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CAJU, CASTANHA, AZEITE QUENTE



Jorge Carvalho do Nascimento*


Quando comecei a observar e indagar sobre o espaço urbano, chamou a minha atenção um buraco quadrado rente a caçada que existia nas casas com fachada em platibanda. Logo percebi que nos dias de chuva por ali saía muita água. Mistério desfeito.
A platibanda trouxe um problema construtivo que a Engenharia solucionou. O escoamento da água que cai do telhado, já que aquela fachada alta não permite que as telhas a ultrapassem. A água do telhado é recebida por uma bica e esta conduz todo o líquido a um cano embutido na parede da platibanda que leva a água até aquele tal buraco quadrado encostado na calçada. Mas, além de esgoto pluvial, aquele buraco possibilita outros usos.
Sempre festejei a chegada do verão pela temporada de sol e calor e pela abundância de frutas, principalmente na região Nordeste do Brasil. Mangas, jacas, abacates, abacaxis, acerolas, bananas, carambolas, laranjas, limões, mamões, maracujás, melancias, pitangas, sapotis e cajus. O fruto do cajueiro ficou por último, por ser uma grande paixão.
Os meninos reunidos em grupo passavam por baixo das cercas dos sítios que existiam em muitas áreas dos bairros Santo Antônio, 18 do Forte, Industrial, Palestina e amarravam os cajus com tiras de palha de coqueiro, entre a castanha e aquela massa colorida, suculenta e fibrosa que os botânicos chamam pedúnculo.
Consumido o pedúnculo, sobravam as castanhas que eram postas no sol, a secar. Juntar as castanhas na época da safra do caju, era uma diversão de crianças e adolescentes que viviam nos bairros aracajuanos.
E o que tem a ver com isto o buraco da platibanda? Tudo a ver. Uma das brincadeiras animadas do verão era reunir um grupo de amigos na calçada de uma casa, numa tarde sombreada e fazer uma competição de castanha no buraco.
Um ponto marcado em frente a saída d’água de chuva, dava-se um peteleco tentando colocar a castanha lá dentro. Nem sempre era fácil. As castanhas que eram atiradas e não acertavam o alvo iam se acumulando na calçada. O primeiro que acertava o buraco recolhia todas as castanhas e punha na sua sacola. Os mais hábeis chegavam a recolher de 50 a 100 castanhas numa tarde.
No final do verão, chegava o momento culminante: assar as castanhas. Primeiro, conseguir uma lata larga e rasa. Com uma faca pontiaguda ou com um prego, se enchia a lata de furos, muitos furos. Uma vara comprida, com dois a três metros. No quintal da casa, era hora de cavar um buraco raso, que se enchia com madeira seca, a queimar como lenha. Sobre essa pequena fogueira no buraco, a lata cheia de castanhas secas.
A vara comprida servia para manter distância da lata sobre o fogo e ao mesmo tempo, com a ponta dela ir virando as castanhas para evitar que um lado queimasse e o outro ficasse cru. A temperatura subia, as chamas penetravam pelos furos da lata, as castanhas eram aquecidas e atingiam altas temperaturas. Ricas em óleo, a pressão interna de cada castanha se elevava e o azeite quente era espirrado sob muita pressão e uma temperatura elevadíssima. Ser atingido por um daqueles jatos causava uma queimadura muito grave. O azeite fazia com que se formassem labaredas que dominavam o cenário, no interior da lata.
As castanhas queimavam, empreteciam e as fibras guardiãs da polpa viravam carvão. Hora de retirar as castanhas do fogo. Um punhado de terra sobre a lata cheia de castanhas quentes e com o auxílio da vara comprida a lata era afastada do fogo. Esperar que esfriasse e começar novamente a assar uma outra quantidade de castanhas.
No dia seguinte, 150, 200 castanhas frias. Sentado no quintal, em frente a uma pedra grande que servia de apoio, uma pedra menor para golpear a fibra transformada em carvão. Um golpe certeiro e ela se abria. La dentro, a polpa preciosa. Alva, íntegra, saborosa. Castanha de caju assada.   
Até o próximo verão.


*Jornalista, Professor, Doutor em Educação. Membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia Sergipana de Educação.

Comentários

  1. Excelente crônica! Deu saudade do tempo da infância na casa de minha vó onde também nos reuniamos - primos - e nos divertiamos a assar e saborear castanhas!

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