Pular para o conteúdo principal

PRA SAIR DO CABARÉ


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

- E Sérgio? Onde anda? – perguntou Sônia de supetão. Ela havia acabado de saber o que lhe faltava conhecer sobre a história de vida de Willison, o seu irmão mais velho, e agora queria que ele desse conta da vida do segundo mais velho, Sérgio.

- Vive em Belém do Pará. É guarda no Porto de Belém. Casou e é pai de uma menina. Moema tem quatro anos, é a menina dele. É uma índia muito bonita. Nosso irmão casou-se com Jaciara, uma índia lá da ilha do Marajó. Ele tá com 26 anos de idade e levou pra lá nosso outro irmão, Gladson, que tá com 25. Gladson, pela mão de Sérgio, conseguiu se empregar no Porto de Belém como estivador. O trabalho é pesado, mas ele ganha bem – contou Willison.

Sônia percebeu que de um jeito ou de outro a família estava prosperando. Entendeu que precisava organizar sua vida. Nascera pobre, como seus irmãos. Ganhou a vida pelo caminho da prostituição. Virou uma quenga, uma mulher da vida, mas ganhou muito dinheiro, montou uma casa boa e bem arrumada, tinha dinheiro guardado no banco, muitas joias, empregada doméstica e perdeu tudo.

Abriu seu coração e contou toda a sua saga a Willison. Revelou que foi ela a mulher envolvida com o Frei Fernando. Explicitou detalhadamente o seu relacionamento com o frade, a tentativa do Padre Galo de levá-la pra cama e o envolvimento com o Desembargador Elífio, pai do seu filho Eleutério. Demonstrou o tamanho da tragédia que resultou nas mortes do magistrado e do sacerdote.

- Saí de Cabedelo e mudei pro Varadouro e vim viver aqui em João Pessoa na maior miséria. Mas, outra vez ganhei dinheiro com a orgia do cabaré até pegar uma nova barriga, a que fez nascer Carmen. Minha vida estava se arrumando e eu quebrei novamente. Agora, estou aqui. Já vendi tudo que tinha pra comer e pra dar comida ao meu filho e a minha filha. Sou pobre de novo, miserável. Não dou sorte na vida – praguejou Sônia.

- Você não pode dizer isto, minha irmã. A vida lhe deu duas vezes e você jogou fora. Acho que você escolheu o pior caminho. Ninguém respeita rapariga. Ninguém quer se casar com rapariga. Se ela der sorte, alguma hora ganha dinheiro. Mas, dinheiro sujo vem e não fica. Vai embora do mesmo jeito que chegou. O que se ganha na vida fácil vai embora fácil – analisou Willison.

- Não sei porque você diz que é fácil. Quem quiser que vá viver de dar a buceta pra ver se é fácil. É se deitar com um monte de homem seboso que só quer pagar uma miséria. Sempre aparece algum pra bater em você e ainda sai sem pagar. Puta toma muito xexo. Já teve homem que me comeu, me bateu, não pagou e tomou o dinheiro que eu tinha e foi embora – reclamou.

- Você não acha que tá na hora de sair dessa vida e levar uma vida decente, como gente de bem, criar seu filho e sua filha como uma família igual as outras. Daqui a pouco seu menino e sua menina vão ter vergonha da mãe. Quando a professora, os colegas da escola perguntarem quem é a mãe e o que ela faz, eles não vão ter coragem de dizer que a mãe é uma puta. Largue essa vida e venha comigo pra Campina Grande. Eu arranjo casa pra você morar e boto você pra trabalhar comigo no armazém. Mas, você vai ter que abandonar a vida de galinhagem que levou até hoje. Vamos viver como uma família, como gente de família – propôs Willison.

Sônia desconversou. Fez de conta que não ouviu a proposta e desviou o assunto fazendo uma pergunta.

- Você não me contou nada da vida de Kleber. Acho que ele deve ter agora 24 anos de idade. Você sabe pra onde ele foi? Sabe do que ele vive? – perguntou.

- Foi pra São Luiz do Maranhão trabalhar na obra da estrada de ferro. La começou a estudar, tomou gosto e vai se formar no final deste ano como técnico em contabilidade. Tá muito entusiasmado e muito feliz. Mandei uma carta pra ele e me respondeu dizendo que não quer voltar pra Paraíba. Disse que quer fazer a vida dele, procurar o futuro, no Maranhão – relatou Willison.

Sônia não queria discutir com o irmão a possibilidade de se afastar das orgias do cabaré. Ela gostava da vida mundana, apreciava as orgias, sentia prazer em fazer sexo com homens diferentes. Queria ganhar dinheiro, queria se dar bem na vida, queria viver uma vida com segurança econômica, mas não admitia viver uma vida regrada, disciplinada, como as pessoas normalmente vivem. Tinha que esticar a conversa sobre a família, para ocupar a mente do seu irmão.

- Só falta você me contar a vida de Erivaldo. O que você tem pra contar sobre ele – perguntou?

- É quem tá pior. Trabalha colhendo algodão na cidade de Monteiro. Serviço pesada, não consegue ganhar dinheiro. A vida dele é muito difícil. Tenho pena do meu irmão. Só tem 23 anos de idade e já sofre tanto. Naquele serviço dele, nunca vai conseguir juntar dinheiro. Se passar a vida toda lá vai morrer sem ter conseguido o dinheiro pra comprar o caixão e ser enterrado. Não tem onde cair morto.

Sônia se compadeceu da situação de Erivaldo. Ficou pensativa e Willison insistiu:

- Você quer sair da putaria e ir embora comigo pra Campina Grande?

Sônia respondeu:

- Ainda num tô preparada pra isto. Quem sabe, um dia...


Comentários

  1. Que pena! Fiquei torcendo para ela aproveitar a chance, dar a volta por cima e sair da vida de puta! Ainda mais depois de tudo que já passou. E sobretudo depois dos argumentos do irmão e da situação em que se encontrava. Mas além de puta é burrinha nossa personagem. Vai continuar naquela vida e fazer os filhos carregarem o estigma!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns , prezado amigo Jore. Você está se consagrando como contista de escol. Grande abraço. Netônio Machado.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A MORTE E A MORTE DO MONSENHOR CARVALHO

  Jorge Carvalho do Nascimento     Os humanos costumam fugir da única certeza que a vida nos possibilita: a morte. É ela que efetivamente realiza a lógica da vida. Vivemos para morrer. O problema que se põe para todos nós diz respeito a como morrer. A minha vida, a das pessoas que eu amo, a daqueles que não gostam de mim e dos que eu não aprecio vai acabar. Morreremos. Podemos mitologizar a morte, encontrar uma vida eterna no Hades. Pouco importa se a vida espiritual nos reserva o paraíso ou o inferno. Passaremos pela putrefação da carne ou pelo processo de cremação. O resultado será o mesmo - retornar ao pó. O maior de todos os problemas é o do desembarque. Transformamo-nos em pessoas que interagem menos e gradualmente perdemos a sensibilidade dos afetos. A decadência é dolorosa para os amigos que ficam, do mesmo modo que para os velhos quando são deixados sozinhos. Isolar precocemente os velhos e enfermos é fato recorrente, próprio da fragilidade e das mazelas da socied...

O LEGADO EDUCACIONAL DE DOM LUCIANO JOSÉ CABRAL DUARTE

  Jorge Carvalho do Nascimento     A memória está depositada nas lembranças dos velhos, em registros escritos nas bibliotecas, em computadores, em residências de particulares, em empresas, no espaço urbano, no campo. Sergipe perdeu, no dia 29 de maio de 2018, um dos seus filhos de maior importância, um homem que nos legou valiosos registros de memória que dão sentido à História deste Estado durante a segunda metade do século XX. O Arcebispo Emérito de Aracaju, Dom Luciano José Cabral Duarte, cujo centenário de nascimento celebramos em 2025, foi uma das figuras que mais contribuiu com as práticas educacionais em Sergipe, sob todos os aspectos. Como todos os homens de brilho e com capacidade de liderar, despertou também muitas polêmicas em torno do seu nome. Ao longo de toda a sua vida de sacerdote e intelectual da Educação, Dom Luciano Duarte teve ao seu lado, como guardiã do seu trabalho e, também da sua memória, a expressiva figura da sua irmã, Carmen Dolores Cabral Duar...

A REVOLTA DE 13 DE JULHO, OS SEUS REFLEXOS SOCIAIS E OS MÚLTIPLOS OLHARES DA HISTÓRIA

      José Anderson Nascimento* Jorge Carvalho do Nascimento**                                                                                              Qualquer processo efetivamente vivido comporta distintas leituras pelos que se dispõem a analisar as evidências que se apresentam para explicá-lo. Quando tais processos são prescrutados pelos historiadores, a deusa Clio acolhe distintas versões, desde que construídas a partir de evidências que busquem demonstrar as conclusões às quais chega o observador. Historiadores como...