Jorge
Carvalho do Nascimento*
No
final da década de 1960 e nos primeiros anos da década seguinte, a Estação
Rodoviária Governador Luiz Garcia era um prédio bonito, moderno e confortável,
inaugurado em 1962. Na segunda metade da década de 60 e até 1974 era hábito da
minha mãe, Maria Ivanda, e da minha avó materna, Dona Petrina, ir à Estação
Rodoviária no mês de janeiro para acompanhar o embarque da minha tia, Terezinha.
A
irmã da minha mãe era uma mulher moderna, bonita, elegante, de sucesso e bem
vestida, formada em Ciências Contábeis e talvez a pessoa com melhor renda da
família. Alta funcionária, como me acostumei a ouvir nas conversas em que Dona
Petrina gabava os méritos da sua filha diante de outras pessoas.
A
Tia Terezinha era leve, sensível, delicada e carinhosa com todos, especialmente
com os sobrinhos. Solteira, enchia de mimos e atenções principalmente a Iara
(minha irmã mais velha), a mim e ao meu primo Luiz Carlos (filho da Tia
Santaninha, irmã mais velha da minha mãe). A Tia me levava ao Dernier Cri
Magazine, loja elegante do comércio de Aracaju especializada em roupas de
crianças e adolescentes. Levava aos cinemas, às sorveterias, lanchonetes e
restaurantes.
Moderna,
anualmente fazia uma viagem de férias entre os meses de janeiro e fevereiro.
Passava 30 dias fora de Aracaju. Normalmente fazia o trajeto embarcada nos ônibus
leito da Empresa Nossa Senhora de Fátima. Não mais que uma ou duas vezes recordo
de ter ela feito o trajeto Aracaju-Rio-Aracaju nos aviões da Real, da Sadia ou
da Varig. Era pródiga em elogios ao serviço da Fátima. Carros confortáveis,
limpos e velozes. Faziam o percurso de 1800 quilômetros em apenas 36 horas. Um
assombro.
O
período de férias era dividido em duas etapas. Entre duas a três semanas no
apartamento da Tia Maria Helena, na rua Senador Vergueiro, na chamada Cidade
Maravilhosa e entre 10 e 15 dias na casa do Tio Oseas, em Vitória, no Estado do
Espírito Santo. A parada no Espírito Santo era a melhor para os sobrinhos que a
aguardavam em Aracaju Ela convivia com os irmãos de Dona Petrina que moravam
naquele Estado, passeava com a sobrinha Ana Carvalho e enchia de mimos o meu
primo Luiz Alberto, que também era convidado a acompanha-la aos cinemas,
sorveterias e lanchonetes.
Chegava
o dia do regresso a Aracaju. Estávamos na Estação Rodoviária à sua espera.
Abraços e em sua casa, normalmente um almoço ou um lanche. O momento mais
aguardado era a abertura das malas e a entrega das lembranças de viagem. Brinquedos
educativos, jogo de pega varetas, jogo de dominó, jogo de damas. Nada agradava
tanto quanto uma caixinha amarela de papelão entregue solenemente nas mãos da
minha mãe, Ivanda, com a recomendação: divida por todos os seus filhos.
A
caixa era comprada na loja da Fábrica de Bombons Garoto, em Vila Velha. O mais
cobiçado dos regalos. Em casa, Dona Ivanda reunia os sete filhos ao redor da
mesa para o ato solene de abertura da Caixa de Bombons. O conteúdo eram 300
gramas de um sortido de guloseimas de chocolate que representavam a própria visão
do paraíso.
Baton,
Caribe, Crocante, Meio Amargo, Nougat, Coco, Alô Doçura, Surpresa, Eclipse e
alguns outros. De cada tipo 2 ou 3 bombons. Tinham formatos variados: quadrados,
retangulares, ovais e por aí fora. O único bombom a ter a forma arredondada era
o mais desejado. O problema é que em cada caixa havia apenas um bombom Serenata
de Amor, a pedra de toque da linha de chocolates da Garoto.
Como
resolver o dilema de contemplar sete bocas gulosas aspirando comer um único
bombom de chocolate? A minha irmã Conceição chegava às raias do desespero, aspirando
a “bala redonda”. Dona Ivanda estabeleceu um sorteio. Todos teriam direito a escolher
na caixa dois bombons, mas antes todos retiravam de um vasilhame um papel no
qual estava escrito: “Bala Redonda”. O premiado receberia apenas o bombom
Serenata de Amor. Os demais teriam direito a escolher dois bombons da caixa.
Azarada,
Conceição nunca era contemplada nos sorteios e nós passávamos a tarde ouvindo os
seus soluções: “Eu quero uma bala redonda...”
*Jornalista,
Doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da
Academia Sergipana de Educação.
Muito muito legal....
ResponderExcluirAs suas crônicas tem me feito e, acredito que a todos os leitores delas, imaginarnos as cenas, sentirmos os cheiros, os sons, eu me pego sorrindo enquanto leio, como se estivesse lá no cenário descrito. É uma leitura rápida e agradabilíssima...
Obrigada por compartilhar conosco as suas lembranças..