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O PARQUE DA SEMENTEIRA E O ANTIGO TECARMO

                                              Capivaras - Antigo Tecarmo - Petrobrás

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

A cidade de Aracaju é já uma provecta senhora de 165 anos. Mas, ainda necessita resolver problemas que dizem respeito ao conjunto de relações sociais estabelecidas no espaço urbano da capital do Estado de Sergipe. Problemas anotados desde a metade dos anos 50 do século XIX, quando a cidade foi fundada por Inácio Barbosa para ser a capital da Província e que persistem até agora, quando ostenta a condição atual de metrópole conurbada.

Um espaço seletivo, no qual as diferentes áreas, cada um dos bairros possui equipamentos urbanos distintos, algumas regiões guardando práticas que nem sempre são condizentes com os hábitos sociais mais contemporâneos. Cada espaço com características próprias ao processo da sua expansão, com múltiplas variações de uso urbano nas relações entre as pessoas e o espaço gerando frequentes conflitos.

A cidade mantém uma relação de afeto com o Parque Augusto Franco, ou Parque da Sementeira, como é conhecido. O parque é o antigo Campo de Sementes de Aracaju, instalado pelo Ministério da Agricultura na década de 30 do século XX, quando os atuais bairros Praia 13 de Julho e Jardins ainda não estavam constituídos como espaço urbano e então apareciam nos registros sobre a cidade na condição de zona rural.

O campo foi implantado à margem esquerda do rio Poxim, a menos de 300 metros da confluência deste com o rio Sergipe, à época a seis quilômetros da cidade de Aracaju. A principal cultura do campo de Aracaju era a do coqueiro. Em 1939, informava um relatório do então ministro da agricultura, Fernando Costa, existiam 1.800 plantas com quatro anos de idade e 400 com dois anos.

O mesmo relatório indica que o número de cocos em sementeiras para a produção de mudas, destinadas à venda, excedia a quatro dezenas de milhar. O campo conduzia trabalhos de pesquisas e experimentos relativos ao coqueiro, tais como métodos de semeadura, escolha de sementes, estudo da planta produtora da semente, germinação, trato e porte das mudas para plantio, formação de coqueiral, moléstias e pragas, estudo de variedades e produção de sementes puras.

Além de tudo já exposto, no campo foram plantadas sementes de coqueiro anão, cujos frutos das primeiras árvores já estavam sendo colhidos. O entusiasmo com essa variedade era grande. Propagava-se a principal vantagem sobre o coqueiro comum: precocidade na produção. Para aperfeiçoa-la, o campo levava a efeito ensaios relativos à fecundação artificial dessas duas variedades com sinais indicativos de bom êxito.

Até o final da década de 60 do século XX, o Campo de Sementes de Aracaju permaneceu sob controle do Ministério da Agricultura. Na década de 70 passou ao domínio do governo municipal e foi transformado, pelo prefeito Heráclito Rollemberg, em Parque Governador Augusto Franco.

Nas décadas de 80 e 90 do século passado, os prefeitos Jackson Barreto, Wellington Paixão e João Augusto Gama fizeram ali importantes obras de urbanização. Manter espaços como o do antigo Campo de Sementes sob o domínio público foi importante para preservá-lo das lutas pelo uso do solo da cidade, um dos principais motos de conflitos urbanos.

São espaços importantes que dão visibilidade ao processo de formação da estrutura da cidade e da visão incorporada pelos indivíduos que assumem o poder, criando e recriando o espaço. Preservar um espaço público como o do Parque Governador Augusto Franco é criar condições ambientais determinantes do comportamento humano na cidade, contribuindo para o aprimoramento da qualidade de vida.

A existência próxima dos rios, das áreas litorâneas, dos espaços de preservação florestal é sempre saudável e um contraponto ao processo de implantação das rodovias, das condições de saneamento nem sempre adequadas, da distribuição de energia elétrica, também elementos motrizes de conflitos frequentes que têm o domínio do espaço urbano como foco.

Nesse processo desigual, o Parque da Sementeira é um importante elemento de regulação do uso do espaço. Esse tipo de equipamento integra-se a todo um contexto que produz a estrutura de serviços educacionais, ambientais, sanitários, de abastecimento, de lazer, de transporte, de controle social – elementos indispensáveis à produção e manutenção do bem-estar coletivo.

A cidade que Inácio Barbosa fundou, cresceu. E com ela os horizontes e utensilagens mentais dos seus habitantes, das pessoas, enfim, a criação humana na cidade. Neste momento, Barbosópolis vive outro dilema, depois que a Petrobrás desativou suas atividades na capital do Estado de Sergipe.

O recente anúncio, feito pela Petrobrás da intenção, de vender a imensa área de terra onde funcionou o antigo Tecarmo mobilizou algumas lideranças políticas de Aracaju, em face dos problemas ambientes. O médico Antônio Samarone defendeu a aquisição da área pelo poder público e a sua transformação em espaço de preservação ambiental. O advogado João Fontes seguiu na mesma linha e defendeu a mobilização da sociedade em torno de tal problema.

A área em questão é predominantemente ocupada por uma densa mata de restinga sobre as dunas de areia. Nos baixios, pântanos, lagoas e córregos do velho Tecarmo há uma significativa população da fauna nativa de jacarés, capivaras, iguanas, teiús, corujas buraqueiras, gaviões e outras espécies que   foram afugentadas de outros lugares da chamada Zona de Expansão, à medida que os aterros fizeram sumir as águas, derrubaram as matas e destruíram as dunas. Tudo deu lugar a condomínios fechados de casas que atualmente são marcantes na zona de expansão de Aracaju.

O que acontecerá com a área do antigo Tecarmo?

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
 

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