Pular para o conteúdo principal

A COLONIZAÇÃO FRACASSADA

                                                              Hunald Cardoso



Jorge Carvalho do Nascimento*

 

As 22 famílias de colonos alemães que vieram formar a Colônia do Quissamã chegaram a Aracaju no mês de fevereiro de 1924, a bordo do navio a vapor Comandante Miranda. Eram em número de82 os imigrantes que receberam os lotes do Centro Agrícola Epitácio Pessoa. O fato era considerado tão importante que o próprio presidente do Estado, Graccho Cardoso, e o secretário de governo, Hunald Cardoso, estiveram pessoalmente a bordo do navio recebendo os colonos, dando boas vindas e os encaminhando para uma hospedaria na qual estes permaneceram durante oito dias. Na mesma oportunidade foi designado o médico Alexandre Freire para inspecionar as condições de saúde daqueles imigrantes.
Ao serem transferidos para a Colônia, receberam as 20 casas que o governo mandara construir em lotes de 150 tarefas, todas dotadas com luz elétrica e instalações sanitárias. Além disso, os colonos recebiam assistência dentária e tinham a liberdade de escolher a cultura que pretendiam explorar.

Dezoito meses depois do assentamento, em setembro de 1925, o próprio presidente Graccho Cardoso informou à Assembleia Legislativa que das 22 famílias iniciais apenas 16 continuavam vivendo no assentamento, totalizando 53 pessoas. 29 alemães haviam abandonado o projeto.

Contudo, o governante continuava otimista quanto ao futuro do empreendimento: “melhor não pode ser o estado de desenvolvimento da colônia, pelo que se pode inferir da boa disposição que os seus membros apresentam, resultante das ótimas condições sanitárias e da adaptação fácil de todos aos costumes regionais. Eles estão atualmente empenhados na cultura da cana, do algodão e da mandioca”.
Ao final de dois anos, apenas um alemão, Oscar Backhaus, permanecia em Sergipe. Suas condições de sobrevivência eram muito difíceis e, sem condições de continuar vivendo na colônia, ele conseguiu se mudar para a Fazenda Varzinhas, em Laranjeiras, propriedade de uma família alemã (os Hagenbeck). Os demais alemães haviam abandonado a Colônia e o Estado. Alguns mudaram para a Bahia, outros foram para Santa Catarina e outros regressaram ao seu país de origem.

Naquele período circulavam muitas histórias a respeito da miserável situação que se abatera sobre os colonos alemães do Quissamã. Os críticos do projeto afirmavam que o mesmo fracassara em função de dois fatores: a insalubridade do Quissamã, área sujeita a febres palustres; e os hábitos e padrões alimentares praticados em Sergipe nos anos 20 do século passado.

Todavia, há estudos que atribuem o insucesso ao fato de os alemães que vieram para Sergipe serem homens urbanos, pouco afeitos a atividade agrícola. Costumam exemplificar com a situação do próprio Oscar Backhaus que no seu país era um desenhista têxtil especializado na produção de rendas.

Há uma outra explicação para o insucesso daquela experiência. Josué Modesto dos Passos Subrinho afirma na sua tese de doutoramento defendida na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, sobre o trabalho escravo em Sergipe, que desde o século XIX, “os senhores de terras e de escravos nordestinos não acreditavam na imigração massiva como solução para a superação do trabalho escravo”.

Segundo ele, “no final da década de 1870, a imigração era encarada majoritariamente pela elite nordestina como um desperdício de recursos públicos, recursos que, no entender da mesma, deveriam ser direcionados preferencialmente ao crédito agrícola, à construção de ferrovias e portos, subsídios às linhas de navegação a vapor ou genericamente nos auxílios à lavoura”.

O assentamento de trabalhadores alemães no Quissamã fracassou. Este, porém, não foi o único caminho para a entrada em Sergipe de imigrantes alemães. Desde a metade do século XIX havia um vigoroso processo de fixação de empresas e técnicos alemães em Sergipe, que aqui se estabeleceram em função dos mais variados interesses econômicos.

Em 1836, o presidente da Província de Sergipe, Fernandes de Barros, fez a defesa da importância de levar colonos e empresários estrangeiros para Maruim, a fim de acelerar o processo de desenvolvimento econômico daquela área do Vale do Continguiba, que florescia com a economia açucareira.

A partir da metade do século XIX a imigração alemã teria forte presença em Maruim e contribuiria de modo definitivo para o aumento da riqueza econômica local, fazendo de Maruim aquilo que os seus memorialistas costumam chamar de o empório de Sergipe. Os registros acerca da presença de tais alemães são abundantes em diferentes arquivos públicos e privados. Contudo, tem havido pouco interesse, por parte dos estudiosos da história em lidar com esse material para compreender as contribuições oferecidas à organização da sociedade por aqueles europeus.

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A MORTE E A MORTE DO MONSENHOR CARVALHO

  Jorge Carvalho do Nascimento     Os humanos costumam fugir da única certeza que a vida nos possibilita: a morte. É ela que efetivamente realiza a lógica da vida. Vivemos para morrer. O problema que se põe para todos nós diz respeito a como morrer. A minha vida, a das pessoas que eu amo, a daqueles que não gostam de mim e dos que eu não aprecio vai acabar. Morreremos. Podemos mitologizar a morte, encontrar uma vida eterna no Hades. Pouco importa se a vida espiritual nos reserva o paraíso ou o inferno. Passaremos pela putrefação da carne ou pelo processo de cremação. O resultado será o mesmo - retornar ao pó. O maior de todos os problemas é o do desembarque. Transformamo-nos em pessoas que interagem menos e gradualmente perdemos a sensibilidade dos afetos. A decadência é dolorosa para os amigos que ficam, do mesmo modo que para os velhos quando são deixados sozinhos. Isolar precocemente os velhos e enfermos é fato recorrente, próprio da fragilidade e das mazelas da socied...

O LEGADO EDUCACIONAL DE DOM LUCIANO JOSÉ CABRAL DUARTE

  Jorge Carvalho do Nascimento     A memória está depositada nas lembranças dos velhos, em registros escritos nas bibliotecas, em computadores, em residências de particulares, em empresas, no espaço urbano, no campo. Sergipe perdeu, no dia 29 de maio de 2018, um dos seus filhos de maior importância, um homem que nos legou valiosos registros de memória que dão sentido à História deste Estado durante a segunda metade do século XX. O Arcebispo Emérito de Aracaju, Dom Luciano José Cabral Duarte, cujo centenário de nascimento celebramos em 2025, foi uma das figuras que mais contribuiu com as práticas educacionais em Sergipe, sob todos os aspectos. Como todos os homens de brilho e com capacidade de liderar, despertou também muitas polêmicas em torno do seu nome. Ao longo de toda a sua vida de sacerdote e intelectual da Educação, Dom Luciano Duarte teve ao seu lado, como guardiã do seu trabalho e, também da sua memória, a expressiva figura da sua irmã, Carmen Dolores Cabral Duar...

A REVOLTA DE 13 DE JULHO, OS SEUS REFLEXOS SOCIAIS E OS MÚLTIPLOS OLHARES DA HISTÓRIA

      José Anderson Nascimento* Jorge Carvalho do Nascimento**                                                                                              Qualquer processo efetivamente vivido comporta distintas leituras pelos que se dispõem a analisar as evidências que se apresentam para explicá-lo. Quando tais processos são prescrutados pelos historiadores, a deusa Clio acolhe distintas versões, desde que construídas a partir de evidências que busquem demonstrar as conclusões às quais chega o observador. Historiadores como...