Jorge
Carvalho do Nascimento
Eram
duas e meia da tarde quando o Padre Galo resolveu suspender o depoimento que
tomava de Sônia. A sertaneja o surpreendera. Estava oferecendo um esclarecimento
cheio de detalhes de uma maneira que o sacerdote não esperava que acontecesse
naquele sábado. Eram já cinco horas de conversa, sem parar e ainda havia muito
a ser dito.
Galo
esperava uma sertaneja com ares de prostitua, maletrosa, com o rosto carregado
de pintura de maquiagem vulgar e pó barato. Uma mulher de cabelos ensebados e
desgrenhados, soltos e embaraçados como os de uma “Madalena arrependida”. Quem
se apresentou diante dele foi uma mulher elegante, cheia de estilo, com pintura
discreta, que sabia se trajar elegantemente.
A
conversa de Sônia era muito bem articulada. Ela sabia narrar com competência,
tinha uma boa postura e uma expressão oral transparente na qual era muito
difícil encontrar erros gramaticais. O vocabulário era vasto e rico, demonstrando
que o Padre Galo estava diante de uma mulher que apreciava a leitura e sabia
muito bem o que estava dizendo.
Nada,
porém, impressionou tanto o sacerdote como o momento no qual os raios de sol e
o calor levaram Sônia a pedir licença e retirar o véu do rosto. A cútis da moça
o impressionou. Pele lisa, verdadeira pele de pêssego, com a coloração da
jaboticaba. Nariz legitimamente brasileiro, com os traços do bom acabamento de
um rosto de mulher.
À
medida que o Padre Galo se fixava em cada detalhe, mais ficava impressionado.
Lábios carnudos que valorizavam as curvas da boca de Sônia formando uma espécie
de engaste sensual. Queixo bem torneado e testa discretamente emoldurada pelos
cabelos. Tudo sem um único cravo, uma única espinha, uma única sarda, mesmo
estando ali uma moça tão jovem.
À
medida que Sônia falava, ela percebeu que o Padre Galo estava tentando distensionar
o ambiente. As primeiras perguntas feitas com muita rispidez foram aos poucos
se transformando em questionamentos gentis, feitos com voz mais suave sempre
precedidos por expressões educadas: “por favor” “a senhora poderia”, coisas
assim.
As
tensões que sobrecarregavam a cabeça da depoente e se expressavam em seu
semblante foram desaparecendo e ela fez uma narrativa plena de detalhes
esclarecedores que produziam um contexto da situação que a levara a Cabedelo e
que o conservadorismo da população local foi incapaz de entender.
Depois
de se identificar e fazer a própria qualificação, Sônia narrou em detalhes a
sua história de vida. Contou da falta de condições de sobrevivência durante a
seca em São José das Pombas e se emocionou ao falar como o pai morrera ainda aos
30 anos de idade, deixando sua mãe com numerosa prole.
Falou
com tristeza da luta da mãe Valentina para alimentar os sete filhos que lhe ficaram
após a morte do marido. De como os seus cinco irmãos foram viver num dos “campos
de concentração”, como eram chamadas as frentes de trabalho criadas pelo
presidente Getúlio Vargas.
Chorou
muito ao falar de como a sua mãe a levou juntamente com a sua irmã Ana para
pedir emprego na fazenda do Coronel Garcia e da maldade deste ao arrumar
trabalho para elas duas no Bazar de Dona Clarice. Do quanto foi difícil a
descoberta, ao chegar naquele local, que ambas estavam sendo entregues à
prostituição como forma possível de sobreviver, sob o beneplácito da mãe
Valentina que não conseguia pensar em outro caminho.
Foi
muito difícil a Sônia revelar os momentos em que teve de aprender a controlar o
asco e sentar-se no colo de velhos impotentes, endinheirados e babões fedorentos.
O quanto era necessário fingir que gostava da conversa deles sobre política e
sobre negócios dos quais ela e a irmã nada compreendiam.
E
o pior era sentir-se violentadas por aqueles asquerosos que lhes beijavam a
boca, fediam a suor e a aguardente e com suas mãos grosseiras e sujas de suor lhes
enfiavam as mãos sob a blusa para amolegar os peitos de modo indelicado que,
além de não proporcionar nenhum prazer, provocava dores e hematomas.
E
o que dizer quando enfiavam as mãos por baixo das calçolas e queriam enfiar os
dedos na buceta das meninas ainda virgens, muitas vezes provocando sangramento
e cortes nas coxas e nos grandes lábios, principalmente quando elas resistiam
àquelas formas de agressão.
Sônia
perdeu o autocontrole e caiu num choro convulsivo ao narrar a maneira pela qual
o Coronel Garcia desvirginou a sua irmã Ana e como a enganou prometendo uma
gorda compensação financeira em espécie e melhorias na casa de Dona Valentina,
compromissos que jamais seriam honrados.
Chorando
sem parar fez a narração detalhada das queixas de Ana quanto ao fato de ser o
Coronel Garcia um homem sexualmente avantajado que a desvirginou sem nenhuma
delicadeza e com muita violência, a abandonando no quarto lambuzada de sangue e
placas de esperma espalhadas por todo o corpo.
Durante a leitura, fui me encantando com Sônia de tal forma que, acredito, Padre Galo pode estar correndo perigo...kkkkkk
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