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A MORTE DO PROFESSOR VII


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Em 14 de novembro de 1984, 127 dias após o episódio, Heloísa confessou haver praticado o crime em depoimento ao delegado Itamar Thiago, da Delegacia de Homicídios. Àquela altura ela fora já transferida da Clínica Santa Genoveva para a Clínica Pinel, com diagnóstico de Esquizofrenia.

Uma semana antes da confissão, ela escrevera uma carta ao delegado, assumindo a autoria das mortes. Ao confessar o crime, Heloísa atribuiu as duas mortes a uma punição espiritual que forças incontroláveis impuseram ao engenheiro e sua filha, “em função de uma felicidade que eles possuíam e que não compartilhavam com aqueles mais próximos com quem conviviam.

Felicidade, pelo contrário, que realçava o contraste da infelicidade daqueles que os rodeavam”. Para ela, tal infelicidade derivava do caráter autoritário do engenheiro, principalmente após a morte da sua mãe, que considerava o ponto de equilíbrio emocional da família. “Durante o período de vida da mamãe, a casa era toda alegria, pois ela transmitia a todos muito carinho e afeto, o que não acontecia com papai, sempre muito seco”.

A autora do crime confessou também que a sua irmã Mafalda era uma vitoriosa, bem casada, a quem foi dado o privilégio de ter sete filhos. Eram – ela e papai – os vitoriosos da família: ela pela família que possuía, ele pela longevidade, a quem foi dado o direito de viver mais que minha mãe, uma mulher belíssima, inteligente e carinhosa.

Heloísa foi denunciada pelo promotor Francisco Rogério Del Corsi Campos sete meses após o crime, no dia oito de fevereiro de 1985. Ela não aceitava o seu pai e o quisera morto em lugar da sua mãe. Isto a levou a assumir a ideia de que todos os seus insucessos eram causados por ele e pela sua irmã, adotando o juízo de que para eles eram dirigidos todos os bons acontecimentos que a sua família tinha a receber do Criador e, para que lhe sobrasse alguma felicidade os dois não poderiam continuar vivendo. Assim, ela planejou mata-los.

Heloísa exibiu ao Promotor uma coleção de exemplares da revista Time, nas quais, supostamente, estavam inscritas mensagens cifradas a respeito da sua morte. Destes equipamentos recebeu a informação do plano que supunha estar em elaboração por Archimedes e Mafalda para eliminá-la e da necessidade de matá-los em legítima defesa. Contou que Alfredo, um seu amigo, a conduziu até a avenida Nossa Senhora de Fátima, no Centro Espírita Marlete, dirigido por uma vidente do mesmo nome que passou a recebê-la em consultas frequentes.

Descrita como portadora de um temperamento possessivo, Heloísa era impaciente com os programas de televisão e tinha como um dos seus principais passatempos a leitura dos romances policiais escritos pela inglesa Agatha Christie. Algumas vezes confessava que Jack, o Estripador, a perseguia e que alguns maus espíritos faziam uso dela.

Além disto, Luluca reiterava que na música popular brasileira era possível ler os sinais que anunciavam a sua morte iminente. Explicava, exemplificando com o nome da cantora Gal Costa, segundo ela prima do professor Archimedes: “os netos da minha avó materna que morreram foram GIANETO, ANTONIETA E LUCIANO”, acrescentando que o Costa era expressão do ocultismo relacionado com essas mortes. Segundo ela, também as músicas do cantor Chico Buarque de Holanda continham mensagens reveladoras da sua morte.

Antes de confessar, por diversas vezes ela negou ter sido a autora do crime. A primeira, no momento em que telefonou para Iolanda, a sua irmã, afirmando a versão do assalto ao casarão. Iolanda, de imediato, indagou: “Foi você, Luluca?” Depois, quando Iolanda e Dauro chegaram ao casarão e novamente a mulher do médico a interpelou. Em seguida, após a chegada do delegado à cena do crime.

Heloísa foi interrogada no inquérito policial pela primeira vez no dia 13 de julho de 1984, seis dias após o crime, numa sala reservada do Hospital Santa Clara, assistida pelo seu médico, Hélio Durães de Alckmin, quando voltou a negar a autoria do crime. Naquela oportunidade detalhou os momentos que antecederam as mortes do pai e da irmã, informando que ainda no dia seis, sexta-feira, fora comunicada por Archimedes da sua viagem à Bahia, mas à noite dormiu tranquilamente, por saber que o genitor estava ali para protegê-la, como sempre.

A manhã de sábado começou muito nervosa para ela em face da perspectiva da viagem do engenheiro e essa inquietação acentuou-se mais quando, ao sair do seu quarto às sete horas e 30 minutos, percebeu que o pai já havia deixado ao lado do telefone a importância de 65 mil cruzeiros, para as despesas da semana.

Todo esse discurso dava suporte à sua versão de que Mafalda chegara à sua casa, lhe fizera a entrega das chaves do carro e pedira que ela levasse a filha de Priscila ao seu apartamento. Na volta, Luluca teria encontrado o pai e a irmã mortos, fazendo então a comunicação a Iolanda.

Todavia, o seu depoimento apresentou muitas contradições que despertaram a atenção da autoridade policial. Ela não soubera precisar desde quando havia se livrado do revólver Rossi calibre 22. Usou a arma em um teste quando ainda vivia em Itajubá, em um concurso que fizera para Delegada. Não lembrava se fizera os disparos recentes contra a porta do banheiro da empregada.

No depoimento que deu ao confessar o crime, Heloisa afirmou que as pessoas assassinadas com tiros nas costas recebem a misericórdia de quem atira, por abreviar-lhes o sofrimento. Por último, afirmou que o pai e a irmã foram mortos por espíritos que os puniram em função da felicidade que eles possuíam e não podia ser transferida para os que os rodeavam, mas pelo contrário realçava a infelicidade destes.


*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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