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O ESPÓLIO DO DIÁLOGO CONDESE-SUDENE – II

                                                       Luiz Garcia
 

 

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

 

Em Sergipe, o mesmo movimento que estimulou o surgimento da Sudene, no ano de 1959, possibilitou a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Sergipe – Condese, organizado pelo Decreto 470, de 31 de março do mesmo ano de 1959, em um conjunto de reformas administrativas promovidas sob o discurso de modernidade do Governo Luiz Garcia.

O Condese, segundo tal decreto, objetivava estudar e planejar a economia sergipana, visando o desenvolvimento do Estado e também articular os seus estudos e projetos com a Sudene. Era constituído de um Conselho Deliberativo, sob a presidência do governador do Estado, e de uma Secretaria Executiva, o seu órgão técnico.

O Conselho tinha caráter deliberativo e a Secretaria Executiva se transformou em um reduto de jovens economistas como Aloísio de Campos e José Cruz. Estes, ao lado de outros como Ariosvaldo Figueiredo – que não tinha vinculo direto com o Condese - eram os portadores técnicos da bandeira do nacional desenvolvimentismo em Sergipe e defendiam a necessidade de um Estado racional e eficiente, assumindo as teses de Celso Furtado e da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – CEPAL.

O próprio José Cruz, em palestra que proferiu ao microfone da PRJ-6 – Rádio Difusora de Sergipe, em setembro de 1961, definiu os técnicos do Condese como portadores de “alta dose de idealismo, ardente desejo de acertar e de colaborar com o Estado (...) através de um trabalho repleto de abnegação e sem alarde, sendo prestigiados, em toda linha, pelo governador Luiz Garcia.

Em sua quase totalidade professores da Faculdade de Ciências Econômicas de Sergipe e da Escola de Serviço Social de Sergipe, esses técnicos haviam frequentado cursos de aperfeiçoamento em desenvolvimento econômico e planejamento na CEPAL e no Conselho Nacional de Economia, possuindo a consciência da necessidade de integrar a economia de Sergipe ao Nordeste”.

 

 

OS INTERESSES

 

 

Seria uma redução simplista afirmar que Celso Furtado, Aloísio de Campos , José Cruz e outros eram economistas a serviço da classe dominante. Esta é, como aponta Francisco de Oliveira  - importante estudioso do pensamento de Furtado no Brasil – “uma redução vulgar muito frequente e que empobrece a história das relações entre ciência, sociedade e personalidade”.

Na verdade, técnicos como esses e outros, a exemplo de Ariosvaldo Figueiredo, sintetizavam o caráter diferencial da luta de classes e do conflito social do Nordeste, vis-a-vis com o desenvolvimento industrial do Centro-Sul. Os coronéis do algodão-pecuária que nas primeiras décadas do século XX emergiram no interior dos seus latifúndios para tomar o poder político da região – que escapava entre os dedos da então decadente burguesia açucareira – viam-se agora ameaçados pela articulação das classes populares.

Paradoxalmente, o apoio que esses coronéis receberam do capital comercial e financeiro inglês e norte-americano faltava-lhes então de forma direta e se lhes apresentava como capital monopolista, trajando as vestes da burguesia industrial do Centro-Sul. Essa situação e a percepção da ameaça concreta das articulações populares foi captada pela burguesia do Centro-Sul e os coronéis viram-se na contingência de aliar-se aos antigos adversários da velha burguesia açucareira.

Esse papel reservado a Sudene no momento da sua criação, trouxe nas suas entranhas um outro significado mais importante que os coronéis nordestinos do algodão-pecuária e a burguesia açucareira não conseguiram perceber quando lutavam pela criação da entidade, pensando apenas em esmagar os seus adversários locais, as classes populares: trata-se da absoluta submissão ao grande capital monopolista, o que os desfigurava como classe social e, concretamente, os obrigava a abrir a mão, no plano nacional e, consequentemente, no plano local, da hegemonia pela qual tanto lutavam.

É esta a trama que tentaremos desvelar um pouco mais no próximo texto desta série.

 

 

*Jornalista, professor aposentado da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da academia Sergipana de Letras e presidente da Academia Sergipana de Educação.

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