Jorge
Carvalho do Nascimento
Sônia
foi acordada por Dadá às oito horas da manhã. Recebeu a informação de que
estava de pé, na calçada, em frente à porta da rua, um homem preto que disse
chamar-se Timóteo. Desde que saíra de São José das Pombas na viagem que a levou
a Campina Grande, nunca mais Sônia avistara aquele homem que fizera a sua segurança
e a de Orozimbo ao longo do trajeto.
Mandou
que Dadá instalasse Timóteo na sala de visitas. Levantou-se, foi cuidar da higiene,
banhou-se e foi direto ao encontro do preto Timóteo. Sentou-se em uma poltrona
em frente a ele e quis saber o motivo de visita tão honrosa.
-
Venho da parte de Orozimbo. Ele mandou entregar à senhora essa carta – disse-lhe
metendo a mão no alforje, de onde retirou um envelope. Esta é a minha missão.
Desejo que a senhora tenha um bom dia. Entregou o envelope branco grande e
partiu.
Sônia
começou a se atordoar e uma sensação ruim lhe tomou o corpo, da cabeça aos pés.
Não se despediu do preto Timóteo. Arriou-se sobre a poltrona e ficou ali sem
conseguir pensar em nada e sem entender bem o que estava acontecendo. Nunca,
antes, Orozimbo lhe enviara uma carta. Aquela era a primeira vez. Abriu o
envelope e começou a ler a carta.
O
tom da primeira linha era muito seco e ela percebeu que aquela correspondência teria
um tom agreste, lhe desceria goela abaixo com um gosto amargo, travoso. Lançou-se
à leitura:
-
Sônia:
-
Nunca esqueci a noite em que cheguei à porta do Bazar de Dona Clarice, em São
José das Pombas, o puteiro onde tive oportunidade de conhecer você. Desde que
saí de João Pessoa para aquela viagem me sentia muito carente. Meu casamento
com a portuguesa Manoela havia naufragado e jazia no fundo do mar oceano como
acontecera na era das navegações com várias caravelas portuguesas que se
perderam e afundaram em meio a severas tempestades.
-
Ao longo da minha vida, apesar de tudo, sempre pensei na minha pequenina filha
Rocio e suportei por ela uma vida que não era verdadeira. Sempre fui um homem
infeliz. Conhecer você naquele cabaré me deu uma nova energia, uma nova alegria
de viver. Nunca tinha pensado que em tão pouco minha vida mudasse tanto, por
sua causa.
-
Confesso que me apaixonei. Não parava de pensar no seu amor. Trabalhava para
você, vivia por você, gostava de me entregar a você. Descobrir que sou
diabético foi um grande choque em minha vida. Estava viciado em me deitar com
você e ganhar o seu boquete. Eu não media nenhum sacrifício para fazer você
feliz e agora a vida estava me tirando o maior dos prazeres que você me
proporcionava: o prazer de me deitar numa cama e gozar como nunca tinha gozado.
-
Virei brocha, mas continuei amando você. Descobri que o amor verdadeiro não
precisa de pau duro. Ele existe na consciência. É ela que comanda o afeto.
Pouco interessa o que o homem tem embaixo das pernas. Ele continua sendo capaz
de amar, de um jeito verdadeiro. Por isto, a um homem que vive na situação que
eu vivo, a traição da mulher amada é o que mata. E eu sinto que estou morrendo
muito depressa.
-
Como eu sempre fiz desde 1928, quando o Hotel Globo foi inaugurado no Largo de
São Pedro Gonçalves, Varadouro, aqui em João Pessoa, toda quinta-feira, as
cinco da tarde, gosto de me encontrar com os amigos no bar do hotel. Na última
quinta-feira se aproximou de mim um padre que fiquei sabendo chamar-se Galo e
ser substituto do Frei Fernando na Paróquia do Sagrado Coração de Jesus, em
Cabedelo.
-
A convite dele, nos sentamos numa mesa apartada do meu grupo e o sacerdote
cravou no meio peito a lâmina do mais afiado punhal que pode existir no mundo.
Ele me fez descobrir uma Sônia que eu nunca pude imaginar que existisse. Jamais
pensei que havia me entregado a uma mulher tão desclassificada, tão vulgar, tão
vil e tão torpe quanto você.
-
Pelo Padre Galo fiquei sabendo do seu descaramento com o Frei Fernando e os
escândalos que você provocou na sociedade de Cabedelo passeando nas praias
desertas com o Franciscano, tomando banhos de mar com o frade e dormindo na
Casa Paroquial para fazer o que a gente sabe que faz um casal jovem que dorme
na mesma cama. Uma mulher honrada não divide a cama com outro homem. Pouco
interessa se ele é um frade Franciscano ou deixa de ser.
-
O Padre Galo me falou de como foi assediado por você e de como você o
pressionava para ficar até tarde da noite na Casa Paroquial. De como você pedia
para dormir com ele e colocava à prova o seu voto de castidade. Da necessidade que
ele tinha de passar as madrugadas acordado, rezando o terço para não ser surpreendido
por você na cama dele.
-
Eu até duvidei que isto pudesse ser verdade. Procurei o meu velho amigo
arcebispo, Dom Moisés. Ele confirmou tudo. Me mostrou o relatório da
investigação. Ali eu percebi como você me usou, como eu fui um tolo nessa história
toda. Como gastei meu dinheiro em vão com uma mulher que não merecia sequer um
cumprimento.
-
Esqueça que eu existo. Para mim você morreu e está enterrada em uma cova profunda
enquanto aguarda o dia do juízo final para sentir o calor do fogo do inferno. É
o que uma mulher vadia como você merece. E seu castigo não vai tardar, tenho
certeza. Tenho caráter e não vou tomar o que lhe dei de presente. Nem a casa
nem o que está dentro dela. A partir de hoje acabou o salário de maquinista.
Lembre-se: dinheiro acaba. Deus vai me ajudar e você vai sofrer muito e
terminar os dias da sua triste vida na miséria – concluiu Orozimbo.
Aos
15 anos, Sônia estava com um filho no bucho e sozinha na vida. O seu mundo desabou...
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