Orlando Dantas
Jorge Carvalho do Nascimento*
Um qualificado texto do querido amigo Paulo
Roberto Dantas Brandão lembrou, na data de hoje, 28 de setembro de 2020, o
centésimo vigésimo aniversário de nascimento do seu avô, o jornalista Orlando
Dantas. Com toda certeza, Orlando Dantas merece dos sergipanos todas as
homenagens.
O maior e mais importante jornalista de toda
a História de Sergipe, Orlando Dantas foi, como afirma Paulo Brandão, uma
figura que se diferenciou e inovou ao longo de toda a sua vida. Afinal, o filho
de uma conservadora família de senhores de engenho teve a ousadia de romper com
as tradições e construir trilhas distantes das tradições da VIDA PATRIARCAL EM
SERGIPE – título que deu a um dos mais importantes dentre os muitos livros que escreveu
e publicou.
Ninguém
seria capaz de imaginar que o intrépido herdeiro, neto do Comendador Francisco
Correia Dantas (um dos homens de maior riqueza em Sergipe, no século XIX) e
filho de Manoel Dantas, ex-Presidente do Estado deposto pelo golpe de Getúlio
Vargas, seria um jornalista combativo, empreendedor ousado, político fundador
do Partido Socialista, pelo qual foi deputado constituinte estadual e deputado
federal.
Orlando Dantas surpreendeu a todos ao fundar em
Aracaju um jornal denominado Gazeta Socialista, o mesmo que mais tarde se
transformou em Gazeta de Sergipe e foi o veículo mais importante de toda a
história da mídia impressa sergipana, formando a opinião dos sergipanos desde a
década de 40 até o final do século XX.
Tive a satisfação de conhecer Orlando Dantas
e de trabalhar no jornal dele, primeiro como revisor, depois na condição de repórter
e, por fim, redator, no início da minha vida profissional. Com ele aprendi
muito. Muitas lições que ficaram para sempre. Homem doce, capaz de afagar o ego
dos seus convivas com palavras de estímulo, mas, ao mesmo tempo, era de um mau
humor sem limites, quando entendia necessário bronquear com alguém.
Porém, faço-lhe justiça: era o mau humor mais
erudito que conheci ao longo da vida. Certa feita, eu estava com 19 anos de
idade, era repórter da Gazeta e Orlando Dantas foi fazer uma conferência no
auditório do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Fui designado por
Luiz Antônio Barreto para a cobertura jornalística, a reportagem do concorrido
evento.
Além de cobrir a conferência, recebi uma
tarefa adicional: gravar e transcrever a fala do conferencista e depois
entregar o texto transcrito a Orlando Dantas, que pretendia publica-lo na
íntegra, como de fato o fez posteriormente. Dois dias depois, fui ao gabinete
de Seo Orlando (assim o tratávamos) e fiz a entrega da encomenda.
No terceiro dia, Luiz Antônio, o editor da
Gazeta de Sergipe, me olhou logo cedo e com voz grave disse: vamos comigo
conversar com Seo Orlando. Fiquei preocupado. Aquele era um convite pouco usual
e quem o recebia se dirigia à sala de trabalho do ilustrado jornalista sempre
muito tenso, sem saber o que aconteceria. Poderia acontecer tudo ou
absolutamente nada.
Entramos na sala. Lá estava Orlando Dantas
com o seu habitual terno branco. Levantou-se, me olhou firme nos olhos, e
perguntou, em tom de reprimenda: “você sabia que um bom jornalista precisa
estudar todo dia?” Eu fiquei sem resposta. Baixei a cabeça e fiquei olhando
firme para os próprios pés. Dei o silêncio como resposta.
Orlando voltou a falar. “Luiz Antônio: compre
um livro de Ricardo para este menino ler. Eu pago. Dê 15 dias e sente com ele
para ver se o livro foi lido mesmo”. Saímos da sala. Meu ego estava ao rés do
chão. Fora chamado de ignorante pelo chefe maior. Porém, ainda não havia
compreendido o imbróglio por completo.
Luiz foi a luz que me esclareceu. Durante a
conferência no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, falando a uma
plateia de empresários e importantes professores universitários, enfim, a elite
intelectual e operacional da economia sergipana, Orlando Dantas afirmara: “Adam
Smith e o economista Ricardo...” Ao fazer a transcrição do texto, a minha
ignorância registrou: “Adam Smith, o economista irritado...”
Ao tomar conhecimento do equívoco cometido, pensei: eu poderia ter
sofrido uma demissão, uma rescisão contratual. Ler um livro é moleza. Até que a
minha pena foi leve. Comecei a mudar de opinião ao colocar os olhos sobre as
primeiras páginas de PRINCÍPIOS DE ECONOMIA POLÍTICA E TRIBUTAÇÃO, de David
Ricardo.
O economista e político britânico David
Ricardo foi um dos nomes mais importantes dentre os intelectuais que se
dedicaram a pensar a Economia clássica como ciência, na transição do século
XVIII para o século XIX. Foi um dos quatro
grandes, ao lado de Thomas Malthus, Adam Smith e James Mill.
Definitivamente, aos 19 anos de idade, eu não
possuía a necessária formação anterior para empreender aquela jornada. Fui com
a cara, a coragem e o medo de ficar desempregado. Foi muito penoso. Naquele
momento, compreendi muito pouco do que Ricardo escreveu. Mas, agora entendo a
importância de haver me iniciado naquela leitura e até hoje sou grato a Orlando
Dantas pelo estímulo permanente ao trabalho intelectual que sempre recebi dele.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
Comentários
Postar um comentário