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PARA ONDE VAI A COLUNA SOCIAL? - LVII

                                               Clara Angélica


 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Os primeiros textos da jornalista Clara Angélica Porto foram publicados pelo jornal A CRUZADA, mantido pela Diocese de Aracaju. Suas produções iniciais eram pequenas crônicas, contos e poemas, sob a orientação da professora Carmelita Pinto Fontes. Nessa fase inicial chegou a publicar um texto na REVISTA DE ARACAJU, periódico criado pelo prefeito da capital do Estado de Sergipe, Godofredo Diniz.

Clara Angélica ingressou na GAZETA DE SERGIPE como colunista social sucedendo a também jornalista Ilma Fontes, que era responsável por tal espaço daquele periódico, mas entrou em rota de colisão com o jornalista Ivan Valença, que era o Editor. Na redação do jornal já trabalhava o irmão de Clara, Nino Porto.

O convite lhe chegou durante uma festa na Associação Atlética de Sergipe. O próprio Ivan Valença a procurou e deu a informação de que previamente conversara com o seu irmão Nino Porto sobre a possibilidade de a mesma assumir o trabalho de colunista social. À época menor de idade, aos 16 anos, ela informou a Ivan que necessitava da autorização paterna.

Após a conversa com os pais, o genitor manteve um contato com o jornalista Orlando Dantas, fundador e diretor da GAZETA DE SERGIPE, de quem era amigo. O pai de Clara aprovou a ideia, mas combinou com Orlando Dantas a necessidade de impor limites comportamentais a sua filha, de acordo com os padrões vigorantes entre as famílias da elite durante a década de 60 do século passado.

Dentre os regramentos, ficou estabelecida a proibição de que Clara frequentasse a redação do jornal, tida com espaço exclusivamente masculino e inadequado a uma moça descendente de uma importante família da elite local. Isto, apesar da presença do próprio irmão dela, Nino Porto, dentre os redatores que ali davam expediente.

Clara Angélica produzia em sua própria casa o texto das colunas que passou a assinar. Diariamente ia ao jornal, estacionava seu carro e entregava no balcão de recepção do escritório da GAZETA DE SERGIPE os seus textos que eram repassados à redação. Jovem, bonita, vestida com as mini saias próprias aos anos do movimento da Jovem Guarda, sempre provocava alvoroço entre os jornalistas que se encontravam trabalhando na redação.

Todos aguardavam com ansiedade o momento de chegada da colunista ao jornal. O alerta era dado pelo jovem repórter Ancelmo Gois. Era ele que ia olhar a chegada da jornalista e anunciava para os colegas, descrevendo a roupa na qual ela estava vestida em cada dia, informando dos penteados e da cor dos cabelos.

Também o jornalista Ezequiel Monteiro demonstrava muito interesse pela chegada de Clara, explicitando que aquela era a sua nova paixão. A cada dia fixava no quadro de avisos do jornal, na recepção do edifício, um poema dedicado à sua jovem musa. O texto ficava ali até que a jornalista chegasse e fizesse a devida leitura, quando então era removido.

Muitas vezes, o próprio Ezequiel saía da sala da redação e ia ao encontro dela para declamar em voz alto o poema que acabara de escrever. Não escondia a paixão pela jovem colunista ainda saindo da adolescência. Efetivamente, havia uma burla das regras que o genitor estabelecera.  Corria o ano de 1968.

Como é de conhecimento público, em dezembro de 1968 foi editado o Ato Institucional de número 5 – AI5, estabelecendo duras restrições às liberdades individuais e atingindo em cheio o direito a livre expressão e as atividades dos jornalistas. Isto atingiu diretamente o trabalho de Clara Angélica, que produzia uma coluna social muito politizada.

Clara foi obrigada a comparecer ao quartel do 28 BC, em janeiro de 1969, a fim de prestar depoimento em Inquérito aberto pelo Exército. Como ela esclarece, passou um dia “na tortura emocional do major Bandeira”, que presidia o processo inquisitório. A partir de então, a sua coluna ficou menos política e passou a tratar mais das festas e outras atividades das famílias da elite sergipana. “Eu escrevia muito sobre cultura, sobre arte, me interessei muito pelo movimento hippie”.

Em 1970, Clara Angélica casou com um cidadão norte-americano que conhecera em Aracaju e migrou, passando a viver nos Estados Unidos da América. Voltou 12 anos depois, divorciada e mãe de dois filhos. Ao regressar, foi convidada pelo jornalista Amaral Cavalcante para publicar uma coluna no jornal FOLHA DA PRAIA.

Revela que no FOLHA fez até horóscopo. “Tinha Zara Zangada, que era pseudônimo de Ilma Fontes. Ela enjoou e Amaral me pediu para fazer o horóscopo. Aceitei, mas não quis o pseudônimo de Zara Zangada. Assinei Tara Contente. Eu sempre ajudava Amaral a fechar a primeira página.

Convivi com Carlos Magno e Fernando Sávio, que eu conheci ali na redação do FOLHA DA PRAIA. Desenvolvemos e consolidamos uma amizade linda. E fiquei no FOLHA até receber um recado de Paulinho Dantas Brandão para que eu fosse conversar com ele na GAZETA DE SERGIPE.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.
 

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