depois e
encontrou aquela cena horrenda. O Desembargador Elífio jazia numa poça de
sangue com um profundo corte no pescoço. Um pouco mais à frente, o cadáver do
Padre Galo com uma perfuração de bala visível através da batina, na altura do
peito.
Comentários
Postar um comentário