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A CRIMINALIDADE E A NATUREZA HUMANA


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

O escritor e médico psiquiatra Francisco Baptista Neto é sergipano nascido em Aracaju. Construiu sua vida como profissional da saúde bem sucedido na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, mas ainda mantém um estreito círculo de amigos na capital de Sergipe, com o qual se comunica permanentemente.

Chiquito Baptista, como é tratado por sergipanos a exemplo de Luiz Daniel Baronto, Carlos Pinna, Joseluce Prudente e outros íntimos é autor de 10 livros de sucesso, alguns em segunda edição, discutindo os problemas do comportamento humano, a partir da sua perspectiva de psiquiatra.

Dele, acabei de ler a segunda edição de SOMOS TODOS CRIMINOSOS E DESONESTOS? UM ESTUDO SOBRE A DELINQUÊNCIA, publicado pela Editora Insular numa brochura de 212 páginas, com a quarta capa assinada pela jornalista Deborah Almada, presidente da Associação Catarinense de Imprensa.

A apresentação tem como autor o médico psicanalista Luiz Carlos Osório. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, doutor em Direito e professor do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal daquele Estado assinou o Prefácio desta nova edição. Revisto e ampliado, o texto do trabalho recebeu acréscimos e aprimoramentos, quando comparado ao da primeira edição.

Em oito capítulos, Francisco Baptista Neto discute a formação do indivíduo, a honestidade, a criminalidade, os comportamentos antissociais, a psicopatia/sociopatia, as origens do comportamento criminoso, o transtorno antissocial e a terapêutica comunitária com adolescentes.

Sustenta que a corrupção e violência são recorrentes na História, nem mais nem menos que nos dias atuais. Demonstra que as guerras institucionalizaram a violência e aperfeiçoaram os instrumentos destinados a liquidar o inimigo, ampliando o espectro de destruição que estes podem causar. Trata a corrupção como a forma sofisticada de subtrair bens alheios com o auxílio das ferramentas tecnológicas contemporâneas.

Como afirma o autor da apresentação, Luiz Carlos Osório, “é possível que a maior contribuição do livro seja a denúncia do maniqueísmo fanatizante subjacente à polarização que temos assistido no cenário atual da política brasileira. Quando alguém acha que a razão e o bem estão do seu lado e a ignorância e o mal do lado oposto, negando que também estão nas suas entranhas, temos o terreno propício para o desencadear dos conflitos capazes de exterminar a humanidade se levados a seu clímax” (p. 13).

A nova edição do livro de Chiquito Baptista foi publicada 15 anos depois da primeira. Nesta, de modo mais contundente, o autor insiste na tese de que é necessário aceitar nossas limitações sem fazer com que o ser humano se submeta a um comportamento que seja classificado como não danoso ao outro.

Examinando tal questão, o desembargador Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, autor do Prefácio, ensina que concordar com isso “é um passo definitivo para que abandonemos o campo do puro idealismo (típico daqueles que lidam com normas de comportamento) e nos coloquemos diretamente em contato com nossas limitações quando se trata de lidar com a natural subjetividade do ser humano” (p. 17).

É muito boa a reflexão sugerida por Francisco Baptista a respeito da suposta bondade inata própria às culturas cristãs que assumem a fé na natureza humana e a convicção de que as pessoas quando nascem são, por natureza, boas. Na defesa do seu ponto de vista, lança mão das ideias de estudiosos como Sigmund Freud que acreditam que os homens nascem com instintos primitivos, potencialmente maus.

O autor nos envia a pensar a atual crise causada pela pandemia Covid 19 comparativamente a crise da Gripe espanhola ocorrida 100 anos antes. As suas conclusões, como diria Friedrich Nietzsche, nos levam a ser humanos, demasiadamente humanos.

Francisco Baptista nos impõe descrer na possibilidade de mudança da natureza humana após a atual pandemia. “Seres humanos continuarão sendo seres humanos, como ocorreu após a Primeira Guerra Mundial e a gripe espanhola. Tanto que, apenas duas décadas depois de tudo isso, fizeram o Holocausto, a Segunda Guerra e outras atrocidades mundo afora” (p. 20).

Sou leitor habitual de Sigmund Freud e do médico e filósofo alemão Norbert Elias. Neles encontro identidade com a forma de pensar do escritor Chiquito Baptista, buscando referências entre o presente e o passado dos humanos: “Os mesmos seres humanos que foram capazes de construir uma arena em Roma para 80 mil pessoas, quase dois mil anos atrás, com o objetivo de, entre outras atividades, presenciarem leões devorando cristãos e gladiadores lutando entre si até a morte” (p. 20).

Quem observa tais fatos na História perde um pouco das ilusões, principalmente aquelas que nos enviam à ideia de um homem naturalmente bom ou, na melhor das hipóteses, à tese do homem tábula rasa advogada inicialmente pelo modo de pensar de Jean Jacques Rousseau.

Opto por Freud, Elias e Chiquito. Sugiro que todos leiam Francisco Baptista Neto na segunda edição do seu livro SOMOS TODOS CRIMINOSOS E DESONESTOS? UM ESTUDO SOBRE A DELINQUÊNCIA.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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