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PESQUISANDO O ENSINO AGRÍCOLA


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

O Ensino Agrícola do campus do Instituto Federal de Sergipe, em São Cristóvão, vem funcionando desde o ano de 1924 e já foi objeto de vários estudos por parte dos pesquisadores que se dedicam a investigar a História da Educação em Sergipe. De um modo geral, vem crescendo o número de estudos de História da Educação no Brasil que investigam o ensino agrícola.

Todavia, diante da abundância das fontes para esse tipo de estudo, ainda há muito por fazer. São inúmeros os relatórios de ministros do Império e da República, presidentes de Províncias e dos Estados, relatos de diretores da Instrução Pública e inspetores do ensino, jornais, relatórios de dirigentes de escolas agrícolas, leis, decretos, regulamentos, relatos de dirigentes da política agrícola e processos judiciais.

Tais fontes revelam muito dos atores da vida escolar e as contradições entre o discurso político e intelectual sobre o tema da educação, bem como a respeito das ações efetivamente implementadas na escola. Essa documentação pode ser apanhada em acervos como os da Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacional; os arquivos dos ministérios da Agricultura e da Educação; os arquivos da antiga Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão (agora, campus São Cristóvão do Instituto Federal de Sergipe); os arquivos da Escola São José, em Maruim; o Arquivo Público do Estado de Sergipe; a Biblioteca Pública Epifânio Dórea; o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe; e, o acervo do Instituto Tobias Barreto de Educação e Cultura (depositado na Biblioteca Jacinto Uchoa de Mendonça, da Universidade Tiradentes).

Predominantemente os estudos sobre o ensino agrícola adotam duas vertentes explicativas: a primeira remete para a necessidade da formação de mão-de-obra dos trabalhadores rurais, enquanto a segunda aborda a questão da delinquência infantil. A delinquência estava associada ao problema da vadiagem, considerando vadios os menores vistos pela polícia como refratários à instrução e ao trabalho.

O entendimento mais aceito é o de que o ensino agrícola no Brasil apresentou dois modelos: o escolar e o correcional. O primeiro estaria voltado para o ensino profissional, enquanto o segundo buscava regenerar, por meio da vida no campo, com ênfase nos aspectos disciplinares.

Todavia, é necessário alargar a perspectiva de interpretação da assistência à infância e adolescência pobres, tomando contribuições presentes em trabalhos que se dedicam a analisar temáticas como as dos negros, das mulheres, dos prisioneiros etc. Contudo, o maior problema e que requer grande atenção nesse debate diz respeito ao conjunto de representações sobre a história do Brasil, disseminado a partir do movimento republicano.

Dentre as ideias difundidas está presente uma quase consensual certeza de que a política social brasileira é obra exclusiva do republicanismo, desfocando assim as discussões a respeito deste assunto. É evidente que o Estado republicano efetuou transformações no discurso a respeito do ensino agrícola, porém não se pode afirmar que tais preocupações e concepções eram novas na sociedade brasileira.

As alterações no discurso acerca do ensino agrícola durante a Primeira República, além da busca de legitimação política do regime são reveladoras do modo como as ciências agrárias, da mesma maneira que outros campos acadêmicos, buscaram legitimar-se sob a condição de serem conhecimentos científicos suficientes para a solução dos problemas produtivos da atividade agropecuária.

Dentre os estudos que têm sido publicados sobre o problema do ensino agrícola no Brasil, um dos mais importantes aponta cinco tendências explicativas das intervenções realizadas acerca da infância pobre durante a primeira metade do século XX. A primeira diz respeito a influência exercida pela Igreja Católica, através das ordens religiosas. A segunda, conforme ensina o pesquisador Milton Ramon Pires de Oliveira, em seu livro Formar Cidadãos Úteis, é referente a uma “divisão social do trabalho de assistência à parcela pobre da população acompanhado por uma nítida tendência a especialização” (p. 12). A terceira tendência dá conta da presença de saberes específicos que confluíram para o atendimento à pobreza. Uma quarta tendência diz respeito à transferência de responsabilidades privadas para a órbita estatal. Por último, uma quinta tendência dá conta de que “parte das propostas estava centrada no binômio trabalho e educação” (p. 13).

Este é, portanto, um convite para estudar a história do ensino agrícola. Examiná-la é descobrir um mundo desconhecido que se esconde no interior das instituições escolares.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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