Pular para o conteúdo principal

BANIDA DO CLUBE


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

A Paixão de Anselmo Gomes por Sônia foi arrebatadora. Era um grude só. Onde Sônia estava, lá estava Anselmo. Nas tardes das segundas-feiras Anselmo e Sônia estavam trancados no apartamento do Hotel Globo numa orgia sem fim, onde tudo era permitido. Entre eles, nada se proibia.

Anselmo era um dândi, bon vivant, sempre vestido de modo elegante, gostava de carros esportivos de luxo. E logo, Sônia estaria protegida por ele e gratificada com volumosas somas de dinheiro e presentes luxuosos que engordavam ainda mais o saldo bancário da sertaneja.

A afinidade de Sônia com ele era percebida por todos. Aprimorou-se ao dançar tango com Anselmo. Numa das muitas festas do Clube Cabo Branco, a famosa orquestra pernambucana de Severino Araújo atacou com o tango Adios Muchachos. Imediatamente Anselmo e Sônia ocuparam o espaço da pista de dança.

Nos primeiros passos, um espetáculo. Ninguém mais teve coragem de sair da sua mesa para dançar. Olhares extasiados com os passos perfeitos e as impagáveis piruetas executadas pelo par romântico. Ao final, todos aplaudiram de pé por muitos minutos a belíssima exibição do casal.

O relacionamento de Anselmo conhecia um único problema: o alcoolismo. Bêbado, ele perdia a noção de limites e rompia com todos os padrões minimamente aceitáveis de comportamento social. Ficava desrespeitoso e nenhum circunstante o detinha em sua marcha da insensatez.

O pior de tudo é que se tornava um homem violento a quem todos temiam e não queriam ficar perto dele. Numa das manhãs, à beira da piscina do Clube Cabo Branco, ele começou a jogar sinuca e ao perder a partida arrebentou o taco contra a mesa e ainda por cima urinou na caçapa, à vista de todas as famílias do high Society paraibano que se encontravam no local.

Foi um constrangimento generalizado, mas ninguém dentre os circunstantes, nem mesmo os dirigentes do clube, ousava dizer absolutamente nada ao endinheirado sócio dado o seu poderio econômico e o prestígio da sua família, benfeitores que fizeram generosas doações para a construção da sede do Cabo Branco.

No dia seguinte, o presidente do clube perguntou a Anselmo se ele mandaria consertar a mesa. O playboy não se fez de rogado e prometeu resolver o problema. Uma semana depois, no trem que saíra do Recife estava no vagão de cargas duas novas mesas de sinuca ofertadas ao clube pelo sócio desajustado.

Na relação de amor que Anselmo e Sônia estabeleceram havia uma rusga: ele, apaixonado, começou a pensar na possibilidade de assumir Sônia como sua companheira, passando a viver sob o mesmo teto. Numa das tardes de segunda-feira do Hotel Globo, Anselmo estabeleceu um papo reto.

- Não é mais segredo pra ninguém que eu gosto de você. Já lhe disse isso várias vezes. Se depender de mim você muda imediatamente pra minha casa e a gente vai viver junto, debaixo do mesmo teto. Você vai passar a andar comigo, será a minha madame. Agora, tem uma coisa: eu não posso aceitar a vida secreta de puta que você leva. Eu quero que você largue tudo isso e seja só minha – disse Anselmo a Sônia, falando alto e em tom bastante exaltado.

Sônia permanecia calada. Olhava, com estupefação, o olhar esbugalhado de Anselmo enquanto pensava.

- Eu não posso fazer o que ele quer. Não sei por quanto tempo ele vai ficar comigo nem se eu vou ter mesmo a vida de madame que eu desejo. Depois, desses homens todos que deitam na minha cama, só um me faz gozar, o jornalista Camilo. Ele sim me arranca sussurros, gemidos e gratos. Eita homem do pau gostoso. Com os outros eu finjo que é bom, mas bom mesmo é o dinheiro que eles pagam. E esse mocinho cheio de dinheiro não é diferente. Eu nunca gozei com ele. Fico gemendo de mentira pra ele pensar que é bom de cama.

Ao anunciar a sua negativa a Anselmo, ele não se conformou. Se tornou violento, deu um empurrão em Sônia. Na queda ela bateu o nariz no piso e começou a sangrar. Seu antebraço foi cortado pela violência com que bateu na cabeceira da cama.  Anselmo se retirou do quarto praguejando contra ela.

- Quem você pensa que é? Você acha que uma puta pode me contrariar. Você vai pagar muito caro por não aceitar a minha proposta. Ninguém desfaz de Anselmo. No dia seguinte, a Arquidiocese de João Pessoa publicou uma nota de repúdio ao Clube Cabo Branco, que foi lida em todas as paróquias de João Pessoa, principalmente naquelas dos bairros nos quais viviam as famílias de maior poder aquisitivo.

A Igreja Católica advertia as famílias cristãs contra o perigo de clubes sociais que não verificavam o comportamento dos seus sócios e dizia que alguns deles chegavam a aceitar mulheres que não tinham uma família para apresentar à sociedade. Era preciso acabar com a orgia dominante nesses clubes e banir da convivência com as famílias cristãs as messalinas dissimuladas de pessoas de bem que maculam a honra de todas as famílias.

Três semanas depois, Sônia recebeu uma carta do Clube Cabo Branco cancelando o seu título de associada e informando-lhe que houvera um erro de julgamento na decisão que a aceitou como sócia, uma vez que a comissão fora induzida em erro por informações que ela falsificara.

Carmen e Carla nunca entenderam porque elas e Sônia deixaram de frequentar o clube.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A REVOLTA DE 13 DE JULHO, OS SEUS REFLEXOS SOCIAIS E OS MÚLTIPLOS OLHARES DA HISTÓRIA

      José Anderson Nascimento* Jorge Carvalho do Nascimento**                                                                                              Qualquer processo efetivamente vivido comporta distintas leituras pelos que se dispõem a analisar as evidências que se apresentam para explicá-lo. Quando tais processos são prescrutados pelos historiadores, a deusa Clio acolhe distintas versões, desde que construídas a partir de evidências que busquem demonstrar as conclusões às quais chega o observador. Historiadores como...

A MORTE E A MORTE DO MONSENHOR CARVALHO

  Jorge Carvalho do Nascimento     Os humanos costumam fugir da única certeza que a vida nos possibilita: a morte. É ela que efetivamente realiza a lógica da vida. Vivemos para morrer. O problema que se põe para todos nós diz respeito a como morrer. A minha vida, a das pessoas que eu amo, a daqueles que não gostam de mim e dos que eu não aprecio vai acabar. Morreremos. Podemos mitologizar a morte, encontrar uma vida eterna no Hades. Pouco importa se a vida espiritual nos reserva o paraíso ou o inferno. Passaremos pela putrefação da carne ou pelo processo de cremação. O resultado será o mesmo - retornar ao pó. O maior de todos os problemas é o do desembarque. Transformamo-nos em pessoas que interagem menos e gradualmente perdemos a sensibilidade dos afetos. A decadência é dolorosa para os amigos que ficam, do mesmo modo que para os velhos quando são deixados sozinhos. Isolar precocemente os velhos e enfermos é fato recorrente, próprio da fragilidade e das mazelas da socied...

O LEGADO EDUCACIONAL DE DOM LUCIANO JOSÉ CABRAL DUARTE

  Jorge Carvalho do Nascimento     A memória está depositada nas lembranças dos velhos, em registros escritos nas bibliotecas, em computadores, em residências de particulares, em empresas, no espaço urbano, no campo. Sergipe perdeu, no dia 29 de maio de 2018, um dos seus filhos de maior importância, um homem que nos legou valiosos registros de memória que dão sentido à História deste Estado durante a segunda metade do século XX. O Arcebispo Emérito de Aracaju, Dom Luciano José Cabral Duarte, cujo centenário de nascimento celebramos em 2025, foi uma das figuras que mais contribuiu com as práticas educacionais em Sergipe, sob todos os aspectos. Como todos os homens de brilho e com capacidade de liderar, despertou também muitas polêmicas em torno do seu nome. Ao longo de toda a sua vida de sacerdote e intelectual da Educação, Dom Luciano Duarte teve ao seu lado, como guardiã do seu trabalho e, também da sua memória, a expressiva figura da sua irmã, Carmen Dolores Cabral Duar...