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O JORNALISTA, O CABO E O PARLAMENTO

                                              Mussolini e Hitler

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

O que significa o controle do Poder Executivo sobre o Parlamento? É claro que o meu gosto por estudar História faz com que minha preocupação a respeito do tema remeta ao passado. Mesmo porque, ao que parece, nas sociedades democráticas contemporâneas fica muito difícil identificar algum Estado nacional no qual o chefe do Poder executivo seja capaz de convencer os membros do Parlamento a assumirem uma postura na qual alienem a sua autonomia e entreguem a chefia do Poder Legislativo a parlamentares que se transformem em capatazes da vontade do chefe do Executivo.

Seria inconcebível sob os padrões democráticos contemporâneos imaginar um Estado nacional independente no qual os parlamentares ficariam de cócoras diante do Poder Executivo em troca de nomeações de membros do Parlamento ou de pessoas por estes indicadas em cargos de ministro de Estado ou presidentes de autarquias e empresas estatais endinheiradas.

Também improvável que os parlamentares se encantassem por repentinas liberações de valores astronômicos que contemplassem emendas parlamentares por eles apresentadas objetivando a realização de obras e serviços nos Estados e municípios nos quais possuem bases eleitorais. E menos ainda que algum chefe de governo venha a se aproveitar disto para fazer com que o Parlamento lhe conceda poderes absolutos como governante.

Por tais razões é que tenho refletido sobre fatos que ocorreram em países europeus no início do século XX e que seriam impensáveis em democracias sólidas como são as sul americanas deste início de século XXI, nos quais perceptivelmente os poderes legislativo e executivo de cada Estado nacional são absolutamente independentes e harmônicos como devem ser, de acordo com os ensinamentos do Direito Constitucional.

Imagino como deve ter sido traumática a situação vivida pela Itália do início do século XX sob o comando do jornalista Benito Mussolini, Il Dulce, quando este chefiava o Poder Executivo e colocou de joelhos o Parlamento que passou a seguir a sua orientação e a cumprir um papel de coadjuvante das suas vontades.

Situação igualmente dolorida deve ter vivido a Alemanha, quando o cabo Adolf Hitler, parlamentar investido na chefia do governo conseguiu colocar de cócoras os parlamentares alemães e na prática se transformar em chefe de dois poderes, embora formalmente fosse apenas o titular do Poder Executivo.

Como Hitler, Mussolini também era militar. Era cabo. Nenhum dos dois acendeu muito na carreira militar e tiveram vida tumultuada e de pouca expressão no Exército. Ambos foram investidos na posição de comandante em chefe das forças armadas dos seus respectivos países e colocaram sob seu comando direto muitos oficiais superiores dos quais foram comandados anteriormente.

Mussolini chegou ao Parlamento italiano em 15 de maio de 1921, quando os fascistas conquistaram 35 cadeiras. No seu discurso de posse, em 21 de junho do mesmo ano ele revelou a sua posição como parlamentar de extrema direita e o programa a ser cumprido. Deixou claro que defendia uma posição ultranacionalista, um Estado forte, o convívio com organizações milicianas paramilitares, o direito de o cidadão comum andar armado, culto a figura do líder, expurgos dos adversários do governo, fortalecimento do Exército na gestão do Estado e combate ao comunismo.

O rei Vitor Manuel III nomeou Benito Mussolini para o cargo de primeiro ministro italiano, em 1922. Este usou a maioria parlamentar que conquistara para aprovar no Parlamento a concessão a si próprio de poderes absolutos no governo do país. Mussolini, como sabido, gozava de amplo apoio do Exército e das elites industriais e agrárias.

Ele costumava acusar de superconstitucionalismo qualquer argumentação política ou jurídica quer chamasse a atenção para o fato de que o modo como exercia o poder agredia a Constituição italiana. Assim, em novembro do mesmo ano, obteve da Câmara dos deputados plenos poderes nas áreas fiscal e administrativa para “restaurar a ordem”, como afirmava. No início de 1923 legalizou as suas milícias e as incorporou ao Estado, com a criação da Milícia Voluntária pela Segurança Nacional.

A sua política de pressão e ameaças sobre o parlamento foi paulatinamente aniquilando os seus opositores, como o sacerdote católico Luigi Sturzo, além de dividir o Partido Popular Italiano. As eleições de 1924 ocorreram num clima severo de violência e intimidação. A Lista Nacional ou Lista Eleitoral de Mussolini foi amplamente vitoriosa e os fascistas passaram a se apresentar como os únicos que legitimamente eram capazes de cultuar e representar a nação.

Os que se opunham ao fascismo, como o deputado Giacomo Matteotti que pediu a anulação das eleições foram acusados de traidores da pátria, socialistas e comunistas. Em 10 de junho de 1924, Matteotti foi sequestrado pelas milícias fascistas e assassinado por orientação de Mussolini.

Um ano depois, com o Parlamento completamente dominado, Mussolini aprovou uma lei, em 24 de dezembro de 1925, que transformou o seu cargo de presidente do Conselho de Ministros em chefe do governo.

O cabo Adolf Hitler começou a ascender em 1919, quando aderiu ao Partido Nacional Socialista – o Partido Nazista. A Alemanha estava vivendo um período de depressão que se aprofundou em face da assinatura do Tratado de Versalhes. A elite alemã não aceitou o governo democrático da República de Weimar e praguejava contra a política econômica, os benefícios sociais, o respeito a minorias e o que consideravam a ameaça dos socialistas e comunistas.

A elite alemã, os empresários e o clero assumiam posições claras de extrema direita e optavam pelo Partido Nazista. A partir de 1925, as manobras do presidente Paul von Hindenburg foram desmontando a estrutura do regime democrático da República de Weimar e adotando as características de um regime conservador-nacionalista, tal como pregava o Partido Nazista.

Nas eleições de 1932 os Nazistas conquistaram 230 cadeiras no Reichstag (o Parlamento alemão) e se transformaram no maior partido do país. Tudo isto viabilizou a nomeação de Adolf Hitler como chanceler da Alemanha, em 30 de janeiro de 1932. A partir daí, o cabo Adolf começou a organizar um regime autoritário.

Na noite de 27 de fevereiro de 1933 o edifício do Reichstag foi incendiado e, como sempre acontece, encontraram um responsável conveniente: o comunista holandês Marinus van der Lubbe foi acusado pelo ato. Imediatamente Hitler ordenou uma onda de prisões de anarquistas, socialistas e comunistas em toda a Alemanha. A maior parte dos presos foi mandada para o conhecido campo de concentração de Dachau.

O Partido Nazista eliminou toda a oposição, ao longo do primeiro semestre de 1933. Os partidos Social Democrata, Nacionalista, Popular e o Partido do Estado foram desmantelados. O Partido do Centro Católico se dissolveu no dia cinco de julho de 1933. Em 14 de julho de 1933 a Alemanha assumiu o status oficial de Estado com partido único, o Partido Nazista.

Importante anotar que em 24 de maio de 1933 o Parlamento já muito enfraquecido aprovou um Ato de Autorização pelo qual transmitiu ao Poder Executivo (leia-se Adolf Hitler) as funções legislativas. A partir daí, o Parlamento somente se reuniu quando Hitler desejou. Poucas vezes. Uma delas para aprovar a lei que aboliu a autonomia dos Estados da Alemanha e três leis antissemitas. Em 1934, com a morte de Hindenburg, Adolf Hitler fundiu os cargos de Chanceler e Presidente, assumindo o título de Führer.

O que se seguiu a essa história com a pactuação dos dois cabos (Mussolini e Hitler), todos conhecem. Os exemplos da Itália Fascista e da Alemanha Nazista mostram que de há muito não é necessário colocar tropas militares desfilando na rua para inaugurar ditaduras. Em vários Estados ditos civilizados essa prática tem sido recorrente.

Muitas ditaduras foram instaladas no século XX por delegação de parlamentos manipulados com benesses políticas e financeiras oferecidas a muitos parlamentares pelo chefe do Poder Executivo. Que seja correta a assertiva de Karl Marx. “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
 

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