Jorge
Carvalho do Nascimento*
O
jornalismo é um negócio? Há neutralidade na atividade dos jornalistas ou eles
são passionais? Estas são questões presentes no debate contemporâneo a respeito
do jornalismo que estimulam diferentes respostas e múltiplas reflexões. Este
texto reflete os posicionamentos do jornalista Ancelmo Gois acerca deste tema.
Entrevistado
pelo autor do presente texto, Ancelmo afirma entender atualmente que o
jornalismo tem lado. Porém, diz ser necessário acreditar na isenção como uma
utopia e apresenta um exemplo contundente. “Eu só acreditarei no jornal isento
no dia que o jornal Observatório Romano, do Vaticano, toda vez que falar em
Deus der também a opinião do Diabo, que é o outro lado”.
Certamente
esta possibilidade levantada pelo experiente homem de imprensa nunca vai
acontecer. Por tal razão, ele sustenta que a condição humana impossibilita a imparcialidade.
“Você tem dois filhos. Deve dar 50 por cento de afeto a um e 50 por cento de
afeto a outro. Não adianta. De vez em quando você está beijando mais a menina
que o menino”.
São
muitos os exemplos da parcialidade da mídia. Recentemente, ao acompanhar o
noticiário das eleições para presidente dos Estados Unidos da América em 2020,
todos perceberam na mídia norte-americana que cada jornal tinha um lado, tinha
o seu candidato. Quem observar a cobertura das grandes redes de televisão,
também perceberá o mesmo comportamento. As eleições transmitidas pela Fox eram
de um tipo, enquanto as transmissões da rede CNN apresentam outras eleições
distintas.
Segundo
Ancelmo Gois, o problema da posição que os jornalistas e os veículos de
comunicação adotam é a desonestidade. “Pouco importa se o jornal é petista,
desde que o repórter vá na rua e veja uma manifestação com 15 petistas e não
diga no dia seguinte que tinha 30. Se ele fizer isto, estará praticando uma
desonestidade factual”.
Interpretações
como esta indicam que cada vez mais o jornalismo tem se entusiasmado com o
adjetivo e cada vez menos com o substantivo. Isto é fato. Por tal razão, não há
problema que o jornal, o rádio, a TV, as plataformas da rede mundial de computadores
assumam posição. A desonestidade e a falta de ética na disseminação de
informações, contudo, são inadmissíveis.
Há
práticas com as quais é impossível concordar. É inaceitável a publicação de
notas ou informações cujas fontes não sejam confiáveis, quando estas podem
comprometer a reputação e a imagem pública das pessoas. Em situações assim, é necessário
que o noticiário e as análises que emitem opinião demonstrem muito equilíbrio e
segurança.
Ancelmo
Gois reafirma que o fundamental é esclarecer ao leitor que o jornal e o
jornalista optaram por um lado, possuem uma posição e esclarecer exatamente a
partir de qual perspectiva o veículo está falando. Ancelmo cita a imprensa
internacional para dar força a sua argumentação. “Antigamente se dizia o
seguinte: na Europa você chega em Paris, vai numa banca de jornal e vê lá Le Humanitée.
Você sabe que é o jornal dos comunistas. Pega outro jornal, é de direita.
Outro, é de centro esquerda”.
Padrões
como estes, que sempre foram comuns na imprensa europeia, atualmente estão se
transformando em coisas recorrentes na imprensa norte-americana. Nas eleições
de 2020 tudo ficou muito explicitado nos Estados Unidos da América. Era
tradição do New York Times manter neutralidade no noticiário e declarar o voto
no Editorial. Assim, vendia para o leitor a presunção de que os demais espaços
do periódico eram independentes.
O
jornalista Ancelmo Gois está convencido de que, na verdade, a mídia nunca foi
independente. “Eu tinha um amigo chamado José Silveira. Ele dizia que teve um
acidente na porta da casa dele. O Globo contou de uma maneira, o Jornal de
Brasil contou de outra e O Dia contou de outra maneira. O mesmo acidente que
ele viu. Você é humano, você tem o seu olhar”.
O
jornalismo é um negócio? Na verdade, o jornalismo é uma atividade humana que,
como todas as outras, contém conflitos de interesses. A medicina é um negócio?
É e não é. A engenharia é um negócio? É e não é. Do mesmo modo que a medicina,
a engenharia, a advocacia, o jornalismo é um negócio e não é um negócio.
Segundo
Ancelmo Gois, o problema da imprensa brasileira não é ser negócio ou deixar de ser
negócio. “Se você pegar um carro e parar na primeira cidade que aparecer, se
tiver um site lá, ele é do prefeito ou do ex-prefeito. Evidentemente, o
financiamento público dessa maneira que é praticado é inadmissível”.
Por
fim, Ancelmo esclarece didaticamente este seu exemplo: “Se você for ao Nordeste
do Brasil, o maior empresário de comunicação da Bahia é a família herdeira do
senador Antônio Carlos Magalhães. Se você for a Sergipe, é a família do ex-governador
Albano Franco. O maior empresário de comunicação de Alagoas, é a família
Collor. O maior empresário de comunicação do Rio Grade do Norte é a família de
Aloísio Alves. O maior empresário de comunicação do Maranhão é a família Sarney”.
*Jornalista,
professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e
presidente da Academia Sergipana de Educação.
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