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PARA ONDE VAI A COLUNA SOCIAL? II

                                José Marques de Melo


 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

No jornalismo brasileiro, o conceito de coluna sempre deu margem a diferentes interpretações. Segundo José Marques de Melo, no livro já citado, “Há uma tendência geral para chamar de coluna toda seção fixa. Assim, a coluna abrange, segundo essa noção, o comentário, a crônica e até mesmo a resenha” (p. 139).

A origem do conceito de coluna dizia respeito ao modo como os jornais eram diagramados no século XIX e na primeira metade do século XX, com os textos publicados sempre em formato vertical, de cima para baixo, passando, quando era necessário, à coluna vizinha.

Principalmente após o advento da técnica do off-set, os jornais adotaram a diagramação em formato horizontal e a palavra seção, em muitos casos, substituía o conceito de coluna. Contudo, a expressão coluna continuou em uso. Segundo Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa, autores do DICIONÁRIO DE COMUNICAÇÃO, publicado em 1978, coluna era a seção especializada de jornal ou revista, publicada com regularidade, geralmente assinada e redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticiário comum.

A coluna compunha-se de notas, sueltos, crônicas, artigos ou textos-legendas, podendo adotar, lado a lado, várias dessas formas. As colunas mantinham um título ou cabeçalho constante, e eram diagramadas geralmente numa posição fixa e sempre na mesma página o que facilitava a sua localização imediata pelos leitores (p. 102).

Muitos estudiosos afirmaram que a crônica social começou a ser publicada nos jornais como uma seção destinada a registrar aniversários de nascimento, noivados, batizados, casamentos, bailes, viagens, novas diretorias de clubes, conferências, almoços e jantares de clubes de serviço e as visitas recebidas pela redação.

Foram muitas as controvérsias em torno do aparecimento da coluna social como prática jornalística. Para muitos pesquisadores, o gênero ganhou destaque nos Estados Unidos da América, em 1840, por iniciativa do jornal New York Herald Tribune. Todavia, alguns estudos apontaram para diversas outras possibilidades de aparecimento do colunismo social.

Mário Erbolato, no seu livro JORNALISMO ESPECIALIZADO: EMISSÃO DE TEXTOS NO JORNALISMO IMPRESSO, revela que segundo o jornalista Paulo Francis, o inventor do mais popular gênero do jornalismo moderno, a coluna de mexerico, foi Tom Driberg, falecido em 1976, na Inglaterra, aos 71 anos de idade e ex-deputado socialista. Jovem esquerdista, diplomado em Oxford e frequentador da melhor sociedade londrina, Driberg aceitou fazer uma coluna para o Daily Express, jornal conservador, carro-chefe do império jornalístico de Lord Beaverbrook. Assim, com o pseudônimo de William Hichey, sua coluna obteve sucesso. Driberg, dizia Paulo Francis textualmente, “é o pai (e mãe) do que agora chamam solenemente de coluna social” (p. 38).

De acordo com o mesmo Erbolato, vários pesquisadores revelaram que “a partir da década de 50 surgiu o colunismo social que ocupa atualmente uma ou duas páginas diárias do jornal” (p. 37). Contudo, há diversos registros dando conta não só da existência das atividades dessa prática jornalística no Rio de Janeiro e em outras regiões do país nos primeiros anos do século XX, como também revelando o caráter elitista desse campo especializado da imprensa: “o jornal ou revista era escrito em português, mas a crônica social em francês” – conforme revelado por José Mauro no seu livro CAFÉ SOCIETY CONFIDENCIAL.

Esse tipo de coluna gravitava em torno de figuras importantes de uma dada comunidade, as personalidades de maior destaque, as mais famosas, revelando confidências, desvelando a privacidade, elogiando, sempre com notas curtas, com muita brevidade. A pretexto de estar informando, emitia juízos de valor.

O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre também se dedicou a analisar o fenômeno da coluna social, em artigo publicado no jornal FOLHA DE SÃO PAULO, em setembro de 1978. No dizer de Freyre, a coluna social acariciava a vaidade de cada um dos citados pelos colunistas.

José Marques de Melo, no mesmo livro que este trabalho já citou, atribuiu o sucesso do gênero, dentre outras razões, ao fato de oferecer aos leitores a “sensação de participar desse mundo através dos colunistas. Trata-se de uma forma de participação artificial, abstrata. Participam sem fazer parte. Acompanham à distância” (p. 144).

Por outro lado, ao expor pessoas do mundo das artes, da vida econômica, da política, o colunismo social terminava oferecendo às pessoas comuns padrões de comportamento a serem adotados, estimulando o modismo, incrementando os níveis de consumo e enchendo de esperanças aqueles que buscavam ascender a todo custo.

Em outras palavras, a coluna social sempre alimentou a vida glamourosa que Edgar Morin designou como olimpismo moderno, expondo publicamente cantores, atores, escritores, desportistas, políticos e os homens de bens, todos alçados ao estrelato. Segundo Carlos Castilho, no artigo “Jornalismo de Grife”, publicado no site do Instituto Gutenberg em 1977, as pessoas tomavam conhecimento de um fato ou processo através das manchetes impessoais, mas passavam a dar mais relevância a um tema depois que ele era tratado em colunas assinadas. Isto valia para quase todas as editorias e seções de um jornal. Era uma tendência irreversível também nas rádios e emissoras de TV, sem falar nas revistas semanais ou especializadas.

Em Aracaju, nas décadas de 70 e 80 do século XX, jornais como a Gazeta de Sergipe e o Jornal da Cidade transformaram o jornalismo dos colunistas em estratégia de marketing. Os carros de luxo, as roupas de grife, as bebidas finas, a ostentação de riqueza nas grandes recepções, as festas em boates eram padrões de vida celebrados por colunistas, que legitimavam o pertencimento de alguém ao fechado grupo do chamado higih society.

O colunismo social presente na imprensa de Sergipe desde o século XIX e que se intensificou no período do pós-guerra do século XX seguiu um padrão brasileiro e internacional que permitia aos colunistas abusarem das colunas. Analisando o colunismo social, o Boletim de número 21 do Instituto Gutenberg, publicado em 1988, afirma que a maioria dos textos das colunas sociais padeceu “de excesso de opinião, prejulgamentos, imprecisão - articulados em textos longos ou notas curtas de brilhareco narcisista, baseado no ouvir-dizer, na sacação, na notícia incompleta”.

Ao colunista não era suficiente apenas dar informação, ele optava cada vez mais por opinar, elogiar, criticar. Com o advento do colunismo social, os leitores de jornais e revistas passaram a conviver com a ideia de que era muito importante para a sociedade saber quem foi a qual festa, quem se hospedou em qual hotel, quem adoeceu, quem ficou curado, quem contratou qual arquiteto para embelezar a sua mansão, quantos pares de sapatos possuía uma socialite, quem namorava quem. Em certa medida, os leitores foram transformados em uma legião de curiosos, ávidos por futilidades a respeito da vida dos ricos.

José Marques de Melo remete ao entendimento de Anamaria Kovacs para afirmar que o colunismo social cumpria duas funções: dava destaque ao que ela classificou como personagens-paradigmas ao tempo em que promovia o consumo e o lazer. Ao assim proceder, a coluna despertava a atenção não apenas dos que eram notícia, mas também, e principalmente, dos que gostariam de ser notícia (p. 145).

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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