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BOULANGER E A HISTÓRIA DO ESCOTISMO CARREGADA DE SENSIBILIDADE HUMANA


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Conheci o trabalho de Antonio Boulanger em 2006, quando estava trabalhando na pesquisa que resultou no livro A ESCOLA DE BADEN-POWELL. Até então ouvira falar do seu trabalho como pesquisador e aplicado estudioso da história do Escotismo, mas não conhecia a sua produção. À época da minha pesquisa, quando li o seu livro O CHAPELÃO, terminei a leitura contaminado pela boa qualidade da sua atividade de pesquisador.

No último final de semana acabei de fazer a leitura do mais novo livro de Antonio Boulanger. O MOVIMENTO: OS PRIMEIROS ANOS DO ESCOTISMO é um livro de 143 páginas publicado pela editora Letra Capital, onde Boulanger demonstra as dificuldades e contradições existentes no processo de afirmação do Escotismo, o maior movimento juvenil de Educação extraescolar do mundo.

Toda a experiência do historiador paraibano, nascido em Campina Grande no ano de 1955, emerge num texto fluido e leve, característico da sua escrita. Escoteiro desde 1964 (ingressou como Lobinho, no Grupo Escoteiro do Mar Velho Lobo), Boulanger transporta em seu acervo de cultura no movimento escoteiro a participação em cinco jamborees mundiais e quatro panamericanos, além de inúmeros eventos nacionais.

Além de O CHAPELÃO, que citei aqui, Boulanger é ainda autor de outros celebrados títulos de história do Escotismo, como EM MEUS SONHOS VOLTO SEMPRE A GILWEEL, bem assim de A UNIÃO: HISTÓRIA DA CHEGADA DO ESCOTISMO AO BRASIL E DOS 90 ANOS DA UEB.

O MOVIMENTO; OS PRIMEIROS ANOS DO ESCOTISMO é um texto em 10 capítulos nos quais o autor discute o gênesis da ideia de Robert Baden-Powell; Brownsea; a transformação de uma ideia em movimento; a fundação da The Boy Scouts Association; as primeiras tropas escoteiras; a promessa e a lei escoteira; as primeiras progressões, especialidades, o Lobo e o King Scout; a primeira grande guerra mundial; os grandes nomes dos primeiros anos do Escotismo; e, a expansão do Escotismo.

Em 114 anos de atividade, o Escotismo possibilitou a prática de aventuras, contatos com a natureza, jogos, competições, excursões, acampamentos, participação em eventos nacionais e internacionais a jovens de quase todos os Estados nacionais. Um rico acervo de práticas de Educação extraescolar, mostrando aos jovens diversificadas possibilidades de autogoverno.

Boulanger nos demonstra que, não obstante a sua longevidade, o Escotismo continua atual e defendendo princípios acerca dos quais as ideias do pacifista general inglês que fundou o movimento foram pioneiras. Justamente por isto, dentre outras razões, continua atual e atraindo jovens no mundo inteiro.

Um excelente exemplo é a bandeira do ambientalismo, vista por muitas pessoas como novidade do século XXI ou do final do século XX. Em 1907, ao realizar o primeiro acampamento de escoteiros do qual se tem notícia, na ilha inglesa de Brownsea, Baden-Powell já tinha como pano de fundo daquele evento as práticas de defesa do meio ambiente.

O importante da análise feita por Boulanger acerca dos primeiros anos do Escotismo é rigorosamente a sua lucidez ao demonstrar que como um grupo de humanos que pensam, os escoteiros tiveram divergências e foram capazes de construir consensos em torno das práticas do Escotismo.

Normalmente, a literatura sobre o tema apresenta as teses de Baden-Powell como ideias aceitas com tranquilidade. Boulanger demonstra as diferentes interpretações dadas ao movimento escoteiro por atores distintos. Ao fazê-lo, penso eu, o autor cumpre o importante papel de humanizar as práticas escoteiras e a capacidade de liderança exercida pelo fundador do movimento.

É muito importante a concepção de história do movimento escoteiro assumida por Boulanger. Ao ler o seu trabalho, fica muito claro que heróis e mitos não existem. Eles não chegam com capas de estrelas. As práticas sociais que dão certo e se afirmam historicamente beneficiando as sociedades resultam da ação de homens firmes em seus propósitos.

O que fica da interpretação oferecida agora por Boulanger é rigorosamente a percepção de que nenhum de nós está infenso ao conflito de ideais. Conflitos existem em todas as práticas humanas. Mas, os homens desenvolveram a capacidade democrática de ser tolerantes. E é exatamente a capacidade de construção de consensos que possui o movimento escoteiro que dá suporte a sua longevidade na oferta de práticas educativas extraescolares apresentadas a crianças, adolescentes e jovens de todo o mundo.

Leitura muito recomendada.

 

 

*Jornalista, professor, doutor em Educação e escoteiro. Membro da Academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

Comentários

  1. Eu li este livro e recomendo! Sou chefe escoteira , quando li , fiquei mais apaixonada ainda pelo escotismo ! Chefe Boulanger é excelente no que faz ! Parabéns 👏

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  2. Parabéns Jorge, pela analise simples e objetiva do livro do Boulanger, tal qual o Escotismo que B-P nos legou, também simples objetivo e acima de tudo divertido, sem duvida um grande jogo. mais uma vez parabéns aos dois.

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