Jorge
Carvalho do Nascimento*
A força que a
coluna social ganhou durante a segunda metade do século XX fez com que se
refletisse acerca daquilo que os jornalistas deveriam comentar em conversas
informais - pautas, informes, suposições -, mas nunca transformar em papel e
tinta. Uma simples nota em uma coluna social poderia destruir em um único dia
uma reputação que custou anos de trabalho para ser construída.
Alguns jornalistas,
como o mais famoso colunista social da TV brasileira, Amaury Junior, costumavam
dizer que não publicavam fofocas que pudessem prejudicar as pessoas. Para ele,
existiam diferentes tipos de fofoca. Em primeiro lugar estava a futrica do bem,
aquela que as celebridades não apenas adoravam, como estimulavam, posando para
fotos ou até ligando para avisar as redações. Era o tipo revista Caras, para
mostrar o esplendor da vida. Do outro lado, existia o mexerico do mal: “Eu não
dou notícias que possam desmontar uma pessoa. Se eu abrir a minha boca de
verdade, posso arrumar minha mala e pegar um avião. Acho que o colunista
sobrevive na medida em que ele não fecha as portas das suas fontes”.
O
velho estilo do colunismo social ganhou um novo alento no final do século XX
com a entrada em circulação da revista Caras. O periódico buscou agradar
leitores que sempre foram consumidores de coluna social.
Assim,
continuou a adotar uma linha editorial própria ao gênero, com o diferencial de
estabelecer a imagem como prioridade das suas publicações, reduzindo a mínimo
possível os textos que acompanhavam as imagens publicadas. O estilo Caras
seduziu o público e estimulou o aparecimento de outras publicações que surgiram
com o mesmo padrão editorial, como as revistas Ti Ti Ti e Flash.
Aquelas
publicações serviam para manter o público informado acerca da nova namorada do
ator que fazia sucesso na novela da TV ou dos ciúmes que celebridades como a jornalista
Marília Gabriela sentia do seu jovem namorado, o ator Gianechini.
Uma
análise feita pelo jornalista Élio Gáspari a respeito daquilo que os
jornalistas publicam foi citada em texto publicado pelo site do Instituto Gutenberg
em 1978, verificando o problema da coluna social.
Na
sua análise, Gáspari faz referência ao jornalista Abbott Joseph Liebling
(1904-1963), repórter da revista americana New Yorker. A partir dos estudos
realizados por ele, Gáspari demonstra que existem três categorias de
jornalistas: "1) o repórter, que
escreve o que viu; 2) o repórter
interpretativo, que escreve o que viu e o que ele acha que isso significa; 3) o especialista, que escreve a respeito do
significado daquilo que não viu".
Não
obstante, alguns estudos dizem da existência de um quarto tipo de jornalista:
aquele que assina o que não escreve. Era o caso de Marceu Vieira, demitido pelo
Jornal do Brasil quando se soube que ele raptara para a sua coluna trechos de artigos
de Carlos Heitor Cony, publicados originalmente pelo jornal Folha de São Paulo.
Segundo
a ombudsman da Folha de São Paulo à época do episódio, a jornalista Renata Lo
Prete, “Alertado por Cony, o diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho,
pediu providências ao JB”. Vieira foi demitido. Mas esboçou uma defesa
patética: disse que desconhecia o plágio, pois recebera os textos de um
colaborador da coluna, Drault Ernanny Filho, para publicar como se fossem de
sua lavra.
A
explicação de Drault Ernany Filho expôs um mal submerso de muitos colunistas:
notas inteiras escritas por fontes e colegas são adotadas pelo titular da
coluna. O mesmo texto do Instituto Gutenberg já citado reproduz uma frase do
jornalista Ancelmo Gois acerca da questão: “Eu sou o maior testa-de-ferro da
imprensa brasileira”.
Profissional
consciente e bem humorado, Ancelmo foi extremamente cuidadoso quando era
responsável pela coluna Informe JB, no final dos anos 80 do século XX. A
assinatura da coluna era Ancelmo Gois e colaboradores, para indicar que recebia
colaborações de jornalistas das sucursais do JB.
Posições
como a de Ancelmo Gois indicavam uma tendência marcante no último quartel do
século XX, não apenas no colunismo social, mas também na maior parte das
colunas especializadas publicadas pelos jornais. O jornalista titular da coluna
passou a receber o apoio de uma equipe, uma vez que com o aumento do espaço
ocupado, seria impossível ao colunista comparecer a todas as reuniões, bailes,
jantares, festas e eventos aos quais deveria dar cobertura.
O
colunista emprestava o seu nome assinando a coluna e sendo por ela responsável.
Todavia, uma equipe de repórteres e redatores o auxiliava no trabalho. Em
Sergipe, esse tipo de prática muitas vezes foi adotado pelo caderno Thais
Bezerra de forma transparente. A jornalista sempre deixou claro que era responsável
pela coluna e que contava com uma equipe de trabalho sob a sua coordenação para
produzir o caderno.
A
prática do colunismo social em Sergipe, nas duas últimas décadas do século XX,
incorporou boas práticas, como a de deixar claro que o trabalho do colunista
era realizado em equipe. Também renunciou parcialmente a ser um espaço exclusivo
de exposição do glamour do mundo dos ricos e bem nascidos.
Todavia,
incorporou um outro tipo de prática que se difundiu pelas colunas sociais do
mundo inteiro, em face da importância que ganhou internacionalmente a imprensa
sensacionalista inglesa e de outras regiões da Europa Ocidental, aquela dos
tabloides e dos seus paparazzi especializados em invadir a vida privada das
personalidades.
Naquele
período cresceu em Sergipe um tipo de informação que frequentava a coluna
social desde o início da publicação do gênero. Foi perceptível o aumento da
quantidade de informações sobre rumorosos casos de separações entre casais,
romances clandestinos, infidelidades conjugais e outros problemas desta
natureza, num estilo jornalístico em tudo idêntico ao dos paparazzi europeus.
Estilo
idêntico ao da mesma imprensa que foi acusada de ser responsável pelo acidente
que resultou na morte da princesa Diana, em um túnel de Paris, quando era
perseguida durante a madrugada por um batalhão de repórteres e fotógrafos. O
acidente, em certa medida, indignou o mundo em face da rapinagem dos paparazzi.
Muitos jornais abriram espaço para um debate a respeito de invasão de
privacidade.
O interesse
jornalístico sempre foi irmão siamês do sensacional, do inusitado, do diferente
- sobretudo quando isso ocorre na vida de pessoas famosas. O público devora
escândalos, intimidades e reputações. Essas mercadorias não se regem, porém,
pela lei da oferta e da procura.
Como no tráfico de
drogas, também no jornalismo a procura nunca deu legitimidade à oferta. Lição
que alguns manuais de redação já assimilaram distingue o que é de Deus do que é
de César: Notícia de interesse público não se confunde com notícia de interesse
do público.
No seu número 19,
de 1997, o Boletim do Instituto Gutenberg publica um texto no qual discute o
direito que tem o público de ser informado sobre quase tudo. Mandato que a
sociedade dá à imprensa: agir em nome dele e até importunar pessoas (sobretudo
autoridades) para informar o público. A diferença é que a curiosidade do
público, às vezes mórbida e sórdida, não tem limites, mas a imprensa deve ter.
Nenhum colunista
concordaria que estivesse nivelado com os paparazzi. A imagem que cada um sempre
fez do próprio trabalho remeteu a modelos de profissionais sérios, uma espécie
de “eleitos de Deus” da informação que sempre exerceram o jornalismo e cultivaram
a liberdade de imprensa.
Todavia, em certa
medida, os próprios colunistas terminaram tão expostos quanto expostas foram as
pessoas sobre as quais eles noticiaram. Manter a coluna como um espaço
importante requeria que o colunista estivesse disposto às exigências da
visibilidade pública, utilizando informação privilegiada como ferramenta de
valorização da assinatura.
Um texto assinado
por Carlos Castilho no Boletim 14 do Instituto Gutenberg, em 1997, revela que a
partir do final do século XX a identidade do transmissor da informação já era
quase tão importante quanto a informação em si mesma. Os puristas diriam ser
uma distorção do processo de comunicação. Afirmariam que a embalagem passou a
ser tão ou mais importante que o conteúdo e que os jornais, revistas, rádios e
TVs se transformaram numa colagem de grifes, ou numa vitrine de assinaturas.
Muitos colunistas
buscaram esse caminho profissional, compreendendo que a informação jornalística
com grife, ou seja, com assinatura, tinha mais impacto do que a notícia pura e
simples, transmitida sem o patrocínio de um nome famoso.
Várias
pesquisas revelaram que os colunistas eram muito mais lidos que os editoriais
Muitos colunistas, contudo, necessitaram percorrer um longo caminho até se
tornarem uma grife acreditada. Alguns deles nasceram em famílias estabilizadas
economicamente e desde a adolescência aprenderam a frequentar festas e a
conviver com os padrões de etiqueta exigidos nos ambientes dos grupos sociais
da elite.
Outros,
contudo, viram no colunismo um caminho de ascensão a ser trilhado, em busca de
prestígio social, poder político e sobrevivência econômica em um ambiente no
qual tiveram que aprender regras de convivência, vencendo as barreiras impostas
pela pobreza original e foram obrigados a lutar muito até que fossem aceitos
pelos grupos que eram objeto do seu trabalho. Aprenderam a adotar atitudes
elegantes, a conhecer as normas de etiqueta e a se vestir bem.
*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
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