Jorge
Carvalho do Nascimento
Ao
completar 19 anos de idade, em maio de 1938, Sônia estava consciente de que sua
vida ia de mal a pior. Desempregada desde que fora demitida da Casa Ferreira,
Sônia já não tinha mais dinheiro depositado em banco e sentia que as joias que
ainda lhe restavam desapareceriam em pouco tempo.
Seu
filho, Eleutério, crescia com saúde, mas vivendo uma vida de muita pobreza, com
as restrições naturalmente impostas aos pobres. Não frequentava mais o Lar dos
Pequeninos porque a contribuição mensal que sua mãe pagava às freiras para
tomar conta do menino ficou muito dispendiosa.
Sônia
tomou coragem e buscou informações sobre a possibilidade de frequentar algum
cabaré de João Pessoa. Pretendia voltar a viver do comércio do sexo, da venda
do próprio corpo, tal como iniciara a vida no Bazar de Dona Clarice, em São
José das Pombas. Agora, morando em João Pessoa, deu uma volta pelos vistosos
cabarés da rua Maciel Pinheiro, mas foi barrada pelas cafetinas proprietárias
dos estabelecimentos mais prósperos e que recebiam os homens mais ricos.
O
processo de seleção nesses cabarés era muito rigoroso. Sônia não tinha
recomendação de nenhum freguês rico e poderoso. Nem mesmo de uma outra quenga que
regularmente frequentava um daqueles puteiros. Na Casa de Hosana não conseguiu
sequer que o leão de chácara a permitisse passar da porta.
-
Vim conversar com Dona Hosana – disse Sônia na entrada.
-
Ela está esperando por você? Tem hora marcada? Mulher aqui só entrar se ela
autorizar primeiro ou acompanhada de freguês que a gente já conhece – falou o
segurança que tinha cara de poucos amigos.
Sônia
tentou argumentar. Um aperto forte em seu braço e uma rápida torcida em direção
às suas costas foram mais do que suficientes para que ela desistisse da tentativa
de romper a barreira. Mas, Sônia era muito insistente, principalmente percebendo
o espetáculo que estava posto diante dos seus olhos. Quengas bem-vestidas
acompanhadas de homens perceptivelmente abastados num entra e sai frenético
daquela casa de pouca vergonha.
De
fato, Hosana tinha a fama de reunir ao seu redor as raparigas mais elegantes,
mais gostosas e mais safadas. E Sônia sonhava ser uma delas. Percebia que ali
era o local onde poderia ganhar um bom dinheiro. Todos que passavam pela porta
eram saudados com muito entusiasmo pelos porteiros.
Era
Desembargador Ramalho pra lá, Coronel Amazonas pra cá, Doutor Orestes e tantos
outros que entravam e saíam. Em toda aquela alegre movimentação Sônia farejava
dinheiro. Mas, para participar da divisão daquela riqueza toda tinha que ser
apresentada a Hosana.
-
Ainda vou trabalhar aqui – Sônia se retirou com tal pensamento a lhe verrumar o
juízo.
Da
calçada, onde estava olhando todo o animado movimento, Sônia ouvia as valsas
que o afamado Dedé tocava no saxofone. Ele se apresentava diariamente no palco
da Casa de Hosana, para diversão dos ricos frequentadores do local.
Como
em Hosana não deu certo, Sônia se dirigiu ao Cabaré de Lourdinha da Royal. Não
era igual a Casa de Hosana. Aliás, em João Pessoa não havia nada sequer
parecido. Mas, Lourdinha da Royal era uma cafetina muito bem-conceituada e sua
casa era frequentada por grandes empresários e personalidades da vida política
paraibana e, também por funcionários públicos muito graduados, oficiais
superiores da Polícia e das demais forças armadas e ainda por empresários em
ascensão.
Um
segurança bem-vestido mandou que ela aguardasse na entrada e foi até a
gerência. Depois de mais de meia hora, um garçom veio chamá-la.
-
Dona Sônia, pode entrar. Dona Lourdinha está esperando a senhora. Por favor,
pode me seguir – e saiu andando com passos firmes, Sônia atrás dele.
Lourdinha,
um travesti corpulento que trajava roupas extravagantes, tinha um metro e 89
centímetros de altura que se acentuava ainda mais pela mania de calçar sapatos
tipo scarpin, sempre brancos ou amarelos. Gostava do modelo do calçado, mas ao
andar denunciava não se sentir completamente à vontade com aquele artefato nos
pés.
-
Você veio atrás de emprego nos salões da minha casa? – perguntou com sua voz
tonitruante e muito volumosa que se projetava da boca com lábios grossos e
muito carnudos que gostava de adornar com quantidades exageradas do mais
vermelho dos batons.
-
Eu preciso trabalhar. E tenho experiência – falou Sônia.
-
E onde você já trabalhou, minha filha? – indagou Lourdinha, ajeitando os
cabelos pretos engomados com vaselina e encimados por um diadema dourado.
-
Até agora eu só trabalhei no Bazar de Dona Clarice, em José das Pombas, depois
da Borborema e antes do Cariri – explicou Sônia.
Lourdinha
soltou uma sonora gargalhada e bateu em uma sineta chamando o garçom.
-
Pode levar a moça. Não serve para a minha casa. Aqui só trabalha mulher
experiente, de classe. Quenga sem qualidade, eu não quero. Sônia ainda tentou
falar, mas Lourdinha exclamou.
-
Antero, leve logo ela embora. Tenho muita coisa pra fazer. Não vou perder meu
tempo com essa puta de segunda categoria.
Sônia
continuava sem emprego...
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