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O CHOQUE



 

Jorge Carvalho do Nascimento

 

 

Aos 42 anos de idade, Vilson ainda estava em plena forma, com sua atividade hormonal fervilhando. Buliçoso, inteligente, bom papo, era uma espécie de come quieto. De mansinho, vivia assediando as mulheres com inteligência. Sensível e sonso, fingia não ter interesse pela fornicação, buscando sempre se apresentar como aquele bom amigo com o qual as pessoas podem se abrir.

Professor da Universidade Federal do Vale do Japaratuba – Univaj, passava os dias na sua sala recebendo alunos, alunas, colegas professores e colegas professoras. Com fama de homem equilibrado e estudioso, experiente em pesquisa e na gestão universitária, Vilson já havia passado por diferentes posições no serviço público federal, estadual e municipal, em Japaratuba, Aracaju, Capela, Viçosa (Minas Gerais), Natal (Rio Grande do Norte), Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

Era economista conceituado e com boa reputação como autor de projetos acadêmicos, sempre aprovados por importantes agências de financiamento à pesquisa como CNPQ, CAPES, BNDES, Finame, Finep e Fapese que resultavam em boas bolsas para pesquisadores e estagiários e recursos para equipes de pesquisadores e laboratórios.

Ouvi-lo era um encanto. Os alunos de graduação, mestrado e doutorado ficavam boquiabertos, tamanho era o deslumbramento com a competência do professor. Os colegas professores, nem se fala. Ele era o polo que todos procuravam e que sabia os melhores caminhos para a resolução de todo o qualquer problema acadêmico.

Se a longa estrada percorrida por Vilson como doutor em economia, bom docente, extraordinário pesquisador e excepcional gestor público entusiasmava a todos, mais tocava a sua vaidade a fama de ser um bom frequentador de camas nas melhores companhias femininas que o faziam desejado por muitas mulheres e invejado por muitos homens. Por baixo da capa do bom cientista havia um “latin lover” desses que foram admirados pela cultura machista no século XX e que os grupos mais conscientes do século XXI abominam.

“De perto ninguém é normal” - já nos ensinou a poesia de Caetano Veloso. Na intimidade, Vilson era um devasso. A sua vida íntima, a sua vida sexual, fazia corar até a desalmada avó de Cândida Erêndira que, no conto do escritor colombiano Garcia Marques, prostituiu a neta para pagar os prejuízos havidos com o incêndio da cabana na qual vivam.

Na longa lista de mulheres que seduzira, Vilson sonhava acrescer o nome de Esmeralda, sua colega, doutora em veterinária, que ocupava destacada posição no ensino e na pesquisa da Univaj. Delicada e misteriosa como o orvalho ao amanhecer, tinha pele clara como a pétala nascente em um botão de rosa branca e lábios que pareciam pintados com a tinta de um morango silvestre. O pescoço alongado deixava à mostra duas bonitas “saboneteiras” sobre os ombros de Esmeralda, com o colo decorado por peitos volumosos e mamilos pontiagudos. Barriga não existia, a cintura era acentuadamente fina e as ancas largas valorizavam uma derrière bem desenhada, ornando o bonito torneado das coxas que se ligavam a belas pernas que se encerravam nas patas da “gazela”

Era tudo irresistível para um “Don Giovanni” estiloso como era Vilson. E como se a beleza feminina de Esmeralda fosse pouca coisa, a professora era intelectualmente uma sedução só. Inteligentíssima, tratava “de formiga a elefante”, discorrendo com desenvoltura e sendo capaz de convencer qualquer interlocutor quanto a excelência das suas teses.

E o melhor: era visível que a mulher Esmeralda também arrastava uma asa na direção do bonitão Vilson. Viviam, ambos, buscando pretextos para reuniões e encontros. Vilson, divorciado das suas primeiras núpcias, vivia num bom apartamento na cidade de Aracaju. Ela, solteiríssima, morava sozinha em uma casa muito confortável, num condomínio fechado.

Até que aconteceu. Num final de tarde de sexta-feira o bate papo se prolongou. Veterinária, Agronomia, Economia, Administração foram temas das conversas. Falar de amor e sexo livre foi o corolário. Duas doses de uísque e uma garrafa de vinho terminaram de fazer ferver o caldo do desejo entre eles.

O Motel Monza foi o destino da noite. Vilson parecia o comandante do Zepelim da canção de Chico Buarque de Holanda. Fez de Esmeralda a sua Geni. Ela, aos 33 anos de idade era um fogo só e aprendera a dominar as artes da orgia sexual como poucas mulheres seriam capazes de saber.

Tivesse visto a cena, Chico Buarque não teria nenhum problema em repetir o seu poema: “Ele fez tanta sujeira, lambuzou-se a noite inteira, até ficar saciado”. Os dois se saciaram. As mãos adentraram atrás, na frente, em cima, embaixo... Ofegantes, cada um deitou para um lado e dormiram o sono dos justos.

Nem o dia amanhecia, outra vez assanhado, Vilson acordou e recomeçou a bolinação com Esmeralda. Sua imaginação fértil e lasciva propôs um banho juntos. Entraram no boxe, ligaram o chuveiro e Esmeralda também com o calor do momento convidou o parceiro a uma sessão completa de oralidade.

Ele, sob o chuveiro ligado, água caindo sobre o corpo ensaboado, amou a ideia. Ficou em posição de sentido, levantou também os braços e ela, toda dengosa, aproximou-se de gatinhas mostrando o quanto era mimosa, cheia de gemidos: miau, miau, miau... Chegou e apoiou as mãos sobre os quadris de Vilson. E ele, para ter mais firmeza, apoiou as duas mãos sobre o cano de alumínio que ligava o chuveiro à rede de água do edifício.

Um fio desencapado e a corrente elétrica de 220 volts cuidaram do resto. A descarga elétrica deixou ambos desmaiados. A força da corrente liberou os esfíncteres e permitiu que toda matéria orgânica guardada desde o dia anterior fosse despejada sobre o piso do boxe. O choque foi o ponto final de um romance promissor. Saíram cabisbaixos do motel. Nunca mais se falaram...          


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