Jorge
Carvalho do Nascimento
O
desaparecimento de Zé Lotero tocou fundo na sensibilidade de Sônia. Naqueles 14
meses, desde a fatídica viagem do seu menino, pela primeira vez ela estava
experimentando o significado real do que é amar um filho, do que é ser mãe.
Estava prestes a completar 32 anos de idade e já colocara três filhos no mundo,
mas os criava como Deus criou batata. Não fora o seu irmão Willison e a cunhada
Rafaela, ninguém faz ideia do que teria sido a vida daquelas crianças.
A
vida prosseguia e Sônia não parava de pensar em Zé Lotero. A cada batida na
porta da frente da sua casa, a cada visita do carteiro o seu coração acelerava,
sempre esperançosa de que o seu menino tivesse sido encontrado com vida. Não
acreditava que ele pudesse ter se atirado no mar. Muito menos supunha que ele
houvesse se envolvido em alguma confusão a bordo e alguém o tivesse atirado à
fúria do oceano.
Será
que descobrira o sexo ou mesmo o amor durante aquela viagem? Será que se
apaixonara e resolvera mudar de vida ao lado da mulher que o fizera se sentir
macho pela primeira vez? Tudo não passava de conjecturas da cabeça de uma mãe
desesperada querendo saber quais foram as armadilhas da vida que tragaram o seu
rebento.
E
se ele desembarcou em Salvador e foi assaltado e morto na região do cais ou em
alguma zona de malandragem da velha capital da Bahia? Tudo era possível ao seu
coração de mãe. O pior era não ter um corpo para velar e dar vazão ao rio de
lágrimas que desaguava em seu coração sofrido.
Foram
infrutíferas todas as investigações feitas pelas polícias dos Estados da Bahia,
Espírito Santo, Rio de Janeiro, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Não
deram em nada as buscas realizadas no mar e nas praias pela Marinha do Brasil
que agiu atendendo pedido do Exército.
Nas
investigações, o comandante do navio Santos informou que no Porto de Salvador
não havia nenhum registro dando conta de ter Zé Lotero desembarcado. Contudo, o
camareiro que arrumou a cabine na qual ele viajava sozinho informou que fez a
cama por volta das nove horas da manhã e que não observou nada de anormal.
Porém, no dia seguinte, ao entrar na cabine pela manhã para fazer a cama, tudo
continuava como no dia anterior. Ninguém havia dormido ali.
O
episódio tirou o sossego de Sônia e ela começou a pensar no modo como havia,
até então, se relacionado com seus filhos. Zé Lotero sumiu no mundo aos 15 anos
de idade. Para ela, o menino era um ilustre desconhecido. Sônia não vira o
filho crescer, não curou nenhuma das suas dores, não o ajudou a arrancar nenhum
dos seus dentes de leite. Sequer teve a oportunidade de fazer com os filhos o
que fazem as mães nas primeiras trocas dos dentes quando ensinam a criança a
atirar no telhado o dente que acabara de perder, gritando:
-
Melão, melão, toma teu dente podre e dê cá um são.
Decidiu
que era chegada a hora de retomar a educação das suas filhas, antes que também
as perdesse sem lhes oferecer o amor de mãe e sem ter o reconhecimento que é
dado pelos filhos que recebem amor. Estava profundamente arrependida por ter
permitido que Zé Lotero fosse viver com o seu irmão Willison, o que levou o
menino a reconhecer a sua cunhada, Rafaela, como a verdadeira mãe.
No
final de semana estava batendo às portas do mano, na cidade de Campina Grande.
-
Willison, eu sou grata demais por tudo que você e Rafaela fizeram por mim até
hoje, principalmente pela educação de qualidade que vocês deram aos meus
filhos. O desaparecimento de Zé Lotero me fez pensar muito por mais de um ano,
desde que ele sumiu. Eu não quero, não posso, nem devo permitir que aconteça
com minhas filhas o mesmo que aconteceu com Zé Lotero que nunca me reconheceu
como mãe, do mesmo jeito que as meninas não me reconhecem. A mãe de todos eles
sempre foi Rafaela. Eu quero ter a chance de ser mãe, quero correr atrás do
tempo perdido – disse a Willison e a Rafaela.
-
Minha irmã, eu gosto muito de você, mas você sabe que eu não aprovo o seu
estilo de vida como puta. Sei que a sua vida no Night Club é o que faz você
ganhar muito dinheiro e viver luxando como você gosta de viver. Mas, agora,
você é uma mulher que está ganhando um bom dinheiro com a sua Padaria Triunfo.
Todo mundo sabe que você é uma empresária que está bem de vida, mas não é
aceita pela alta sociedade porque continua a trabalhar no Night Club. Pra você
levar suas filhas, o ideal é que você deixe o cabaré – esclareceu.
Sônia
prometeu se afastar da vida de prostituição, até porque o tempo estava passando
e ela não era mais nenhuma menininha. Uma mulher com quase 32 anos de idade.
Havia parido e amamentado por três vezes e mesmo que o corpo se recupere com
relativa facilidade, como era o caso dela, o tempo sempre cobra o seu preço.
Faltavam
pouco mais de 40 dias para iniciar o período de férias das meninas. Carmen
estava prestes a completar nove anos de idade e Carla iria fazer seis anos
naquele 1952. Combinaram que Sônia utilizaria aqueles 40 dias para regularizar
a matrícula das meninas em boas escolas de João Pessoa e naquele período faria
o seu processo de afastamento do Night Club.
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