Jorge
Carvalho do Nascimento
Apesar
de mal recebido por Sônia, o Dr. Costa não se fez de rogado e tomou assentou à
sua mesa. O silêncio entre eles era ensurdecedor e a tensão do encontro deixara
no ar uma espécie de nuvem carregada de correntes elétrica com cargas
contrárias prestes a disparar raios capazes de matar uma manada de mil búfalos.
-
Você é o homem mais canalha que eu conheci em toda minha vida. Mau caráter,
irresponsável, vagabundo. Você não sabe ter e respeitar uma mulher. Não sabe
ficar do lado dela na hora que ela mais precisa. Me comeu, me emprenhou, fez
uma filha. A menina foi registrada sem nome de pai. Sua filha vai fazer três
anos de idade. Não sabe o nome do pai, Você nunca deu a ela um litro de leite
nem um metro de chita pra fazer um vestido – o rancor e a ira eram perceptíveis
na voz trêmula e descontrolada de Sônia.
-
Você está descontrolada. Eu posso conversar com você sobre isso tudo. É melhor
ir para o seu quarto, não quero escândalo. Sou amigo do Coronel Belmont e não
quero confusão dentro da casa dele. Converso, se você prometer que vai ser
educada. Vamos conversar no seu quarto – propôs o esculápio.
Em
poucos minutos estavam sentados nas duas cadeiras que ficavam diante da pequena
penteadeira do quarto de Sônia.
-
Antes de me acusar, você precisa me ouvir. Estou acabando de chegar dos Estados
Unidos da América. No final da guerra, em 1942, eu fui chamado pela Força
Expedicionária Brasileira, a FEB, para servir ao Exército como médico de
guerra. Ganhei o posto de Tenente Médico. Fui mandado para Los Angeles, a fim
de fazer um estágio de um ano no Kaiser Sunset Hospital. A casa de saúde
estava cheia de mutilados de guerra e, entre eles, tinha mais de 15
brasileiros. Eu fui encarregado de acompanhar o tratamento deles. Somente
agora, dois anos depois, eu estou voltando. Por causa da Guerra, fui promovido
a Capitão, vou continuar como médico do Exército e vou atender no meu
consultório – esclareceu o Dr. Costa.
Aquela
conversa criou um sopro de esperança no coração de Sônia. Talvez o Dr. Costa
não fosse um homem tão ruim e a vida da sua filha Carmen pudesse mudar.
-
Eu quero saber se você vai reconhecer a sua filha, se você vai botar seu nome
no registro da menina, se eu vou poder apresentar você a ela como pai. Quero
saber se você vai se interessar pela vida dela – questionou Sônia.
-
Eu voltei para encontrar você, para corrigir os nossos erros do passado, para
assumir a minha filha e ajudar você – disse o médico.
Aquilo
tudo era um sonho que Sônia estava sonhando acordada. Todos os sentimentos
ruins que ela nutria contra o Dr. Costa foram se dissipando. O coração de Sônia
foi ficando mais leve e ela tornou a enxergar beleza nas maneiras e no comportamento
do médico.
A
noite não poderia ganhar contornos melhores. Em pouco mais de uma hora, os dois
estavam nus sobre a cama e o Dr. Costa realizando as fantasias dos velhos
tempos, com as quais se acostumara durante o período no qual convivera com a
sertaneja. Sônia estava vivendo uma nova noite de verão, um céu cheio de
estrelas.
Quando
o dia amanheceu estavam exaustos da madrugada de orgia que passaram juntos.
Tomaram banho, vestiram a roupa e foram ao café da manhã no luxuoso Hotel
Globo. Comeram bem até se fartar com o menu que incluía pães, ovos, tubérculos,
omelete, ovos fritos, bolo de macaxeira.
As
juras de amor eterno eram muitas. Combinaram que Sônia pediria ao irmão para
trazer a João Pessoa a menina Carmen, no final do mês, a fim de que ela
conhecesse o pai. Sônia era só felicidade. Tinha dinheiro, voltou a conviver
com um homem que lhe agradava e o pai da sua filha prometeu que iria registrar
a menina com o seu nome.
As
duas semanas seguintes foram para Sônia viver todas as orgias do sexo das quais
era conhecedora. Sônia e o Dr. Costa ficaram juntos todas as noites e o dia
inteiro de segunda a sexta-feira e em dois finais de semana. O que a imaginação
humana conceber como possibilidade de estrepolia sexual foi experimentado pelo
casal de felinos.
Sônia
não via a hora do esperado encontro. Na terceira semana esteve com o Dr. Costa
até a quarta-feira. Combinou que se encontrariam na casa dela na hora do almoço
do sábado. Na tarde da sexta-feira Sônia e Carmen voltaram para João Pessoa. As
duas eram só sorrisos.
Sábado,
mesa posta com toda fartura à base de frutos do mar e, também duas carnes
vermelhas. Saladas, feijão de coco, arroz branco, xinxim de galinha, salada,
uma moqueca de Camorim e postas assadas do mesmo peixe, uma fritada de camarões
e compotas de ambrosia e de doce de putas, além de doce de batata doce para a
sobremesa.
As
12:30 horas, o médico ainda não havia chegado. Às 14 horas, ambas famintas e frustradas,
Sônia virou-se para a filha e comentou:
Acho
que aconteceu alguma coisa com o seu pai. Melhor comermos. Até o final do dia a
gente termina sabendo o que houve. Comeram pouco, se livraram das roupas de
recepção que vestiram e deitaram-se decepcionadas e com o rosto banhado em
lágrimas.
Costa
omitiu de Sônia que naquela madrugada embarcaria de volta aos Estados Unidos,
onde começaria a trabalhar na Embaixada brasileira em Washington.
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