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A CADEIRA DE INGLÊS

 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Apesar de o Atheneu Sergipense, instalado em 1871, haver realizado o seu primeiro concurso público para o cargo de Lente no ano de 1875, os dois professores que dele participaram e obtiveram aprovação já integravam a sua Congregação: Pedro Oliveira de Andrade, na Cadeira de Geometria, e José João de Araújo Lima, na Cadeira de História Universal.

Em 1877, aconteceu pela primeira vez no Atheneu um concurso que admitiu ao cargo de Lente um professor que não pertencia ao seu corpo docente: Alfredo de Siqueira Montes, na Cadeira de Inglês. Ascendino Ângelo dos Reis, Raphael Archanjo de Moura Mattos e Pedro Oliveira de Andrade integraram a banca examinadora, que decidiu por uma lista de dezessete pontos para que os candidatos pudessem elaborar, num prazo de quinze dias, a tese que, obrigatoriamente, deveria ser apresentada por cada postulante, nos termos definidos pelo Regimento que vigorou a partir do início do mesmo ano de 1877: 1º - Filiação da língua inglesa, suas afinidades e relação com outras línguas; 2º - Dialetos Ingleses; 3º - Índole da língua inglesa em relação à portuguesa, analogias e dessemelhanças; 4º - Estrutura e mecanismo da língua inglesa; 5º - A língua inglesa nos diferentes países de seu desenvolvimento; 6º - Artigos ingleses e seus empregos; 7º - Formas numéricas dos nomes ingleses; 8º - Formas genéricas dos nomes ingleses; 9º - Maneiras de indicar em inglês o complemento restritivo português; 10º - Comparativos e surperlativos ingleses, sua formação; 11º - Modos e tempos verbais, sua formação e seu valor; 12º - Conjugações verbais; 13º - Irregularidades dos verbos; 14º - Pronomes e adjetivos pronominais; 15º - Regência das palavras variáveis; 16º - Regências das palavras invariáveis; 17º - Inglês e inglês americano, suas literaturas e representantes.

A banca examinadora definiu também o ponto para a prova escrita: Versão de um trecho dos clássicos da língua portuguesa para a inglesa, extraído de qualquer obra adaptada pelo programa dos exames gerais, sendo por sorteio tanto a obra como a página.

As provas do concurso foram realizadas durante dois dias consecutivos e tiveram início às dez horas do dia 22 de junho de 1877, no salão nobre da Assembleia Provincial, sob a presidência do diretor da Instrução Pública, Pelino de Carvalho Nobre. Além dos membros da banca examinadora, estavam presentes à sessão os Lentes Antônio Diniz Barretto, Tito Souto, Geminiano Paes Andrade e Brício Cardoso.

Dos dois candidatos inscritos, o primeiro a defender a sua tese foi Hormecindo Leite de Mello, acadêmico do quinto ano da Escola de Medicina da Bahia. O seu concorrente era o professor Alfredo de Siqueira Montes, Chefe de Seção da Secretaria do Governo, que fez a sua defesa em seguida.

Ambos os candidatos foram arguidos, durante cerca de 40 minutos cada um deles, pelo examinador Ascendino Ângelo dos Reis. Os examinadores Raphael Archanjo de Moura Mattos e Pedro Oliveira de Andrada optaram pela renúncia ao direito que tinham de arguir os candidatos, declarando-se contemplados com a arguição do professor Ascendino. Depois de haver sido suspensa a sessão durante 15 minutos, o professor Moura Mattos fez a leitura de um texto da Seleta a ser traduzido pelos candidatos, iniciando assim a prova escrita, que teve a duração de duas horas, seguida de um debate de 30 minutos, com cada candidato.

As provas do segundo dia começaram pelas apresentações orais dos dois candidatos. O Regimento permitia que os candidatos se arguissem mutuamente, o que provocou um conflito entre ambos. Alfredo Montes acusou Hormecindo Mello de ser uma pessoa sem modos e afirmou não estar disposto a tratar com alguém assim, recusando-se a argui-lo e permanecendo calado quando foi arguido por este.

A polêmica entre ambos serve para demonstrar o acirramento da competição pelo poder político presente nos concursos para a prestigiosa posição de Lente da Congregação do Atheneu. Hormecindo Mello, era estudante de Medicina na Bahia, enquanto Alfredo Montes exercia já um cargo de muito prestígio na vida política sergipana: o de chefe de seção da Secretaria de Governo. A Congregação aprovou a este, mesmo tendo ele optado por permanecer em silêncio durante uma etapa das provas e ter o seu oponente respondido a todas as questões e apresentado as suas, conforme determinava o Regimento.

Alfredo Montes foi empossado no cargo de Lente do Atheneu no dia três de julho de 1877, apenas dez dias após o encerramento do concurso, numa solenidade que foi um ato político da maior repercussão e ao qual estiveram presentes o próprio presidente da Província, José Martins Fontes, e o diretor da Instrução Pública, Pelino Francisco de Carvalho Nobre, além de lentes, professores, intelectuais e políticos como Brício Cardoso, Raphael Archanjo de Moura Mattos, Ascendino Ângelo dos Reis, A. de S. Menezes, Pedro P. de Andrada, Geminiano Paes de Azevedo, Antonio Diniz Barreto, Oseas de Oliveira Cardoso, Jesuíno José Gomes, Manuel Francisco d’Oliveira, Severiano Cardoso, José M. Malhado de Araújo, Simião da Motta, Antonio José, Jason Valladão, Baltasar Viera de Melo, Feliciano Francisco da Rocha, José Honorino de Oliveira, Savino Roiz Cotias, Rodolfo Ramos Fontes, Manoel Mendes da Costa Filho, Manoel dos Passos de Oliveira Telles, Godofredo de Mello Barretto do Nascimento e Francisco de Paula Freire, dentre outros.

Alfredo Montes se transformou em um dos mais importantes dentre os lentes do Atheneu. Participou das comissões de exames finais de Inglês, Francês, Latim Português, Geografia e Filosofia e em 1882 foi eleito secretário da Congregação. Após a sua morte, em agosto de 1906, ele recebeu uma homenagem proposta pelos alunos Gentil Tavares da Motta, José da Rocha Teixeira, Paulo da Rocha Teixeira, Clarindo Diniz Gonçalves, Clodomir Silva e Martins de Camacho. Por sugestão desses estudantes, no dia 18 de maio de 1910 foi inaugurado um retrato seu no salão nobre do Atheneu, em solenidade que contou com a presença do presidente do Estado, Rodrigues Dória.

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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