Pular para o conteúdo principal

A DIFÍCIL LUTA PELA EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE SERGIPE




 
 
                                                        Jorge Carvalho do Nascimento*
 
 
Muitos dos estudos sobre a História de Sergipe afirmam que a Revolução Pernambucana de 1817 foi a principal causa para a criação da Capitania de Sergipe D’El Rey, em 8 de Julho de 1820. Após aquela revolta, Dom João VI concedeu autonomia a três novas Capitanias: Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte.
Neste texto defendo que o processo que separou o território de Sergipe da Capitania da Bahia é mais complexo e se coloca no contexto dos eventos vividos pelo Brasil entre a chegada de Dom João VI, em 1808, e a proclamação da Independência, por Dom Pedro I, em 1822. É necessário considerar o contexto econômico e o quadro político que levaram o rei a tomar esta decisão.
Contudo, vale a pena dizer que a revolta não se alastrou pelo território de Sergipe, distintamente do que aconteceu em outras Capitanias. Os proprietários rurais sergipanos entraram em pânico, principalmente porque a situação dos mais pobres era inquietante. Naquele momento, Sergipe convivia com a escassez de gêneros alimentícios para os mais humildes, principalmente a farinha de mandioca, em face da seca com a qual conviveram os sergipanos em 1816. A elite permutou com o governo da Bahia o abastecimento dos gêneros de primeira necessidade em troca do compromisso de fornecer homens para combater os revoltosos e também montarias para a luta.
Não obstante as agruras que frequentemente se abatiam de modo intenso sobre os pobres, como as consequências da seca de 1816, a elite dos senhores proprietários de terra e dos comerciantes prosperava em Sergipe, um espaço geográfico e político que se fazia cada vez mais rico, de modo célere, desde o final do século XVIII.
Era visível a expansão de vistosos canaviais nos produtivos vales dos rios Sergipe, Cotinguiba, Vaza-Barris, Piauí e Real, onde o massapê do solo era propício ao cultivo da cana de açúcar. Da mesma maneira, o poder dos senhores de terra não conhecia limites, o que transformava o território sergipano em uma região na qual o Estado era um grande ausente e as contendas eram decididas num ambiente de muita violência. Os crimes, recorrentemente, permaneciam impunes.
Do ponto de vista político, portanto, como assinalou no relatório que fez a Dom João VI o primeiro governador da Capitania, Carlos César Burlamaqui, alguns movimentos pleiteavam a independência desde a primeira década do século XIX.
O quadro de posições que tomaram os políticos brasileiros entre 1808 e 1820 é complexo e tem como pano de fundo um conflito central. A posição dos que desejavam fazer do Brasil um Estado nacional independente em confronto com aqueles que gostariam de manter o território brasileiro na condição de colônia portuguesa, ou no máximo, aceitavam o reino unido subordinado a Portugal. Quando presentes políticos da Bahia e os que viviam e possuíam interesses no território que corresponde a Sergipe, a questão da independência de Sergipe em relação a Bahia era um dos elementos dentre os que serviam de combustível a este conflito.
O primeiro governador da Capitania de Sergipe, Carlos Burlamaqui, era português de nascimento, porém se identificava com os interesses dos brasileiros que defendiam a independência nacional. Após a sua nomeação e antes da posse pediu ao Conde da Palma, governador geral da Bahia, 100 homens para organizar minimamente uma tropa regular de segurança. Estes homens organizariam o corpo de milícias sergipano. Requereu também as condições para fazer a defesa do litoral de Sergipe com peças de artilharia. Assinalou a necessidade de organização da Junta de Fazenda, para arrecadar e distribuir os recursos públicos.
Mal sabia Burlamaqui que não conseguiria executar seu plano e que o seu Governo duraria pouco menos de um mês. Chegou a São Cristóvão no dia 19 e foi empossado em 20 de fevereiro de 1821. A sua deposição ocorreu em 18 de março seguinte, por uma força armada vinda de Salvador com 200 homens.
Em Sergipe, já empossado, Burlamaqui garantiu a liberdade de circulação comercial e a saída das embarcações carregadas com mercadorias, passando a fiscalizar os portos da Cotinguiba, Estância e Itaporanga D’Ajuda, todos com fiscais da Fazenda, o que desagradava os senhores de engenhos produtores de açúcar. Era esse o temor dos senhores de terras que se apressaram em manifestar apoio a decisão da Junta Provisória de Governo da Bahia e tramaram abertamente para tirar do poder o governador Burlamaqui.
Os principais polos de conspiração eram as câmaras das vilas de Santo Amaro das Brotas e Santa Luzia do Itanhy, além da próspera povoação de Laranjeiras. Alguns senhores de engenho também eram contrários a emancipação sergipana, em face dos compromissos financeiros que mantinham com banqueiros da Bahia. Recebiam de banqueiros e comerciantes lusos quanto precisavam para plantar e moer suas safras que ficavam hipotecadas.
Estes senhores enxergavam facilidades no fato de o governo estar distante das suas propriedades. Além da sonegação fiscal, não tinham necessidade de se submeter a nenhum outro tipo de autoridade. Cada proprietário de engenho era autoridade administrativa, política, policial e muitas vezes judiciária. A polícia e outros agentes do Estado não ousavam transpor o limite físico das terras daqueles engenhos e fazendas.
Aos interesses econômicos dos senhores de terras sergipanos se somavam os interesses dos senhores de terras da Bahia. Mantida a emancipação política de Sergipe, a Bahia deixava de receber anualmente a vultosa soma de 120 contos de réis que arrecadava em impostos, mesmo com toda a sonegação dos proprietários rurais sergipanos.
Dentre os que defendiam a emancipação estavam os pequenos comerciantes, os pequenos proprietários de terras, os taverneiros, os donos de casas de aluguel nas cidades. De um modo geral, as camadas médias urbanas. A estes se juntavam ainda os pecuaristas.
Quando Burlamaqui foi deposto, Sergipe retornou à condição de dependente da Bahia. A Carta Régia de Oito de Julho de 1820 perdeu os seus efeitos. Esta decisão foi submetida às Cortes de Lisboa, que a aprovaram em 18 de Julho de 1821. Somente os fatos que ocorreram ao longo do ano de 1822 e o aumento das tensões entre Dom Pedro e as Cortes, além da luta das lideranças de Sergipe foram capazes de garantir uma efetiva emancipação política aos sergipanos.
Após a independência, no dia cinco de dezembro de 1822, Dom Pedro I reafirmou a validade da Carta Régia de Oito de Julho de 1820. A luta dos emancipacionistas sergipanos valeu a pena.
 
 
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.


Comentários

  1. Muito bom. Sempre gostei de estudar e História. História foi e continua sendo uma das matérias que mais gosto e cultivo a leitura. Vivemos repetindo a História há muitos séculos. Ela acontece de forma muito semelhante não importa o país ou época. Emancipação, independência, autonomia. Cidade, País, Território Principado, Reino, muitas são as denominações. As variações que resultam na sua existência, são muto semelhantes. É quase uma repetição mesmo. Não quer o dizer que são, iguais, mais parecidas são. Motivações políticas: econômicas em primeiro lugar, o poder que gera poder. Outras: Religião, gerou estados poderosos em todos os tempos. Outras causas: Tradição, cultura, herança, ambição, crimes e guerras, dentre outras. São causas que
    sempre estão presentes na fundação dos Estados e na evolução da história da humanidade, na minha visão. Gostei muito da sua aula de história de Sergipe. Abraço professor Jorge Carvalho.
    Gervásio Teixeira

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A MORTE E A MORTE DO MONSENHOR CARVALHO

  Jorge Carvalho do Nascimento     Os humanos costumam fugir da única certeza que a vida nos possibilita: a morte. É ela que efetivamente realiza a lógica da vida. Vivemos para morrer. O problema que se põe para todos nós diz respeito a como morrer. A minha vida, a das pessoas que eu amo, a daqueles que não gostam de mim e dos que eu não aprecio vai acabar. Morreremos. Podemos mitologizar a morte, encontrar uma vida eterna no Hades. Pouco importa se a vida espiritual nos reserva o paraíso ou o inferno. Passaremos pela putrefação da carne ou pelo processo de cremação. O resultado será o mesmo - retornar ao pó. O maior de todos os problemas é o do desembarque. Transformamo-nos em pessoas que interagem menos e gradualmente perdemos a sensibilidade dos afetos. A decadência é dolorosa para os amigos que ficam, do mesmo modo que para os velhos quando são deixados sozinhos. Isolar precocemente os velhos e enfermos é fato recorrente, próprio da fragilidade e das mazelas da socied...

O LEGADO EDUCACIONAL DE DOM LUCIANO JOSÉ CABRAL DUARTE

  Jorge Carvalho do Nascimento     A memória está depositada nas lembranças dos velhos, em registros escritos nas bibliotecas, em computadores, em residências de particulares, em empresas, no espaço urbano, no campo. Sergipe perdeu, no dia 29 de maio de 2018, um dos seus filhos de maior importância, um homem que nos legou valiosos registros de memória que dão sentido à História deste Estado durante a segunda metade do século XX. O Arcebispo Emérito de Aracaju, Dom Luciano José Cabral Duarte, cujo centenário de nascimento celebramos em 2025, foi uma das figuras que mais contribuiu com as práticas educacionais em Sergipe, sob todos os aspectos. Como todos os homens de brilho e com capacidade de liderar, despertou também muitas polêmicas em torno do seu nome. Ao longo de toda a sua vida de sacerdote e intelectual da Educação, Dom Luciano Duarte teve ao seu lado, como guardiã do seu trabalho e, também da sua memória, a expressiva figura da sua irmã, Carmen Dolores Cabral Duar...

A REVOLTA DE 13 DE JULHO, OS SEUS REFLEXOS SOCIAIS E OS MÚLTIPLOS OLHARES DA HISTÓRIA

      José Anderson Nascimento* Jorge Carvalho do Nascimento**                                                                                              Qualquer processo efetivamente vivido comporta distintas leituras pelos que se dispõem a analisar as evidências que se apresentam para explicá-lo. Quando tais processos são prescrutados pelos historiadores, a deusa Clio acolhe distintas versões, desde que construídas a partir de evidências que busquem demonstrar as conclusões às quais chega o observador. Historiadores como...