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LIVROS PARA O POVO III

 

 

Prof. Dr. Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

No final do século XIX o mercado editorial brasileiro conheceu a Biblioteca do Povo e das Escolas. Trata-se de uma coleção de 237 livros, publicados durante 42 anos, entre 1881 e 1913, pela Editora David Corazzi, de Lisboa, que circulou em Portugal e no Brasil. Cada volume circulava quinzenalmente, nos dias 10 e 25 de cada mês, com rigorosas 64 páginas, em formato de 15,5 X 10 centímetros, de composição cheia.

A edição dos dois primeiros volumes foi de 6 mil exemplares cada. A partir do terceiro volume começaram a ser impressos 12 mil exemplares de cada vez. A tiragem subiu para 15 mil exemplares a partir do volume 10, alcançando os 30 mil exemplares a partir do volume 11. A cada seis volumes, os livros recebiam uma única encadernação de capa dura, constituindo uma série. Ao longo dos 42 anos em que a coleção circulou, foram encadernadas 29 séries.

Bem sucedida, a coleção terminou recebendo vários prêmios. Ainda em 1881, a Biblioteca do Povo e das Escolas foi premiada com Medalha de Ouro, na Exposição do Rio de Janeiro. No ano de 1882, David Corazzi recebeu o Diploma Honorífico da Propaganda de Ciência Popular, conferido pela Associação Napolitana Propaganda de Ciência Popular Luz e Verdade – Guerra aos Mistificadores do Povo. Na mesma ocasião foi nomeado sócio protetor daquela instituição. Em 1883 foi condecorada pela Sociedade Napolitana Giambattista Vico.

Em 1888, o escritor Ramalho Ortigão publicou um longo artigo na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, acerca da Exposição Industrial de Lisboa, fazendo uma série de referências à Biblioteca do Povo e das Escolas: “estes pequenos e obscuros livros, tão pouco mimosos de elogios, tão despercebidos da réclame, constituem já uma das mais completas e das mais perfeitas bibliotecasinhas escolares que eu conheço.”

A casa editora David Corazzi conheceu um grande sucesso empresarial a partir da Biblioteca do Povo e das Escolas, tornando-se uma indústria de porte: “...aos escritórios da casa editora propriamente ditos estão anexas todas as oficinas de um grande estabelecimento de tipografia, compreendendo composição, impressão a vapor, esteriotipia, alçado, brochuras, cartonagens e encadernação a máquina” – descreveu Ramalho Ortigão.

Além da Biblioteca do Povo e das Escolas, obtiveram grande êxito editorial o Grande Dicionário de Geografia Universal, o Novo Atlas de Geografia Moderna, os Dicionários do Povo, a Biblioteca Universal – uma coleção de obras primas da literatura de Portugal e do mundo -, as Biografias de Homens Célebres, as Grandes Viagens e os Grandes Viajantes. Foi justamente o êxito obtido com a primeira série da Biblioteca do Povo e das Escolas que levou a editora ao lançamento, ainda em 1881, dos Dicionários do Povo.

Os Dicionários do Povo apareceram publicados sob duas formas distintas. A edição em brochura custava 500 réis, enquanto o volume de capa dura custava 600 réis. Um panfleto de propaganda que a editora David Corazzi fez circular esclarecia o caráter dos dicionários: “Lingüísticos e de todas as especialidades, portáteis, completos, econômicos, indispensáveis em todas as escolas, bibliotecas, famílias, escritórios, repartições públicas etc. Todos, mais ou menos, nas suas relações quotidianas têm dúvidas sobre palavras que lhes ocorrem e que dificilmente elucidarão, se não tiverem junto a si um mestre ou guia seguro que bem lh’as explique”.

O panfleto destacava o módico preço de cada um dos dicionários, da mesma maneira que punha em relevo o seu caráter enciclopédico, pari-passu com a Biblioteca do Povo e das Escolas: “Esta coleção de dicionários, a par da publicação da Biblioteca do Povo e das Escolas, constitui um verdadeiro tesouro de ciência e considerar-se-ão ricos de saber todos que quiserem possuir estas duas coleções e folheá-las de vez em quando”.

O primeiro dicionário – o da Língua Portuguesa - entrou em circulação ainda no ano de 1881. Era um dicionário Etimológico, Prosódico e Ortográfico, com 736 páginas. No mesmo ano foi também publicado o Dicionário Francês-Português. No ano seguinte – 1882 – foi publicada uma nova edição do Dicionário da Língua Portuguesa, o que se repetiu em 1883. Em 1884 circulou o Dicionário Português-Francês.

Nos períodos de doze meses que se seguiram foram publicados os seguintes dicionários: Inglês-Português, Português-Inglês, Latim-Português, Português-Latim, Italiano-Português, Português-Italiano, Espanhol-Português, Português-Espanhol, Alemão-Português, Português-Alemão, Sinônimos e Rimas, Artes e Indústrias, Verbos e Provérbios, Geografia Geral, História, Mitologia, Botânica e o Dicionário Analógico. No geral, cada dicionário continha entre 600 e 700 páginas, com as características descritas pelo panfleto publicitário do editor: “composição cheia e perfeita em tipo miúdo (nº 6) mas legível, impressão nítida, ótimo papel consistente, edição estereotipada”.

O ano de 1883 foi particularmente movimentado para a Casa Editora David Corazzi que publicou a obra de Júlio Verne, em 39 volumes. Ainda no mesmo ano, também colocou em circulação uma Geografia Moderna, contendo um Novo Atlas com 24 mapas coloridos e um diagrama de termos geográficos. Outra edição importante do mesmo ano foi o Método Simultâneo de Leitura e Escrita, de Branco Rodrigues, que produziu ainda um volume com o título de A Higiene das Crianças; de igual modo, o Manual Teórico e Prático de Ginástica, de Paulo Lauret. Tal volume continha 100 gravuras explicativas; um outro trabalho da maior importância que a editora colocou à disposição do seu público nesse mesmo ano foi a História Alegre de Portugal, de Manuel Pinheiro Chagas; o Dicionário de Geografia Universal deu atenção especial a Portugal, ao Brasil e às demais províncias ultramarinas; um outro sucesso editorial foi A Química na Cozinha, traduzido para o português por Elysa de Noronha. O livro de Zeferino Brandão, Monumentos e Lendas de Santarem, era dedicado ao rei D. Luiz I e com suas 600 páginas teve uma grande circulação. Já o Almanaque do Horticultor, sob a direção de Duarte de Oliveira Junior, atraiu pelas suas 56 gravuras.

Ainda no mesmo ano de 1883, a Casa Editora David Corazzi lançou a coleção Biografias de Homens Célebres dos Tempos Antigos e Modernos. A editora justificou sua nova coleção, dizendo ser “pendor natural do espírito humano querer saber não só como se chamaram, mas onde e quando viveram, os que por algum feito ilustre, por alguma importante descoberta, pelos seus talentos ou pelos seus estudos se elevaram acima do comum da humanidade”.

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia Sergipana de Educação.


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