Jorge
Carvalho do Nascimento*
“A
solidão é fera/a solidão devora./É amiga das horas, prima irmã do tempo,/E faz
nossos relógios caminharem lentos,/Causando um descompasso no meu coração./A
solidão é fera,/É amiga das horas,/É prima-irmã do tempo/E faz nossos relógios
caminharem lentos/Causando um descompasso no meu coração./A solidão dos
astros;/A solidão da lua;/A solidão da noite;/A solidão da rua”.
No
seu inspirado poema Solidão, Alceu Valença nos leva a refletir sobre a condição
humana. Nela, um aspecto muito particular que separa as pessoas que ainda não
morreram daqueles que estão vivos. O envelhecimento coloca todos diante do fato
de que a regra é que o indivíduo morra gradualmente. O roteiro mais comum é
envelheça, adoeça e morra.
Portanto,
os últimos dias, as últimas horas de vida, normalmente são muito importantes. A
partida começa muito tempo antes do evento fatal. É a nossa fragilidade humana
que nos leva, geralmente, a separar os velhos e os enfermos dos vivos. A
decadência do corpo isola os velhos e enfermos. É verdade que tem aumentado o
número de indivíduos que envelhecem mantendo vida coletiva, mas isto ainda não
é a regra para todos. A maior parte dos velhos é vista com reservas pelos mais
jovens.
Como
regra, os velhos são mais taciturnos, menos sociáveis que os jovens e bem menos
calorosos nas suas manifestações de sentir. Todavia, todos são carentes da
necessidade de calor humanos oferecido por amigos e familiares.
Assim
como os velhos, na nossa sociedade é comum o isolamento dos enfermos em relação
a sociedade dos vivos. Do mesmo modo que os idosos, os enfermos são isolados
gradualmente do relacionamento em relação a outras pessoas com as quais estavam
acostumados a conviver. Coisas simples como uma conversa, um bate papo, um
abraço, um aperto de mão, um sorriso. Coisas que servem para dar sentido e
segurança a vida, para que cada um se sinta reconhecido pelo outro e parte de
uma comunidade humana.
Os
anos de isolamento de velhos e enfermos são muito penosos, não apenas para os
que sofrem tal situação, mas, de igual modo, para os seus circunstantes. Tudo
isto ocorre sem que haja intenção deliberada de fazê-lo. É um processo ao qual
todos os são empurrados pelo curso natural da vida.
Normalmente
tais coisas acontecem sem que nenhum de nós as perceba com objetividade, posto
que tendemos a naturaliza-las. Contudo, nos tempos sombrios em que vivemos, tal
processo se acentua e se agrava e agora começou a se tornar visível para todos
nós. No início teve quem afirmasse que isto não era problema, que era só uma gripezinha,
um resfriadinho. Outros tantos não se sensibilizaram e recusaram o isolamento
social e outras formas de prevenção e cuidados. Agora, o vírus bate às portas
de todos nós. Adoecem amigos, se enfermam vizinhos, morrem parentes. A tragédia
humana causada pelo coronavirus foi socializada e chegou para todos.
A
regra dos longos processos de envelhecimento e morte passam atualmente por um
processo de substituição. Cada vez mais a nova regra é que tudo aconteça
velozmente. Numa velocidade que machuca muito mais que os longos processos de
isolamento social causados pelo envelhecimento e pelas enfermidades tradicionais
enquanto se aguardava a chegada da morte.
Os
amigos que perdi recentemente morreram em poucas semanas, em poucos dias. Um
belo dia recebia a notícia. Amaral foi internado com insuficiência
respiratória. No outro dia procurava me informar do estado de saúde do querido
jornalista amigo e recebia a recomendação: não é aconselhável a você, um
diabético, visitar ninguém em nenhum hospital com este ambiente de transmissão
da Covid 19 que estamos vivendo. No terceiro dia chegava a notícia de que o meu
amigo se encontrava na Unidade de Tratamento Intensivo, posto que o seu quadro
se agravara. No quarto dia, ao acordar, a triste e lacônica notícia: morreu.
Beber
o morto. Assim os mais antigos se referiam ao velório. Evento que reunia os
vivos. O morto, com o seu corpo frio ali presente era apenas o pretexto da
reunião. Em algumas ocasiões, se conversava muito, ria-se alto com os chistes
que se sucediam. Hora de lembrar as histórias vividas com e pelo amigo que já
não mais voltaria. Os mais chegados choravam o sentimento verdadeiro da perda e
da saudade.
Nada
mais disto acontece. Amigos morrem isolados em hospitais sem que ninguém possa visita-los.
Velórios, não há. Na saída da UTI são envelopados em sacos plásticos
hermeticamente fechados, colocados em um caixão lacrado e levados em
pouquíssimas horas ao cemitério ou a um forno crematório. Na despedida, no
máximo, de cinco a dez familiares mais chegados. Adeus.
*Jornalista,
professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e
presidente da Academia Sergipana de Educação.
A vida tem que ser vivida! A dor tem que ser sentida. Que o ser humano possa perceber esse bem precioso que recebemos de Deus e possamos agradecer por cada segundo vivido. Vivemos hoje em um mundo (A) normal. Praticamos cursos de relacionamentos sociais e a recomendação hoje é um isolamento social, será uma gripezinha?
ResponderExcluirParabéns pela belíssima crônica, Professor Dr. Jorge Carvalho.