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O TESTE DA CAMA


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Foram seis semanas de andanças pelos cabarés de João Pessoa sem que a resiliente Sônia encontrasse uma colocação num cabaré onde seria possível faturar um dinheiro razoável, na tentativa de reequilibrar as finanças e estancar a sangria que na prática já havia consumido todas as suas finanças e a poupança que possuía em joias.

Restavam-lhe somente três anéis decorados com águas marinhas, um colar em grossa corrente de ouro, um bracelete e uma escrava, ambos em ouro 18 quilates. Quase todo o dinheiro e as joias que tinha, havia consumido nos tempos difíceis vividos desde a sua saída de Cabedelo, quando teve início o seu acelerado processo de empobrecimento.

Antes mesmo de completar a idade de 14 anos, Sônia começou a ganhar dinheiro pelo caminho da prostituição, no Bazar de Dona Clarice, em São José das Pombas, e decidiu que retomaria tal trajetória para recuperar o que havia perdido. Sonhava, com o seu trabalho como puta, voltar a acumular bens e adquirir, novamente, uma boa casa na qual tivesse condições de viver com dignidade ao lado do seu filho Eleutério.

No processo seletivo pelo qual passou, foram inúmeras as humilhações às quais foi submetida para demonstrar que não tinha problemas de saúde, que sabia agradar os homens e que era carinhosa e muito safada. Da conhecida posição “papai e mamãe” ao boquete com homens nem sempre bem asseados, ela teve que provar que sabia o que fazer.

Na casa de Laura Antonina, uma conhecida cafetina de João Pessoa, foi levada a um quarto onde a própria Laura mandou que ela tirasse a roupa e, depois de analisar a sua pele em busca de marcas deixadas pela sífilis, foi obrigada a abrir as pernas para que numa análise vaginal com o dedo médio da mão direita ensopado de vaselina, a dona do cabaré tentasse descobrir se havia ulcerações internas ou alguma outra indicação de doença preexistente. O mesmo exame se repetiu com o toque e análise anal.

Por último, Laura chamou Romeu, um preto com 1,84 metro de altura, corpulento e com o pé muito grande, sem modos, que foi logo avisando:

- Vamos ver se você aguenta rola. Meu pé é 44 e você sabe que o tamanho do pau é metade do tamanho do pé. Aqui são 22 centímetros. E é grossa. Pode deitar aí e abrir as pernas – falou enquanto untava a criatura com vaselina.

Necessitando da vaga no puteiro de Laura Antonina, Sônia suportou aquele homem de mau hálito e suado, com o banho vencido de há muito. Ele entrou em Sônia com a sofreguidão dos selvagens. Ela suportou tudo fingindo que estava bom. Afinal, sabia que aquele era um teste de admissão para a vaga de trabalho que buscava. Mas nunca esqueceu a sensação de estar sendo rasgada.

Depois de dar em Sônia um banho de esperma que a ensopou da cabeça aos pés, Romeu virou-se para Laura e disse:

- Não serve. É muito fria. Eu achei que tava trepando com uma bananeira. Ela parece que não tá viva – pode dispensar.

Laura ordenou:

- Pode se limpar, se lavar e ir embora. Você é fraca pra trabalhar aqui.

Sônia voltou para casa muito triste e deprimida. A sua amiga Ermelinda estava muito angustiada com tudo aquilo e fez uma sugestão a Sônia.

- Amanhã eu vou com você na casa da minha amiga Carla. Ela trabalha no Night Cassino que fica no bairro da Torre e sempre ganhou um bom dinheiro lá. Até me convidou uma vez, mas eu não tive coragem. Vou levar você e ver se ela pode ajudar – concluiu Ermelinda.

Chegaram na casa de Carla por volta das 10 da manhã. Foram muito bem recebidas e a sarará Carla conversou demoradamente com Sônia, procurando saber da sua vida, da sua iniciação como puta em são José das Pombas, da história que a levou a Cabedelo e, também das razões que provocaram a sua mudança para João Pessoa.

Resolveu levar Sônia ao Night Club e apresentá-la ao Coronel Belmont, o dono do puteiro. Belmont era um oficial da Polícia Militar de João Pessoa e exímio saxofonista que fazia performances todas as noites no palco do Night Club. O careca, sabia como ninguém animar o ambiente, receber bem e deixar os seus clientes à vontade.

Não foi necessário grande esforço para que Belmont estabelecesse empatia com Sônia e a aceitasse como uma das meninas da sua casa.

- A regra aqui é a seguinte, minha filha. Seis da tarde a gente abre as portas. Na mesa que você sentar e você fizer os pedidos ao garçom pra você e pro seu acompanhante, você tem cinco por cento do que for vendido. Do quarto daqui do castelo que o seu acompanhante alugar pra fazer programa com você, seu ganho é de 10 por cento do valor do aluguel. O programa aqui tem preço mínimo. Da tabela do preço mínimo, o que você faturar de cada programa, você deixa 30 por cento na casa. Se você for boa de cobrar, o que passar do preço mínimo da tabela é todo seu – orientou Belmont.

Sônia só fez uma pergunta:

- Posso começar hoje?


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