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A EDUCAÇÃO DOS FILHOS


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Mulher de muitas posses e mãe dedicada, Sônia amava os netos intensamente e ficava indignada com o tratamento que eles recebiam do pai, Orwiliano. Todavia, diante do genro, Sônia se sentia impotente. A Panificadora Triunfo fizera de Sônia uma mulher rica, mas diante do milionário Orwiliano ela se sentia pequena.

Sempre que conversava com a sua filha Carmen, Sônia fazia questão de rememorar a pobreza original e o quanto padecera até ganhar autonomia financeira com o sucesso dos negócios da mais importante padaria de João Pessoa, na qual era sócia majoritária e detinha o controle de 70 por cento do capital da empresa.

Sônia mostrava a sua filha Carmen que era muito importante suportar os achaques do marido para evitar a saída da mansão onde vivia com os filhos e, também impossibilitar a perda da sua parte na fábrica de biscoitos. Assim, apesar da violência de Orwiliano, Carmen era estimulada pela mãe a manter um casamento marcado por uma sucessão de momentos trágicos e tristes.

Orwiliano impunha aos filhos a responsabilidade de trabalhar na fábrica de biscoitos a partir dos 10 anos de idade. O sistema de embalagens dos diversos tipos de biscoito era realizado manualmente e as crianças eram levadas a atuar ao lado dos operários dobrando e colando embalagens, além de preenchê-las com os diferentes biscoitos.

Orwiliano era o chefão que decidia sobre todas as coisas. Carmen era uma mulher tranquila que acolhia os filhos e os enchia de carinho. Sônia mantinha em relação aos netos o mesmo comportamento da filha Carmen. Todos eles gostavam de visitar a casa da avó. Orwiliano, além de exigir dos filhos o trabalho na fábrica de biscoitos, acompanhava rigorosamente o cumprimento das tarefas escolares de cada um deles.

Pode-se dizer que Orwiliano, contraditoriamente era um homem urbano que mantinha padrões de vida próprios aos da elite endinheirada, por um lado, mas, de outro modo, era concomitantemente um homem rústico que criava os filhos com muita rigidez, impondo-lhes uma vida dura.

Qualquer filho que fizesse uma travessura, uma traquinagem comum entre crianças e adolescentes, era amarrado em um cavalete de madeira fixado ao piso que havia nos fundos do terreno da fábrica e ali era espancado pelo pai que usava uma correia de couro como instrumento de tortura.

Lucas, o filho mais velho de Orwiliano, sofreu muito e foi se transformando em uma pessoa angustiada por toda a repressão que recebia do pai. Era emocionalmente instável e muito revoltado diante do mundo. A doçura que não recebera do pai foi suficiente para fazê-lo um indivíduo amargo.

Foram as sessões de espancamento que levaram Lucas a fugir de casa. O mesmo motivo pelo qual José tomou distância do ambiente familiar. Auxiliadora via o sofrimento dos irmãos e sofria muito com a repressão paterna. Se sentia igualmente atingida pela vida difícil que Orwiliano impunha à sua prole. Daí a decisão de também viver distante da casa dos pais. Américo também experimentou as dificuldades e tomou o rumo dos irmãos mais velhos.

De todos os filhos do casal, Júlia, a mais jovem, foi a única pessoa que conseguiu permanecer em casa, certamente por ter chegado à idade adulta num momento em que os pais já estavam separados.

Mesmo com as concessões que Carmen fazia sob a orientação de Sônia, o casal terminou se separando em 1977, quando Carmen estava completando 42 anos de nascida e Sônia era já uma senhora de 58 anos que vivia o climatério e começava a assumir uma postura de mulher idosa.

Todos os filhos de Carmen buscavam momentos de maior tranquilidade quando visitavam a avô Sônia. Mesmo com a vida dura que levara e a personalidade forte que possuía, Sônia não se embrutecera e, à medida que envelhecia, estava se transformando numa mulher extremamente dócil.

Mesmo afetuosa, Sônia era capaz de controlar os netos apenas com um olhar. Quando ela fixava os olhos em algum deles, todos compreendiam imediatamente que aquele era um olhar de desaprovação e imediatamente corrigiam a rota dos padrões do próprio comportamento. Não obstante, para os netos vovó Sônia era uma pessoa muito agradável que sabia deixar os netos completamente à vontade. Colocar cada um dos netos no colo e ficar conversando com eles era um hábito que ela gostava de cultivar.

Além do carinho que os filhos de Carmen recebiam da vovó Sônia, também a proteção e o afeto oferecido pela tia Carla, a filha do meio entre as três mulheres que compunham a prole que Sônia havia gerado, fascinava os filhos de Carmen.  A tia Carla era a tia dos sonhos de todos os sobrinhos. Muito doce no relacionamento que estabelecia com eles.

Algumas vezes também, os filhos de Carmen gostavam de visitar os primos, filhos da tia Constância, a mais nova e, também a mais pobre dentre as irmãs de Carmen, que viva em um bairro periférico da zona norte de João Pessoa.


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