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ESCOTISMO BRASILEIRO

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

No dia 14 de junho de 1910, o movimento escoteiro chegou ao Brasil. 110 anos depois, o Escotismo continua vivo e ostentando a condição de um movimento de Educação extraescolar fundamentado na Pedagogia Ativa que fascina crianças, adolescentes e jovens.

Para o fundador do movimento escoteiro, general Robert Baden-Powell, a Educação seria o meio mais eficaz para formar o novo cidadão que ele vislumbrava necessário, em 1907. O Escotismo mobilizou, além dos princípios religiosos, ideais democráticos que tinham o indivíduo como centro de interesse e a sociedade como objetivo-meio para o bem estar individual e a prosperidade social. Os objetivos do projeto de Educação gestado por Baden-Powell consistiam em ensinar o menino a amar a Deus, ao seu país e dedicar-se ao trabalho. A Pedagogia escoteira procurou unir fé e razão, com a missão de formar homens tementes a Deus e verdadeiros cidadãos. Essa era uma característica das propostas educativas daquele período que tinham o Cristianismo como pano de fundo.

Continua atual, e agora mais do que nunca, o debate em torno dos fundamentos da formação moral proposta pelo Escotismo. O movimento escoteiro é uma forma de associação voluntária, uma organização não-governamental internacional. Para entender aquilo que o lord Baden-Powell propôs e colocou em prática é fundamental que se compreenda a sua maneira de pensar, captar as diferenças da sua proposta em face do que tal projeto pretendia ser, observando as recomendações metodológicas formuladas pelo pesquisador francês Robert Darnton, quanto a arbitrariedade que utilizamos para classificar o que analisamos.

No seu conhecido livro O Grande Massacre de Gatos e Outros Episódios da História Cultural Francesa (Graal, 1986, p. 248), Darnton ensina: “Ordenamos o mundo de acordo com categorias que consideramos evidentes simplesmente porque estão estabelecidas. Ocupam um espaço epistemológico anterior ao pensamento e, assim, têm um extraordinário poder de resistência. Postos diante de uma maneira estranha de organizar a experiência, no entanto, sentimos a fragilidade de nossas próprias categorias e tudo ameaça desfazer-se”.

Portanto, é fundamental inventariar as práticas do movimento escoteiro, compreendendo ser este um importante objeto de estudo, buscando a sua etnografia, as suas evocações, a sedução produzida por este movimento na memória daqueles que foram escoteiros e escotistas. Sedução que se expressou nas suas práticas de normalização social e nas representações que se fez de tais práticas.

Participar do movimento escoteiro era assim, participar do universo de uma nova cultura, uma cultura que oferecia uma visão de mundo articulada em torno de uma proposta de autoformação, que produzia forte impacto nas emoções, nas paixões, na paisagem natural, na paisagem urbana, nos processos de aprendizagem da vida, nas experiências de contato com a natureza, na produção de uma identidade cidadã.

A Pedagogia do Escotismo constitui um discurso com propósitos normatizadores. O caráter de disciplinador de comportamentos tem sido enfatizado em diferentes estudos sobre o tema.

Em 1969 ingressei no movimento escoteiro e fiz Promessa, passando a ostentar o conhecido uniforme de calças curtas e o chapelão que durante mais de 60 anos caracterizou o traje dos militantes do Escotismo.  

Baden-Powell, o fundador do movimento escoteiro, nasceu, foi educado e viveu sob uma Inglaterra vitoriana. O movimento escoteiro emergiu sob uma monarquia cristã, na qual era importante ser fiel a Deus e ao Rei. Contraditoriamente, a mesma Inglaterra vitoriana foi uma das sociedades europeias onde o liberalismo mais se desenvolveu e se consolidou. O rei ao qual os ingleses pregavam fidelidade, já não governava. Aquele ambiente britânico foi importantíssimo na conformação da consciência democrática do movimento escoteiro.

Talvez por estas diferentes razões, o fundador do Escotismo haja pregado reverência ao Deus de uma sociedade multiconfessional e tolerante. Segundo ele, não haveria sistema educativo sem a presença de Deus. Mas, fazia a ressalva de que o seu Deus não tinha um fuzil engatilhado para castigar as pessoas, mas sorria e encorajava a todos através da sua obra prima, que é a natureza.

 

 

*Jornalista Profissional, Professor, Doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia Sergipana de Educação.

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