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A REDESCOBERTA DOS LIVROS DA BIBLIOTECA DE SÍLVIO ROMERO

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

Tem 25 anos que foi redescoberta, reorganizada e colocada à disposição dos pesquisadores, a biblioteca que pertenceu a Sílvio Romero. Todavia, até agora ela foi objeto de poucas análises, dentre as quais destaco os estudos realizados pela pesquisadora Cristiane Vitório. Os livros de Romero são reveladores de muitas dimensões dos estudos realizados por aquele importante intelectual brasileiro, nascido na cidade sergipana de Lagarto, em 1851. O pioneiro das investigações nos livros de Sílvio foi Jackson da Silva Lima, que fez um trabalho preliminar sobre aquele acervo.

Os livros que pertenceram a Sílvio Romero foram adquiridos pelo Governo do Estado de Sergipe em 1918, quatro anos após a sua morte. A fim de orientar e avaliar o material, o presidente do Estado nomeou uma comissão composta pelo senador José Joaquim Pereira Lobo, Maurício Gracho Cardoso e o filho de Sílvio, Nelson Romero. Os 1919 volumes custaram quatorze contos de réis e foram entregues pela família Romero em dezembro do mesmo ano de 1918 ao então diretor da Biblioteca Pública, Epifânio da Fonseca Dória. Segundo relatório apresentado por este, os volumes recebidos eram referentes a 1717 obras, “inclusive algumas coleções de revistas, muitas das quais incompletas. Foram postos à margem diversos volumes truncados e inaproveitáveis. Das obras, 628, com 763 volumes, estavam encadernadas, e 1089, com 1186 volumes, estavam apenas brochadas”. Jackson da Silva Lima assinalou que o bibliófilo responsável pelo recebimento do acervo não fez, em seu relatório, qualquer registro a respeito da existência de uma possível lista dos títulos relacionando todas as obras adquiridas, observando apenas que após a compra pelo Governo do Estado de Sergipe os livros foram reencadernados.

Após a nova encadernação, a Biblioteca de Sílvio Romero passou a contar com 2270 obras, total que inclui 49 livros que não pertenceram originalmente ao autor aqui analisado, mas foram incorporados ao acervo por serem trabalhos de sua autoria, sobre ele e sua obra e alguns outros prefaciados por Romero. Do total do acervo, 920 títulos estão encadernados em 251 volumes de miscelânias, contendo dois ou mais trabalhos reunidos sob uma única encadernação.

Os livros estão identificados por um carimbo especial, circular, com a inscrição BIBLIOTHECA SYLVIO ROMERO, tendo no centro a estampa de um livro aberto. A identificação foi colocada por determinação de Epifânio Dória, após a chegada dos livros a Sergipe. Além desta marca, os livros guardam o nome autógrafo do sergipano (Romero ou S. Romero), centenas estão dedicados a ele, centenas contêm suas anotações e marcas de leitura, não pairando em tais casos, qualquer dúvida quanto à sua propriedade, além de outros elementos comprobatórios como dedicatória a SR, seu autógrafo e/ou anotações de próprio punho. Do total do acervo, 123 títulos não possuem qualquer tipo de registro: não foram carimbados e não contêm nenhuma das marcas de leitura que Sílvio Romero costumava deixar nos livros que lia. Mesmo assim, restam ainda 2147 livros. É possível perceber que, certamente, dentre os livros identificados pelo carimbo há alguns outros que também não pertenceram ao escritor sergipanos. São 47 livros editados em 1914, 25 em 1915 e 11 em 1916. Mesmo em relação aos publicados em 1914, parece pouco plausível que tenham pertencido a Sílvio Romero, posto que este morreu no dia 18 de julho daquele ano, aos 63 anos de idade, enfrentando problemas escleróticos e cardíacos. O fato é que, em relação a um total de 1717 obras recebidas em 1918, Jackson da Silva Lima anotou um acréscimo de 430 livros, atribuindo o fato a duas possibilidades de contaminação do acervo: após a chegada dos livros, as 1.089 brochuras, com 1.186 volumes, foram encaminhadas para encadernação, juntamente com outras obras de procedência diversa (...), e aí começou certamente a contaminação da biblioteca de Sílvio Romero”. A outra possibilidade indicada pelo estudo aqui referenciado “e essa em maior grau, ocorreu, presumimos, quando, encadernadas as brochuras em miscelâneas (obras do acervo de Sílvio Romero com obras que não lhe pertenciam), teve ensejo a etapa posterior da carimbação, com a possibilidade de erros por omissão (falta de carimbo), ou de erros por excesso (carimbação indevida), sendo, nesse caso, a incidência mais frequente, dando origem, assim, à diferença a maior constatada”.

Depois de carimbados, os livros que pertenceram a Sílvio Romero foram catalogados e passaram a integrar o acervo geral da Biblioteca Pública do Estado de Sergipe, distribuídos por assunto e por autor nas estantes da instituição, sem que houvesse qualquer preocupação em mantê-los numa sala ou outro espaço que servisse para preservar a unidade e a identidade da Biblioteca Sílvio Romero. Assim eles permaneceram até o ano de 1974, quando a Biblioteca Pública do Estado de Sergipe, já então denominada Biblioteca Pública Epifânio Dória numa homenagem ao seu maior bibliófilo, ganhou um novo edifício. Com a mudança para o novo prédio, parte do acervo geral da Biblioteca foi encaixotada e após a mudança permaneceu indisponível nos depósitos da instituição durante 21 anos.

Em 1995, ao assumir o cargo de secretário de Estado da cultura, o jornalista Luiz Antônio Barreto designou o pesquisador Jackson da Silva Lima para o cargo de diretor do Instituto da Memória e da Documentação – Imedoc, ao qual estava subordinada a Biblioteca Pública Epifânio Dória. O novo diretor estabeleceu como prioridade “recuperar o acervo antigo da Biblioteca Pública Epiphânio Dórea – BPED, que jazia num depósito infecto, quase sem iluminação, amontoado entre móveis imprestáveis e ferros-velhos, juntamente com os periódicos nacionais e estrangeiros”. Jackson da Silva Lima assumiu pessoalmente a coordenação do trabalho da equipe da Biblioteca, para desmontar a “vergonhosa lixeira, separando os livros, periódicos e documentos importantes das sucatas existentes, já danificados pela poeira, umidade, ratos, baratas e roedores de todos os gêneros”. Foram necessários oito meses de trabalho para recuperar o acervo.

A Biblioteca Pública Epifânio Dória acresceu às suas estantes, colocando à disposição dos leitores, aproximadamente 15 mil títulos, além de redescobrir velhos catálogos organizados no começo do século XX. Desse total foi possível formar um banco de teses médicas e reagrupar as bibliotecas que originalmente pertenceram a Gumercindo Bessa, aos irmãos Felisbelo e Laudelino Freire, e também a Biblioteca de Sílvio Romero. Esta última está organizada em duas salas, com os livros distribuídos em 18 estantes de aço , e é atualmente uma importante fonte para estudos que ajudam a compreender a atuação daquele escritor. O acervo pode ser identificado a partir de dois catálogos: o velho, do início do século XX, organizado apenas por autor, e um novo, digitalizado, que permite três tipos de consulta – registro de entrada, título e autor.

*Jornalista profissional, professor, Doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia Sergipana de Educação.


Comentários

  1. Que beleza essa redescoberta dos Livros! Um texto bem lúcido e inteligente onde a disseminação de informações possibilita ao leitor um melhor caminho pela busca nas pesquisas! Como Bibliotecária e Documentalista, posso garantir que o principal objetivo das Bibliotecas é serem grandes disseminadores de informações. Parabéns, Dr. Jorge Carvalho!

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