Jorge
Carvalho do Nascimento*
O
discurso a respeito da pobreza no Brasil ganhou uma importância muito grande
sob o Estado republicano. A oposição ao presidente Washington Luiz, no final do
período da chamada Primeira República, punha frequentemente em evidência a
falta de compromisso daquele governo com a política social e não cansava de
afirmar que o pensamento do governo brasileiro à época poderia ser sintetizado
no seu slogan: “governar é abrir estradas”.
Ou,
para alguns oponentes, na afirmação presidencial de que o problema social é uma
questão de polícia e não de política. Após a deposição do presidente Washington
Luiz, o governo de Getúlio Vargas buscou legitimar-se discursando em nome da
política social. Discursos desta natureza contagiaram a vida social brasileira
e consagraram o político Getúlio Vargas durante os quinze anos nos quais
exerceu o poder, além de legitima-lo como “pai dos pobres” ao consagra-lo como
presidente eleito no primeiro pleito disputado por este após o Estado Novo.
A
política presidencial ganhava expressão nos Estados, através das ações federais
comandadas pessoalmente pelo presidente Getúlio Vargas ou pela primeira dama,
Darcy Vargas, e se reproduzia pelo discurso dos tenentes que exerceram o cargo
de interventor. Em Sergipe, principalmente o interventor Augusto Maynard buscou
esse tipo de legitimação.
Maynard
se aproximou de diversos agrupamentos da sociedade civil que se preocupavam com
a questão social e procurou intervir, principalmente na política educacional,
produzindo a imagem do Estado provedor e preocupado com os seus filhos, como
fora o discurso de inauguração do Jardim de Infância que levou o seu nome.
Várias
ações de assistência à pobreza seriam anunciadas de modo espetaculoso, tanto
por Maynard como pelo outro Interventor que Sergipe teve durante esse período:
Eronildes Ferreira de Carvalho. Dentre tais ações é possível enumerar a
inauguração da Cidade de Menores, no município de Nossa Senhora do Socorro.
Esse
tipo de prática governamental contagiava a sociedade civil. Eram muitos os
grupos que se mobilizavam em torno do problema da solidariedade. Um dos temas
que mais atraía era a problemática educacional, vista à época como um dos
principais caminhos que conduzia à redenção social.
A
Sociedade Brício Cardoso, em defesa do estudante pobre, foi fundada no dia nove
de janeiro de 1937 pelos alunos do Atheneu Pedro II (hoje Centro de Excelência
Atheneu Sergipense) liderados por Lauro Fontes, José Barreto Fontes, Paulo
Silveira, Aloísio Dantas, Armando Rollemberg Leite, Astrogildo Silva, Abelardo
Horta, Menandro Faria, Gerson Pinto e Hernani Sobral.
A
solenidade de criação da entidade, num dos salões do Colégio, foi presidida
pelo estudante Lauro Fontes. Naquele momento, o Brasil vivia sob o governo
Getúlio Vargas que, seis anos antes depusera Washington Luiz da Presidência da
República e em novembro daquele mesmo ano iria inaugurar o período do chamado
Estado Novo.
O
propósito dos fundadores, conforme anunciado no preâmbulo dos seus Estatutos,
era o de “solucionar os graves problemas de Educação em nosso Estado”. Ela
tinha o caráter da preocupação com a vida da população mais pobre, que animava
o discurso assistencialista do período.
A
sociedade Brício Cardoso, além de homenagear um dos professores mais notórios
do Atheneu, pretendia assim “cooperar com o seu trabalho desinteressado e
espontâneo na luta intensa pela Alfabetização em Sergipe”. Brício Cardoso foi
um importante intelectual de Sergipe que nasceu e viveu sempre com muitas
dificuldades materiais, não obstante ter conseguido à época oferecer aos seus
filhos a adequada formação acadêmica e um deles, Maurício Graccho Cardoso,
transformar-se em presidente do Estado.
A
preocupação principal da Sociedade era, portanto, de caráter assistencialista,
voltando-se para atender os estudantes pobres, aos quais se dispunha a conceder
bolsas de estudos e oferecer orientação intelectual, “tornando-os homens de
bem, elementos úteis à sociedade e à pátria, obrigando-os a cumprirem honesta e
esforçadamente os seus deveres de bons estudantes e reconhecidos amigos da
instituição” (Estatutos, art. 1o.).
A
ajuda aos pobres a ser oferecida pela Sociedade Brício Cardoso
materializar-se-ia através da concessão de auxílios financeiros que
possibilitassem aos estudantes pobres os cuidados materiais para com a educação
e a saúde: livros, uniformes, assistência médica e farmacêutica, alimentação
(durante o período em que o estudante permanecesse enfermo), roupas, abrigos e
prêmios (aos alunos que mais se distinguiam nos estudos); e, seria
materializada também, através da assistência moral, da orientação e
fiscalização da vida do estudante.
O
principal requisito para que um estudante fosse beneficiado pela Sociedade é
que estivesse matriculado em instituições públicas de ensino. Para a concessão
do benefício não se faria distinção de sexo nem de idade. A Sociedade
destinava, deste modo, setenta por cento dos seus rendimentos para o seu
programa que patrocinava os estudantes pobres.
Rendimentos
que eram obtidos a partir da boa vontade dos sócios, que ajudavam, cada um
deles, com a importância mensal de um mil réis. Instituição que se perdeu nos
escaninhos da memória, a Sociedade Brício Cardoso foi um tipo de iniciativa que
teve muita importância e que não tem recebido da parte dos estudiosos da
História da Educação a atenção que merece.
*Jornalista,
professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e
presidente da Academia Sergipana de Educação.
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